O Que É Oscar Bait: Como Harvey Weinstein quebrou Hollywood (outra vez).

O Óscar é cada vez menos relevante, já faz certo tempo que as críticas sobre os indicados são duras e para a maior parte do público a relação com os filmes é de uma gigante e ensurdecedora indiferença. Só 4 vezes na história a cerimônia de anúncio dos vencedores teve menos de 30 milhões de espectadores nos Estados Unidos: 2018, 2019, 2020 e 2021 (algo me faz crer que em 2022 teremos uma quinta vez), o motivo apontado há anos é o desconhecimento geral do público sobre a maior parte dos indicados. Em 2022, será entregue o prêmio de filme favorito dos fãs escolhido por votação online, o que é um sinal de que a Academia não tem mais nenhuma ideia de como fazer a cerimônia ser relevante. Uma vez o Óscar reunia queridinhos da crítica com favoritos do público naturalmente, mas nos últimos 25 anos a cerimônia foi tomada por películas, em parte, vistas exclusivamente por críticos e membros do corpo de votação em sessões especiais. Filmes favoritos da crítica continuaram a aparecer e eventualmente vencer a estatueta, mas agora eles dividem espaço com uma espécie diferente de produção: o Oscar Bait. Esse texto em duas partes vai, na primeira parte, remontar a trajetória da categoria de Melhor Filme no Óscar e como os Oscar Baits a invadiram a partir das técnicas de campanha de Harvey Weinstein adotadas por muitos outros produtores, na segunda parte uma análise fílmica dessas produções consideradas Baits tentando definir padrões qualitativos para alguns longas escolhidos por gosto pessoal.

Faz alguns anos que o termo Oscar Bait tem sido utilizado na temporada de premiações, é uma dessas expressões que é difícil definir, mas quando um filme se encaixa nela dá para identificar imediatamente. São os “Green Book”, “Discurso do rei” e “Crash”, para citar alguns dos que foram vencedores, além desses há algumas dezenas de indicados a melhor filme nos últimos 25 anos e mais outras dezenas de Oscar Bait que falharam em ser indicados, como Hollywood e o sistema de estúdios foi fundamentalmente quebrado como causa e consequência desse homenzinho dourado? Esse talvez seja o crime menos notório e obviamente menos grave de um famigerado nome hoje banido de Hollywood: Harvey Weinstein, até hoje o nome que mais vezes recebeu agradecimentos em discurso de aceitação de Óscar, condenado em 2020 por abuso sexual e estupro qualificado, o fundador da Miramax foi denunciado por mais de 80 mulheres por diversos crimes sexuais o que gerou em sequência um movimento de denúncias em massa na indústria cinematográfica que se espalhou por diversas outras esferas da sociedade norte-americana e alcançou significativa força em outros continentes.

Esse, porém, não foi o único jeito que o produtor impactou a indústria cinematográfica, depois de a sua produtora atingir grande sucesso com filmes independentes no começo dos anos 90, destacadamente “Sexo, Mentiras e Videotapes” (1989) e “Pulp Fiction” (1994), os dois vencedores da Palma de Ouro e o segundo tendo sido indicado a melhor filme no Óscar, a Miramax e Weinstein intensificaram os esforços para produzir e distribuir filmes com a fórmula comprovada vencedora de Óscares, e seus principais lançamentos nos próximos anos foram “O Carteiro e o Poeta” (1995), “O Paciente Inglês” (1996), “Gênio Indomável” (1997) e “Shakespeare Apaixonado” (1998), assim a Miramax garantiu 17 indicações ao Óscar de melhor filme no período entre 1992 e 2004 com 3 vitórias. Não havia dúvidas que o produtor hackeou a premiação e não demorou muito para outros estúdios copiarem sua fórmula de sucesso, especialmente depois da vitória de “Shakespeare Apaixonado” em 1999, até hoje muito contestada e considerada uma das piores escolhas do prêmio.

