Crítica | Conto de Verão
SOBRE CANTOS E VERÕES
Em filme pessoal, Rohmer atinge toda a potencia do Cinema que buscou a vida inteira
Perdido por aí há um texto meu sobre Channel Orange, primeiro álbum de estúdio de Frank Ocean.
Nele, falo sobre como, ao ouvir o álbum, parece que a “praia” está mais próxima.
Era um texto, como muitos dos que escrevi nos primeiros… três anos de escritura (?) meloso em excesso, com erros crassos (confundi Marvin Gaye com Miles Davis) que tentava ser poético sem a bagagem necessária para tal - nem de vida, nem de arte, nem de forma.
Mas essa frase segue sendo a - minha - ideia e percepção central sobre a obra: entre suas muitas narrativas soltas envolvendo diferentes relacionamentos, Channel Orange é um álbum sobre um amor de verão, talvez o primeiro, e certamente o mais marcante. Mais importante que o ser assim textualmente, é o ser assim musicalmente: ao ouvir suas faixas desconexas se sequenciando, a sensação que me vem é a de aproximação com aquele verão que todos tivemos - ou teremos - um dia.
O que reforça várias coisas, entre elas a certeza de que a arte não muda a natureza, a reproduzindo em sua ciclicidade (essa palavra existe?), e de que Éric Rohmer era um cineasta que operava não a frente, mas além de seu, e de qualquer, tempo.
Pois Conto de Verão (1996), lançado no ano em que nasci, é a contraparte cinematográfica do jovem clássico de Frank Ocean, que em 2022 completou dez anos de idade. Mesmo que seja povoado por jovens franceses brancos de classe-média, as sensações que provoca mais que se assemelham aos sentimentos que regem Lost, Monk, Forrest Gump ou Thinkin Bout You. Claro, não há no filme de Rohmer o conflito interno referente à sexualidade tão debatida do cantor, e não há na música de Ocean a paixão por filosofia já tão lapidada do diretor. Mas, de novo, não falo de textos, e sim de sensações.
O REALISMO MÁGICO DE ROHMER
Sensações que superam mesmo uma decisão de Rohmer que parecia prever que pessoas ao redor do mundo associariam seu filme com suas músicas. Sem músicas não-diegéticas (pra simplificar: trilha sonora), Conto de Verão sabe que aqueles enfeitiçados por suas imagens as associariam às músicas que fizeram os seus verões. Ainda assim, nada me convence (e falo apenas por mim), que o filme não poderia facilmente ser embalado pelas melodias e harmonias suaves do álbum - quem sabe não seja um projeto… -, ressignificando e intensificando seus momentos de comunhão e solidão.
Me soa também como o filme menos “eventivo” (essa palavra não existe) de Rohmer. Apesar de não ser lá muito diferente de Pauline Na Praia, O Joelho de Claire, ou Raio Verde em sua ambientação e progressão, falta à Conto de Verão objetivos claros ou mesmo aqueles momentos poderosos que o diretor encontra nos mais singelos dos silêncios, toques ou olhares. Mas, curiosamente, esse momento vem justamente por meio de uma música, que para quem canta significa apenas uma expressão de sua presente, e aparente, felicidade, enquanto para quem ouve é a ressignificação de todo um momento… e um verão… e quem sabe uma vida.
Assim como para seu jovem protagonista (que faz a façanha de não ser um Rohmeriano clássico e chato), para mim Channel Orange completa Conto de Verão de maneira que outros talvez não entendam.
Em um de seus filmes mais quietos, Rohmer encontra na música, talvez a forma mais direta de expressão humana nas artes, seu momento mais cinemático. Pintando assim um filme laranja como o sol do verão, e encontrando mais uma vez a beleza que buscou documentar ao longo de sua carreira.
Assim como mostrado por aquele casal de jovens, fascinantes em sua imperfeita juventude, que conversam sem precisar de palavras, viva, portanto, o cinema que, pretendendo apenas mostrar, nos dispensa da fraude de dizer!