Crítica | Ethel Cain - perverts
Se o ditado não julgue um livro pela capa fosse a representação de uma pessoa, com certeza seria a representação de Ethel Cain.
No extremamente conceitual 'Preacher’s Daughter' (2022), uma faixa otimista e marcada por sintetizadores que pintam um céu escuro de cores em neon, claras e vibrantes ganhou destaque em meio aos traumas familiares de Cain. A bateria de American Teenager parecia prestes a quebrar ano refrão, carregada de ímpeto e desejo, marcando o tempo da declaração da cantora que buscava desatar nós internos e quebrar correntes.
Lá atrás, após apenas duas músicas, muitas das minhas expectativas já haviam sido subvertidas. O Slowcore pegajoso com pitadas de horror religioso que parecia lógico ao observar a capa e o título demorou a aparecer. No lugar dele recebi uma das melhores canções Pop da década.
Provavelmente você, lendo esse texto, já ouviu o álbum predecessor do EP em tela - até porque não imagino que alguém, por livre e espontânea vontade, olhe para Perverts e se predisponha a escutá-lo sem nenhum conhecimento prévio - e ficou marcado da mesma forma que eu: Ethel Cain surgia em seu primeiro álbum como uma artista extremamente singular e provocativa, e se provando uma ótima historiadora, criando narrativas onde traumas, atmosferas densas e momentos de pura beleza já coexistiam em perfeita (des)harmonia.
Pois bem. Passados 3 anos, e tendo vivenciado os 90 minutos de Perverts (e decidido que isso já é o suficiente para o meu meu prórpio bem), concluo: Aqui a coisa se eleva na enésima potência (para o bem ou para o mal).
Absolutamente nada pode ser categorizado se tratando de Ethel Cain. Digo isso pois, inicialmente, ela escolhe um caminho conceitual que a afasta do público mainstream, mas que, musicalmente e artisticamente falando, contém um apelo mais desafiador e instigante do que essencialmente sombrio e bizarro.
Sobra oxigênio no vácuo ambiental que ela cria.
Após falas distorcidas versarem de forma ininteligível sobre um amor completamente repreensível e criminoso, sua voz, mais angelical do que nunca, dá vida a provavelmente duas das performances do ano em Punish e Amber Waves - que servem como uma espécie de recompensa após desbravarmos a solidão de uma floresta assustadoramente atmosférica.
Mas não podemos nos entregar nem nesses momentos onde a voz de Caine tenta nos seduzir por completo. É como se nada pudesse ser o que de fato deveria ser, e sempre tivéssemos que olhar duas vezes mas evitando chegar perto demais.
Se vale a pena enfrentar todo o perrengue pelos momentos mencionados? Acredito que sim, e ainda acredito que eles o impulsionam. Mas também não é de se estranhar quem simplesmente só preferir não entrar na floresta.