Há diversas maneiras de analisar a história da categoria de “Melhor Filme”, por motivos práticos eu vou começar meu recorte a partir da premiação que elegeu os melhores filmes de 1967. A justificativa é que com as indicações de “Bonnie e Clyde” e “A Primeira Noite de um Homem” esse ano marca a entrada definitiva do movimento chamado de Nova Hollywood na premiação, uma década depois a renovação já era um fato e havia uma nova geração com novas ideias tomando conta da indústria. Uma das principais mudanças promovidas nessa época foi o começo de uma cisão naquilo que era entendido como filme “para a crítica/de arte” (muitos desses fizeram grandes bilheterias) e os blockbusters (recorrentemente esses eram muito aclamados pela crítica também). No ano de 1975, a Academia indicou para melhor filme “Um Estranho no Ninho” (Milos Forman), “Um Dia de Cão” (Sidney Lumet) e “Tubarão” (Steven Spielberg), três autênticos representantes da Nova Hollywood apesar de orbitarem outros espaços na percepção pública, a bilheteria do terceiro foi 10 vezes maior que a do filme de Lumet, mas foram postos lado a lado.

A primeira vez que o termo Oscar Bait foi usado não teve o sentido pejorativo de hoje, foi para descrever a estratégia de lançamento de “O Franco Atirador” (1977) que saiu nos Estados Unidos em 8 de dezembro para estar mais forte na memória dos votantes da Academia quando a janela para a premiação se fecha no fim do ano. Isso foi replicado por várias vezes ao longo dos anos. Mesmo com a distância entre os filmes para o público e para a crítica aumentando em Hollywood os Blockbusters foram recorrentes na categoria de Melhor Filme, “Star Wars” (1976), “Indiana Jones” (1980), “E.T” (1981) e “A Bela e a Fera” (1991) são alguns dos indicados que hoje dificilmente seriam colocados nessa categoria. A mudança causada por “Shakespeare Apaixonado” foi sentida de verdade 10 anos depois quando “O Cavaleiro das Trevas” não foi indicado ao prêmio de Melhor Filme em 2008 e quando “Avatar” não saiu vencedor em 2009. A primeira situação foi responsável pelo número de indicados na categoria subir de 5 para no máximo 10 (número de vagas só preenchido em 3 ocasiões), como um movimento para reaproximar o público da premiação, pois pouco a pouco nessas décadas as produções mais populares foram desaparecendo. O filme de James Cameron ser esnobado foi ainda mais decisivo para Hollywood, foi a sinalização definitiva que os Oscar Bait criaram uma hegemonia tão grande na Academia que não há popularidade nem espetáculo tecnológico que vai fazer uma megaprodução tirar o prêmio de um drama de guerra. Esse foi o sinal verde para que os estúdios gastassem dinheiro apenas em super-heróis e propriedade intelectual para fazer bilheteria e rompessem definitivamente o limite entre os filmes caros para a sala de cinema e os baratos para ganhar prêmios.

Para demonstrar a mudança na probabilidade de um filme popular sequer ser lembrado, eu escolhi dois períodos de tempo diferentes: 1988-1997 (os 10 anos anteriores há “Shakespeare Apaixonado) e 2020-2011 (os últimos 10 anos) e levantei a quantidade de filmes presentes tanto na lista de 10 maiores bilheterias mundiais e na categoria de Melhor Filme do Óscar simultaneamente para cada um desses 20 anos separados. Entre 88 e 97, um terço dos indicados estavam nas duas listas (17 de 50 indicações), em 5 ocasiões o vencedor foi um dos grandes assistidos do ano, além disso, 3 produções número 1 foram indicadas nesse período sendo que “Rain Man” (1988) e “Titanic” (1997) ficaram no topo das vendas de ingressos e do Óscar. Para o segundo período analisado o número total de indicados quase dobrou e foi para 86 e o número de longas presentes na duas listas caiu para 5 (6%) com nenhum vencedor e nenhum filme número 1 de bilheteria lembrado. Sem sombra de dúvidas, houve uma divisão entre os trabalhadores da indústria e seus espectadores: Harvey Weinstein quebrou o principal prêmio de Hollywood e até hoje não foi encontrada uma solução para isso.

