Crítica | Batman Begins

“Por que caímos?”

Não acho que o aforismo acima seja o dilema moral apenas de Bruce Wayne para superar medos do passado. Durante muito tempo a história do Batman foi mais ditada pelas peculiaridades patenteadas de seus diretores (Tim Burton e Joel Schumacher) do que pelo tom sombrio e discreto que o herói carrega essencialmente consigo. Batman, até parar nas mãos de Christopher Nolan, se tratava mais sobre ambições pessoais (coisa que colide com muitos dos princípios do herói) do que com a preocupação de fazer aquela uma história palpável, algo que é imensurável em filmes de super-heróis.

Nesse sentido, Batman sempre sustentou a sua popularidade com jovens adultos, como eu, por ser alguém fisicamente vulnerável e alcançável em um mundo não tão distante, figurativamente falando.

Ao tratarmos de qualquer história fantasiosa, é importante para nós, como espectadores, que seja oferecido qualquer elo que possibilite nossa auto-inserção dentro daquele universo, e que, então, o filme consiga transitar entre essa atmosfera tangível e toda vastidão criativa, imaginativa e irreal da coisa. Geralmente esse vínculo é cimentado através de personagens secundários, que buscam humanizar o protagonista e que evocam uma sensibilidade altruísta e identificável (no caso Alfred, Rachel e Jim Gordon), mas isso seria convencional demais para Christopher Nolan. Muito do que vemos em tela possui uma impressão realista (dos artefatos usados por Batman até a plausabilidade de Gotham como uma metrópole inserida no nosso mundo). Os reflexos de um sistema econômico abusivo e falido em seu ápice, fruto de uma corrupção não explícita (juízes comprados, políticos mercenários) e suas consequências falam conosco de forma distópica e incisiva. Batman Begins é denso, narrativamente falando, como nenhum outro filme do gênero se mostrou até hoje.

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Logo de cara percebemos que o roteiro de Nolan e David Goyer toma o cuidado em não repetir o erro cometido em 1989, onde Michael Keaton foi completamente ofuscado por Jack Nicholson - no final das contas Heath Ledger, no segundo filme da trilogia, acabou fazendo exatamente o mesmo- quando a história usa metade do seu tempo apenas nos introduzindo e concebendo as diversas camadas de um complexo Bruce Wayne, representado por um igualmente complexo Christian Bale - que é, indiscutivelmente, o melhor ator a ter vestido a pele do bilionário. Ao usar metade do filme para nos mostrar tanto as relações afetivas mais carinhosas de Bruce quanto expor seus medos mais profundos e buscar complacência em relação as reais consequências deles é onde o filme adquiri “gravitas” que ainda não sabíamos que poderíamos sentir em histórias assim.

Batman, pelo menos aqui, não é isoladamente um show visual. Sinceramente a ação do filme é o que menos se destaca, apesar de ser excepcional, e nos sentimos bem por isso. Não é como se houvesse prazo de validade para falar sobre as temáticas abordadas aqui. Quando vemos uma história investigativa, aprazada pelo tom noir, nos pegamos curiosos. Quando somos levados para pautas existencialistas, acima de tudo sobre o poder das relações e a mutabilidade do ser devido a elas, estamos quase estasiados. Batman Begins não tem pressa em apresentar sua proposta e culmina, de forma quase perfeita, em um filme fundamentalmente sobre Gotham e Bruce Wayne, e consequentemente sobre a relação entre os dois.

Há tanto pra refletir, ponderar e analisar sobre essa história que, por mais limitado que seja seu gênero, se nega a aceitar rótulos. Não é a toa que a fórmula deu tão certo no caso em questão mas nunca foi replicada a altura - ou perto disso. Nolan vai fundo ao explorar as camadas mais obscuras do ser humano e da sociedade em que vivemos, para assim, futuramente, nos mostrar como podemos nos levantar de novo. A franquia Batman estava de pé novamente.

9

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