Crítica | HAIM - Women in Music Pt. III

haim.png

Uma das coisas mais sensacionais sobre música é quando ela se faz rebelde o suficiente pra criar melodias e compor narrativas fortes o bastante para contrariar nosso humor, subvertê-lo, e ditar o ritmo das próximas horas de nossas vidas.

Acho engraçado pensar no conceito inevitável de que certos álbuns tem sua estação do ano definida, e é muito difícil contestar essa ideia. Quase impossível na verdade. Como exercício visual tente fechar os olhos e imagine estar ouvindo 808s & Heartbreak(Kanye West) em outra situação que não em um dia chuvoso e melancólico de inverno. Árduo também é ouvir Dirty Computer se as circunstâncias não forem propícias pra se estar com o mínimo de roupas possível, provavelmente suando, pronto pra deixar o corpo se entregar a tudo que Janelle Monáe jogar em sua cara.

HAIM é uma banda de verão. A própria estética do trio de irmãs se vende por longas caminhadas na rua em dias claros em seus videoclipes, acompanhadas por suas melodias ensolaradas e seu estilo pulsante. De fato é possível caminhar por horas, talvez dias - e falo sério - enquanto ouvimos “Days Are Gone” (primeiro álbum de estúdio da banda) até percebermos que estamos longe de casa. No caso em questão, Danielle, Alana e Este caminharam por tempo suficiente até sentirem desconforto na inércia desse conceito. Women In Music Part III é, nesse sentido, sobre renascimento. Temos um álbum cheio de camadas e altos e baixos dentro do aspecto emocional, preservando a personalidade e o estilo acolhedor da banda, mas nos mostrando um lado que ainda não havíamos visto.

Hometown of mine
Just got back from the boulevard, can’t stop crying
The guy at the corner shop gave me a line and a smile
I know he was trying
But a lie is a lie
— Los angeles, haim

A bateria contagiante e crua de Danielle se faz mais forte do que nunca na abertura do álbum. “Los Angeles” de imediato tem muito a dizer. Se o saxofone de seus primeiros 10 segundos e sua guitarra cintilante demonstram a visão de uma “LA” alegre, é apenas para disfarçar a tristeza inescapável pela qual o trio de irmãs passou antes de gravá-la. Elas imploram que sua cidade natal as salve, mas não acham conforto em sua próprio lar. A produção aqui transmite esse exato contraste de sentimentos em relação a estar em casa mas não estar segura. A infusão de elementos de Jazz, com o tempo acelerado, é provavelmente o que elas gostariam de encontrar, ou como lembravam ser a cidade em que cresceram, mas em sua letra, por mais que tentem, essa proteção parece claramente lhes escapar.

Falando em letras, WIMPIII é o trabalho de escrita mais pungente da discografia do grupo. É onde descobrimos tudo que elas passaram para então se reinventarem. Em entrevistas, Alana conta que perdeu sua melhor amiga, a qual tinha apenas 20 anos, Este trata das dificuldades de ter diabetes tipo 1 e Danielle fala sobre a forte depressão pela qual passou. As motrizes que as fizeram voltar para o estúdio claramente servem como um meio de cura, e, baseado nisso, temos duas gamas de composições aqui: Por um lado, as mais vulneráveis que já vimos da banda, e por outro, as mais brilhantes e otimistas.

O violão de “The Steps” que lembra muito “Here Comes Your Man” da banda PIXIES em sonoridade, também traz muito da irreverência da faixa consigo, quando Danielle canta: “And every day I wake up and I make money for myself, And though we share a bed, you know that I don't need your help”. Todavia, essa equanimidade não desabrocha do nada. Ela surge com o amor e a conexão inerente entre as 3, como fica amostra em “Hallelujah”. Angelical em todos os aspectos, a canção demonstra, em seu tom e em seu minimalismo, a clara influência de Fleetwood Mac. Em sua letra surge um senso de gratidão tão grande que quase se torna dúvida, que tende a acontecer quando nos consideramos sortudos demais por ter algo em nossas vida, e as três deixam claro que só conseguiram ultrapassar todos os problemas mencionados, culminando em uma dos melhores álbuns do ano, por contarem com o apoio uma da outra.

And I like what we got, But I’m scared of what it’s not
So won’t you let me know, If I’m not alone?
Leaning on you
— Leaning On You, HAIM

A vastidão de gêneros é algo surpreendente. Enquanto “I Know Alone” explora a obscuridade da imutabilidade de algumas coisas e pessoas, no formato de um Eletro-pop denso e ecoante, “Up For A Dream” acentua um groove pesado, apenas menos impositivo que a guitarra desesperada por atenção ao tomar conta da mixagem em pontos diferentes da música. Como se não bastasse, “3 AM” é o perfeito exemplo de R&B em toda sua sensualidade. A mistura do baixo com os sintetizadores confirmam uma das músicas mais visuais dentro do currículo da banda. Literalmente há uma tensão sexual incontrolável e magnética aqui, quando os instrumentos se misturam com a voz Danielle, quase separando nosso espírito de nosso corpo, no pré-refrão conforme ela sussura “I'm floating away, Keep floating away, Floating away, floating away”.

Para finalizar, “Leaning On You” é tão confessional e íntima em sua letra e produção que soa como se estivéssemos redescobrindo a sensação de insegurança perante a um relacionamento. É a demonstração perfeita do que o Folk moderno deveria ser.

Voltando ao primeiro parágrafo, são poucas obras que tem esse poder de subversão no nosso humor. Não vem sendo fácil ouvir música em um momento tão difícil da história, e sinceramente, eu venho sendo muito ranzinza sobre não conseguir me relacionar com álbuns que carregam certa euforia em seu tempo e sua narrativa. Women in Music Pt. III destrói qualquer resistência quanto a isso, e é tão excepcional que, mesmo ao tratar sobre a resolução de dificuldades pontuais e pessoais de cada integrante da banda, é ensolarado e espaçoso o bastante para dividir toda sua luz com quem quer que escute.

9

Anterior
Anterior

Crítica | Shrek

Próximo
Próximo

As Melhores Animações do Século 21 (até agora)