Crítica | Noite Vazia

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“Noite Vazia” nem parece um filme brasileiro, o que dirá do Cinema Novo.

Um dos primeiros filmes de Walter Hugo Khouri, “Noite Vazia” investiga a mente de dois homens e duas garotas de programa que eles levam para um apartamento no qual fogem de suas vidas. Sim, as semelhanças com “O Apartamento” de Billy Wilder estão ali, mas este trata como drama o que aquele levava como comédia (ou tragédia), o que resulta em uma experiência intensa e degradante para todos os envolvidos.

Iniciando o filme com uma sequência de esculturas de rostos, enquanto uma trilha sombria e ominosa nos introduz à silhueta da cidade de São Paulo, não está realmente claro pra mim o que Khouri quis dizer com isso, mas o efeito é inegável: com poucos segundos de filme, eu já estava magnetizado. E é curioso como o preto e branco transformam a metrópole em um ambiente ao mesmo tempo futurista e decadente, onde a escuridão reina tanto na magnitude de seus prédios, como no que quer que aconteça dentro e abaixo destes.

Mas mais curioso é o burburinho, o zunido que toma conta do filme até que seus personagens finalmente cheguem ao tal apartamento, onde o silêncio externo evidencia a inquietude interna daquelas quatro pessoas. Luisinho (Mário Benvenutti), o mais barulhento e despojado, esboça um costume forçado àquilo tudo, enquanto Nelson (Gabriele Tinti) reproduz o silêncio, seja por vergonha, seja pelo conflito interno de estar fazendo algo do que não se orgulha, mas não consegue resistir, seja pelo inescapável vazio que possa existir dentro de si. Pois fica claro que as personagens mais humanas da projeção são justamente aquelas mulheres, que já viram e fizeram de tudo, subjugando as próprias dignidades. Pois se a dupla de amigos não resiste à tentações porque esta é a natureza do homem moderno (e segue sendo, vide filmes como “O Homem Duplicado”, de 2013), as duas aceitam aquela humilhação por uma vontade muito maior, a de sobreviver.

Khouri passeia por aquelas pessoas de maneira sugestiva, envolvente, alternando tomadas longas com outros momentos onde a edição cria movimento, e intensidade, onde teoricamente não há. Em uma cena, as duas mulheres são “pedidas”, mais uma vez, para deitarem uma com a outra, e apesar de não mostrar quase nada de pele, o diretor consegue sugerir o horror daquela experiencia, a qual Luisinho assiste enfeitiçado e Nelson com a mesma conformidade com que encara tudo aquilo. E se ele consegue aproximar Nelson de Marta (Norma Bengell), esta que com seus olhos gigantes e com um meio sorriso comunica todo seu desconforto e até encantamento - sua reação à chuva traz uma pureza naturalista para sua composição, que a torna ainda mais humana -, também mostra como Luisinho e Regina (Odete Lara) tratam aquela noite como apenas mais uma, da qual mal podem esperar para acabar, mas insistem em seguir.

E é sobre isso que “Noite Vazia” trata, sobre a frivolidade de um encontro pelo acaso, que termina em apenas mais uma noite para cada um de seus personagens, pois por mais que dois deles (Nelson e Marta) tenham, claramente, uma conexão, há também a ciência de que nada virá desta. No fim, aquelas pessoas são as mesmas ao final da projeção, e se sentimos algo diferente disso é porque, em seus intensos 93 minutos, os conhecemos em suas formas mais vulneráveis e expostas.

Incapazes de fugir de quem são, tudo o que podem fazer é se emprestarem à mais noites como aquela, que os permitem fugir do barulho opressor da cidade à sua volta, mas acabam por trazer à tona o imenso vazio que há dentro deles. Vazio que, por mais incômodo que seja, eles já estão acostumados à conviver.

9.6

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