Crítica | Pinóquio por Guillermo del Toro
Pinóquio é um filme de verdade!
Sempre empolgado por fábulas, Guillermo Del Toro adaptou um clássico com muita sensibilidade.
Realizada em stop-motion, a nova versão do menino de madeira é a grande produção de animação do ano e faz jus ao nome que seu diretor carrega como um grande contador de histórias. Como uma grande adaptação deve ser, o longa traz os principais elementos éticos e morais da história escrita por Carlo Collodi no Século 19 da maneira que acha melhor e refletindo sobre alguns dos pontos principais propostos pelo livro. Esse “Pinóquio” começa durante a primeira guerra mundial e se passa principalmente no período da segunda guerra mundial na Itália, a ambientação no período fascista possibilita o diretor explorar suas ideias sobre os temas que costumam habitar o entorno do personagem com desenvoltura, sem abrir mão da atmosfera sombria que a história tem, e que Del Toro explica que sempre foi objeto de sua admiração em “Pinóquio”. Em meio ao império de animações 3D e filmes inteiros em computação gráfica, a criação visual do diretor também é um destaque importante, quase um alívio para os olhos, utlizando o stop-motion para aumentar os sentimentos e a interação com o público.
“Pinóquio por Guillermo Del Toro” começa nos contando a história de Geppeto (David Bradley), um carpinteiro que vive com seu filho, Carlo, na Itália, até o dia em que o menino morre em um bombardeio na cidade durante a primeira guerra. Anos se passam e o homem jamais deixa seu filho de lado, até que um dia, bêbado, resolve costurar um boneco de madeira para se lembrar do garoto. Um ser místico da floresta (sempre ela) então resolve dar vida para o boneco, na tentativa de amenizar a dor do já velho homem, a Fada (Tilda Swinton) escolhe o Grilo Sebastian (Ewan Mcgregor), morador da árvore que o carpinteiro cortou para fazer o boneco, para ser o responsável para que o boneco fizesse boas escolhas em vida. Assim nasce Pinóquio (Gregory Mann), e apesar de o Grilo rapidamente explicar para ele que deve ser obediente, o menino de madeira é movido por sua curiosidade e suas pequenas vontades a sempre fazer aquilo que tem desejo. Ele chama atenção de alguns personagens da cidade como o mestre do circo Conde Volpe (Christoph Waltz) que o vê como uma oportunidade de atração lucrativa e o Podestà (Ron Perlman) autoridade fascista na cidade que enxerga o protagonista como uma arma de guerra.
O que mais chama atenção em “Pinóquio” é a maneira como os temas da história original são abordados, uma das teses originais de Collodi é sobre obediência e as consequências das crianças não seguirem as ordens que recebem, outra é como a persistência do trabalho ao invés da diversão traz bons resultados, morais bem tradicionais das fábulas infantis. Del Toro não subverte ou contradiz essas ideias, mas o roteiro do filme lançado em 2022 adiciona camadas um pouco mais complexas a essas teses. Quando começa a trabalhar no circo, Pinóquio acredita que está ajudando sua família, quando na verdade Conde Volpe está tirando a parte combinada do seu salário para pagar “taxas” como alimentação e moradia. Depois disso, quando o protagonista vai para o centro de treinamento de guerra aprender obediência, o menino de madeira e seu amigo Candlewick (Finn Wolfhard) começam a questionar o motivo de terem que lutar junto com todos outros meninos e acabam criando um conflito no treinamento ao terminarem um jogo de guerra conciliando lados rivais. Sem alterar os temas do romance do Século 19, a nova produção pondera sobre trabalho sem crítica e obediência sem reflexão e como isso ao último extremo são os objetivos de uma sociedade fascista.
Num momento em que animações e live actions são dominados por animações computadorizadas, “Pinóquio” não só é um bom filme em stop-motion, como usa essa ferramenta nas suas maiores forças, a criação de belas imagens impactantes acontecea quase a cada cena. O design dos personagens reforça o lado sombrio da história, com um Pinóquio feito de gravetos, com pregos saindo das suas costas, um Geppeto com grandes olheiras e uma barba pontuda e o temido Monstro do mar é assustador, sombrio e fantasioso. As cores escuras realçam a atmosfera triste do luto de Gepetto pela perda do seu filho e a busca de Pinóquio por seu pai, mas sem nunca dar um pouco de cor e esperança. Toda essa discussão moral e a intenção estética não descaracterizam esse como um filme apropriado para o público infantil ou infanto-juvenil, pois Del Toro realiza esses feitos considerando muito bem qual o público que quer atingir com esse conto de fadas. Aliás, fica pequeno frente a tudo isso, mas a produção inclusive é um musical e talvez seja o que há de pior, as canções são chatas e puxam para baixo a melhor animação do ano.
“Pinóquio por Guillermo Del Toro” é um filme capaz de reimaginar não só uma história que todos conhecem, mas os valores de uma sociedade antiga e apresentar novas ideias para morais mais importantes no mundo em que vivemos, mas faz isso sem usar artimanhas simples que produções infantis usam quando não entendem seu público. O roteiro lida com vários temas muito difíceis de frente, expondo as conradições e dificuldades que seus personagens enfrentam com honestidade, e por isso, a mensagem final, a moral da história, trazida pelo Grilo Falante “tente dar o seu melhor, porque esse é o melhor que alguém pode fazer” se potencializa através das escolhas que os personagens fazem. A própria capacidade de agência de Pinóquio no clímax do filme é louvável e conversa com a temática, mostrando que fazer o melhor é também uma escolha. Del Toro acerta na mensagem e na maneira de entregá-la, não tendo só uma moral de conto de fadas, mas uma estética que encanta.