E como ele fez isso? Para entender de maneira estatística me baseio num estudo de dois professores da UCLA que analisaram as palavras-chave e gêneros listados no IMDb para 3 mil películas lançadas entre 1985 e 2009 e a correlação delas com indicações e prêmios nas principais categorias do Óscar (Filme, Direção, Atuação e Roteiro), apesar do estudo fugir do escopo da categoria de Melhor Filme é um bom indicativo dos filmes que encontram mais eco entre os eleitores da Academia. O resultado deles não pode ser qualificado como surpreendente, a conclusão é que entre os gêneros mais bem premiados estão “Drama histórico”, “Épico de guerra” e “Filmes sobre showbiz” e entre as palavras-chave que se destacam estão “Tragédia familiar” e “Pessoas com Deficiência”, outros dois dados que eles quantificaram foram: filmes com atores, diretores ou roteiristas que já ganharam prêmios em edições anteriores têm mais chances de serem indicados e produções ou distribuições de selos independentes dos grandes estúdios também são lembradas com mais frequência, esse é exatamente o caso da Miramax que foi adquirida pela Disney em 1993. Na outra ponta os gêneros com menos sucesso são “Terror” e “Ficção Científica” e entre as palavras-chave sem indicações deve se destacar o termo “Cinema Negro Independente” (a partir de 2009 houve algumas indicações que se incluiriam nessa categoria).

Com as produções matematicamente escolhidas, a próxima etapa do método Weinstein é o marketing: suas duas vitórias mais surpreendentes (leia-se: os piores filmes que ele fez vencer Melhor Filme) “Shakespeare Apaixonado” e “O Discurso do Rei” tiveram 15 milhões de dólares investidos cada um em suas campanhas de Óscar. O método de campanha é explicado de forma mais detalhada no texto publicado pelo crítico Pablo Villaça em 2017 “Quanto Custa um Óscar e por que o Globo de Ouro é uma piada”, o que interessa aqui é destacar o empenho das estrelas nas campanhas porque são elas que carregam os Oscar Bait até a vitória. Campanhas definitivamente não foram criadas pela Miramax, mas nota-se que um ano depois da vitória do seu “O Paciente Inglês” a Academa proibiu que jantares em nome dos filmes fossem organizados com convidados do corpo de votação. Uma estratégia destacada nas campanhas de Weinstein era fazer sessões especiais do seu concorrente em destinos populares de férias entre as estrelas de Hollywood como o Avaí ou os Alpes, para alcançar eleitores que potencialmente perderiam o filme por estarem de férias no fim de ano, também o uso de táticas para desmanchar a reputação de artistas que estão em filmes concorrentes ou diminuir o valor artístico de outras produções. E claro, usar a imagem das principais estrelas o máximo possível, no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 alguns artistas como Ben Affleck e Gwyeneth Paltrow tinham contrato fixo com a Miramax e assim se tornavam o rosto da empresa ao longo de todo ano. Fazer campanha para um filme distribuído por Weinstein significava no mínimo três meses de dedicação exclusiva a isso, incluindo todas entrevistas possíveis, eventos beneficentes, festas com críticos e membros mais velhos da Academia e até eventos políticos como palestras e seminários relacionados ao tema dos filmes.

As atrizes e atores desses filmes topavam isso por vários motivos, um deles é que elas têm interesses financeiros para isso já que normalmente os maiores nomes de produções desse porte ganham créditos de produtor e podem ter participação na bilheteria como forma de pagamento (ganhar um Óscar representa um imenso retorno financeiro) e a principal consequência é que o star system hollywoodiano está aprisionado e é ao mesmo tempo seu próprio carcereiro. Os gêneros que os votantes da Academia todo mundo sabe, biografias, dramas históricos, filmes que falem de temas sérios, mas de um jeito que não faça ninguém se sentir muito culpado pelos problemas da sociedade. E isso cria a seguinte situação: as pessoas de Hollywood votam em filmes que elas gostariam de fazer por achar que são os que mais têm chances de dar a elas prêmios, por exemplo, um ator votar numa biografia porque se um filme desse gênero é premiado, mais serão produzidos e o eleitor sabe que se ele fizer uma biografia tem mais chances de ser reconhecido pelos seus pares. E é assim que o Óscar quebrou, os membros da Academia seguirão votando para os mesmos gêneros ganharem enquanto acreditarem que isso aumenta suas próprias chances de um dia levar o homem dourado para casa.

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