Crítica | Invasion of Privacy - Cardi B
Há dois anos Cardi B lançou seu primeiro álbum de estúdio, invasion of privacy, e A RECEPÇÃO PÚBLICA FOI ASSUSTADORAMENTE OFENSIVA.
Não é surpresa que hoje, em 2020, WAP, uma das melhores músicas do ano, tenha a mesma exata admiração crítica e desmoralização pública. 2 anos depois de “IoP” chegar a nós, a cantora ainda é julgada por tudo menos aspectos musicais, expondo o problema com o coletivo que consome o gênero mais do que as qualidades e defeitos dela. Não vamos entrar ainda no mérito da misoginia dentro do Rap, pois isso merece mais tempo e palavras, mas fica clara a aversão que personalidades como Cardi B e Megan thee Stallion causam pelo simples fato de serem mulheres empoderadas falando de sexo e dinheiro com propriedade e de forma fervorosa.
Todavia, não é sobre só isso que Cardi foca em Invasion of Privacy. Aqui ela foge completamente do estereótipo em que foi enquadrada: apenas uma versão feminina de qualquer um dos Migos. Há verdadeiro interesse em abordar elementos mais introspectivos de sua vida e, como o próprio nome do álbum deixa claro, estamos diante de fatos aparentemente pessoais da cantora - embora não exista nenhuma nova descoberta que já não houvéssemos encontrado em seu Twitter ou visto em uma live em seu Instagram. É exatamente isso que torna Cardi B tão magnética. A persona que possui menos filtros expondo sua vida particular do que compondo suas letras, e isso diz muito.
O álbum chuta a porta e subverte expectativas com “Get Up 10”. A primeira faixa é muito mais uma análise sobre o seu crescimento na indústria e no mundo da música, passando por seu passado com pouca perspectiva de melhora - “Look, they gave a bitch two options: strippin' or lose, Used to dance in a club right across from my school” - do que uma tentativa deliberada de criar um banger voltado apenas para o aspecto comercial. O único verso da música é propositalmente longo e estranhamente necessário, acompanhado apenas por sirenes e um piano, criando uma atmosfera pesada e nos obrigando a entender que a figura Cardi B, aquela que em grande parte do tempo parece uma caricatura de tão exagerada e excêntrica, teve que passar por muitos eventos desconfortáveis - sem aparentemente possuir outras opções - até achar uma saída e adquirir a confiança que esbanja hoje.
Toda essa atitude eclode em “Bickenhead”, onde ela premedita o que viria a ser WAP um dia. Cardi aqui está em sua zona de conforto, mas não se conforma em ser apelativa apenas para seu público alvo. Ela cria um hino sexual para mulheres, cheio de personalidade e senso de humor, com um refrão incrível e pegajoso e uma batida que não possui remorsos. Possível que seja instrumentalmente uma das produções mais atmosféricas e viscerais que acompanham suas letras, com um órgão inusitado permeando o sample de “Bitches (Reply)”. “Bodak Yellow” dispensa comentários. É quase seu legado inteiro em forma de música, com versos brutais e sua personalidade autossuficiente inegável e imparável.
Os momentos mais pessoais do álbum são provavelmente os mais chamativos, tanto pelo esforço de Cardi em trazer uma abordagem e uma entrega diferente do que se esperava dela quanto pela qualidade em si que as faixas proporcionam. As letra sincera sobre medo de traição em “Be Careful”, que soa brega de uma maneira charmosa - como ela querer casar e ter o que Steph e Ayesha Curry têm - ou a alegria irrefutável de “Best Life”, onde Chance involuntariamente rouba a música para si - pois, afinal, ninguém vive a sua melhor vida ou é mais feliz que Chance The Rapper-, crescem a cada ouvida. Na energética “I Like It”, ao exclamar “I like proving ni**as wrong, I do what they say I can’t,”, trazendo J Balvin e incorporando elementos latinos ao Trap industrializado que por vezes é tão estático dentro do mainstream, ela faz exatamente isso: prova os outros errados, mesmo que eles ainda não saibam.
Infelizmente a segunda metade do álbum, fora “I Do”, onde SZA está incrível, perde por completo o apelo apresentado até então e cai na armadilha de replicar tudo que já vimos em um gênero já saturado. “Money Bag” e “Bartier Cardi” são óbvias tentativas de criar Bodak Yellow 2.0 e que acabam não funcionando por razões óbvias: A fórmula é exatamente a mesma, de cabo a rabo, porém os versos não tem 1/5 do charme do maior hit da cantora. “She Bad” e “Drip” são dois exemplos de total falta de originalidade. A primeira talvez tenha um dos refrãos mais inconvenientes da década e a batida mais genérica possível. A segunda é um leftover de algum álbum do Migos que veio parar aqui.
Cardi B possui uma aura verdadeiramente incrível e uma personalidade tão singular que transforma imperfeições em pontos positivos, justamente por não escondê-las ou tentar mudá-las. Ela não se preocupa em querer calar todos os seus críticos provando ser algo que não é. Se seu flow ainda é inconsistente e um pouco genérico, ela faz questão de mostrá-lo e usá-lo como se fosse orgulhosa dele. Se reclamam do timbre de sua voz, ela a usa como instrumento nas mixagens. Há simplesmente muito para se admirar em sua confiança e isso reflete em seu primeiro álbum.