Crítica | Rebecca - A Mulher Inesquecível (2020), da Netflix
(Antes de começar, gostaria de repudiar fortemente a pessoa que adicionou o subtítulo da versão em português. Simplesmente… pra que?????)
Imaginem a sala onde o remake de um clássico de Alfred Hitchcock, seu único a ser reconhecido como melhor de seu ano pela Academia e um de seus primeiros grandes filmes, foi sugerido e as rédeas da produção foram dadas à Jane Goldman e Ben Wheatley.
Quem são eles? Bem, exatamente, foi nas mãos dos dois que caiu o remake de “Rebecca”.
Baseado no livro de 1938, que teve outras adaptações nas mãos do mestre do suspense em 1940 e em uma série de TV em 1997, “Rebecca” conta a história de um viúvo ricaço que se casa com uma jovem, mas, após se mudarem para sua mansão, o passado volta a tona.
De cara, vamos falar sobre os principais responsáveis por este remake. Goldman é uma boa roteirista, mas no seu campo de ação: “Kick-Ass”, “X-Men”, “Kingsman”. Já Wheatley é um diretor pouco conhecido (“Free Fire”, o filme não o jogo) sem qualquer grande sucesso na mão. Porém isso não seria problema se ele tivesse o olho para o suspense, o que “Rebecca” prova claramente que não tem. Transformando a história de mistérios e revelações em um romance de época, mais preocupado em ser vistoso aos olhos do que conduzi-los ao que deve e o que não deve ser visto ou sentido, Wheatley praticamente abre mão de criar qualquer atmosfera, pois por mais belas que sejam as locações e mais polida seja a fotografia, nunca temos a sensação de que aqueles personagens pertencem àqueles lugares. A própria mansão, que deveria ter vida por si própria, é apenas mais uma locação.
E isso também afeta o elenco: Armie Hammer é perfeito para viver os galãs insossos de antigamente, mas parece pouco confortável e seu personagem tem mudanças de humos drásticas e sem sentido em diversos momentos - uma hora ele despreza, na outra ama incondicionalmente, na outra esbraveja, na outra chora e nenhuma particularmente convence. Já Lilly James, que está bem num todo, acaba usando de muletas interpretativas para informar a personalidade da Sra. Winter, cujo nome nunca é revelado em um dos poucos detalhes legais. Logo no início do filme ela dá de Dakota Johnson e derruba a bolsa na frente do ricaço bonitão para mostrar como é atrapalhada e constantemente se retrai quando atacada de forma pouco natural, tremelicando aqui e ali para mostrar insegurança. Alie isso ao fato de que, fora os dois, todos os outros personagens parecem ser unilaterais, e fica difícil sequer escolher um lado. Ou sequer querer saber o que lhes acontecem. A única personagem realmente fascinante fica por conta da Sra. Danvers, interpretada por Kristin Scott Thomas como uma mulher ressentida e implacável.
Além disso, o ritmo agitado impede o peso da história de ser sentido e por mais que Wheatley consiga conduzi-la para frente com dinamismo, claramente lhe falta tato em saber dosar sequências mais importantes que outras, o que acaba refletindo na revelação do mistério: por mais surpreendente que seja (para os que não conhecem a história), ele vem mais como uma obrigação do que como um impacto inescapável.
Mas se parece que odiei o filme, bem, nem um pouco.
Desde o começo vi que não seria este o filme para fazer valer um remake de Hitchcock (pois o único cineasta vivo capaz do feito se chama David Fincher), mas tampouco deixei de ficar minimamente interessado no que acontecia a seguir. Visualmente é um filme bonito, a trilha acaba sendo mal utilizada como um todo, mas não é ruim, e mesmo que falhe em construir planos significativos (com exceção para uma bela homenagem à Hitchcock próxima ao final, quando a Sra. Winter reage a algo com o fundo desfocado atrás de si), eles não deixam de ser vistosos e compostos de maneira competente.