Crítica | Brockhampton - Ginger
As vezes a capa de um álbum diz muito sobre um projeto das maneiras mais diversas. Seja uma única cor evocando o verão e seu sentimentalismo como o laranja de Frank Ocean em Channel Orange, seja o campo lotado de abelhas e girassóis de Tyler em Scumfuck Flower Boy que nos transporta diretamente para aquele lugar ou na solidão que a janela nublada de Bon Iver em For Emma, Forever Ago nos passa.
Ginger é um momento de reflexão, aceitação e recomeço. A linda capa do LP transmite um sentimento muito preciso de tranquilidade e, por que não, alívio.
Bom, eu tenho uma tatuagem de sofá no meu braço. Não o sofá de Friends, como sou perguntado dia sim, dia também, por recém conhecidos, mas o sofá da boyband que considero um dos grupos mais talentosos na música. Não que isso de alguma forma me dê mais propriedade para falar de Ginger, mas de certa maneira, me motiva a dissecar mais algumas coisas que antecederam o 5º álbum da banda.
Dito isso, fica claro caminho que esse parágrafo vai tomar: a saída de Ameer Van foi algo complicado para o grupo. Mais do que pela amizade gigantesca deles como um todo, musicalmente falando, estruturalmente Brockhampton possuía nichos bem estabelecidos de cada um de seus integrantes dentro de suas músicas. Contextualizando pra quem não conhece a história, Ameer foi acusado de abuso sexual e foi expulso da banda, com o novo álbum “Puppy”prestes a ser lançado. Mais do que um choque para os fãs, Brockhampton havia criado um conceito muito singular no mundo do Rap, gênero que se construiu ao longo dos anos através de artistas com históricos de abuso e misoginia.
Essa auto concepção de Boyband - antes preocupada em falar sobre incertezas de todo jovem adulto e buscar por autoafirmação com uma confiança desconcertante (Bleach e Boogie, respectivamente) - é abraçada por completo, e em Ginger, Brockhampton alcança seu momento mais Boyband-ish, caindo em alguns clichês e sendo menos inventivo do que em seus trabalhos anteriores, mas ainda fazendo isso da maneira mais autêntica possível.
A melancolia explícita na produção e nas letras do álbum talvez fosse o que a maioria das pessoas esperassem que viria no trabalho subsequente a todo esse incidente, no lugar do visceral e eufórico Iridescence. Felizmente, Ginger se concretiza como finalmente o passo que a banda precisava dar pra seguir em frente ou a virgula que vai anteceder o ponto final. O mais engraçado é que Ginger, com todas suas qualidades e defeitos parece algo necessário, não musicalmente falando, mas sim pessoalmente.
Profundidade emocional sempre foi algo que a melhor Boyband desde One Direction soube abordar mas que nunca foi o foco de nenhum dos seus trabalhos. “No Halo” e “Sugar” surgem como dois desses momentos em que explorar mais esse lado deprimido não parece opcional. A primeira, onde um loop de violão acompanha o beat acelerado cria uma atmosfera quase visual. É fácil sentir e se identificar com os temas salientados em “No Halo” e mais ainda em Sugar, também dominada pelo violão e infestado de elementos de R&B. É fácil de visualizar o refrão extremamente sentimentalista dominando qualquer rádio 20 anos atrás.
Não se deixando enganar por toda ambientação melancólica criada, Ginger também possui seus Bangers, o que inclui dois dos melhores dentro do currículo da banda(Boy Bye e If You Pray Right), a diferença é que até nesses casos seja por meio das letras ou da produção, ainda nos é transmitido um significado mais obscuro, como disse Dom em entrevista sobre Boy Bye:
Estruturalmente, a transição de Heaven Belongs to You - com uma ótima participação de Slowthai - para If You Pray Right faria mais sentido, tanto pela homenagem à Nina Simone quanto pelo sample (Break the Law’95) e a instrumentalização usadas em ambas músicas serem as mesmas, com a primeira preparando terreno para explosão que é a segunda. St. Percy, narrativamente falando, não faz muito sentido entre ambas, mas isoladamente é um dos destaques do álbum, com seu baixo distorcido criando uma atmosfera completamente imersiva.
Eis que chegamos ao clímax do álbum. Dearly Departed é um claro momento de exorcização dos demônios que acompanham os integrantes desde o começo de todo incidente Ameer Vann, onde Matt e Dom rimam como se falassem diretamente com o ex-membro:
Big dog, I feel like I don't got anybody on my side no more
Highs to lows‚ truth be told
It's hard to ignore, hard to endure
Where's my stamina in this life?
Pass the weight off to your friends and never face the truth
Because you never learned how to be a man
And it's not my fault, and it's not my problem anymore
That's just where you stand
That's just who you are
That's your cross to bear
You could talk to God
I don't wanna hear, motherfucker
Os versos são deliberados com uma brabeza e frustração paralisantes. A guitarra durante toda música, mas principalmente acompanhando os vocais de Joba no refrão, cria provavelmente o momento mais emocional de todos os cinco álbuns da banda até então. É um espectro não antes visto em nenhuma de suas músicas. Na verdade, é tão pessoal que se torna contemplativo. Não acompanhamos a batida, muito menos sentimos vontade de cantar. Somos unicamente ouvintes de um desabafo aqui, e também é tudo que queremos ser.
Imediatamente algo chama a atenção. O nome da próxima música se chama I Been Born Again. Ela, que não possui refrão - o que causa estranheza - traz algo de novo mas causa certa indiferença. Desse momento até o final do álbum, Ginger parece uma junção de músicas que sobraram de Arizona Baby de Kevin Abstract e entraram aqui . A pegada mais Pop na produção e os assuntos tratados deixam isso claro e o sentimento de estar presenciando algo totalmente novo e diferente some num piscar de olhos.
Porém, Ginger trouxe uma amostra de várias coisas novas e uma proposta completamente diferente de qualquer trabalho anterior da banda. Ela não começa com nenhum banger ou termina com uma balada de Bearface - que claramente é o destaque do álbum- como é costumeiro em todos seus projetos. Não segue nenhum padrão e por vezes a confusão emocional pela qual eles passavam durante a construção do LP transparece nitidamente. Talvez seja por isso que hoje, todos os garotos estejam tão bem consigo mesmo, como é retratado em qualquer nova entrevista. Eles fizeram algo que precisavam fazer do jeito que acharam melhor, e isso é admirável.