Crítica | Brockhampton - iridescence
O quão importante é o uso de cor na música? Sim, cor.
“Iridescência”, a palavra, é um fenômeno que acontece quando um objeto parece ter uma cor diferente dependendo de quem o observa. Parece impossível, mas “Iridescence”, o álbum, consegue reproduzir isso com a maior fidelidade possível.
No final do ano passado, em dezembro, mais precisamente, a Boyband mais original - desde os Beatles? - em décadas lançou seu quarto projeto e terceiro em sua trilogia “Saturation” que, como o nome já sugere, tinha como objetivo saturar o ano de 2017 com tanta música que seria impossível não notar. A estratégia deu certo e “Saturation III” atingiu o top 20 da Billboard 200, foi crucial em conquistar uma das fan-bases mais leais do cenário musical atual e confirmou, ao se provar um dos melhores lançamentos de 2017, que o talento do grupo é algo raro.
Talvez o fator mais importante para toda essa ascensão e adoração por parte de muitos fãs seja justamente a originalidade de seu som. Não existe NADA parecido com BROCKHAMPTON. As influências, no entanto, são muitas e a principal delas, Kanye West (o grupo foi formado em um fórum dedicado ao artista), talvez seja a razão de sua musicalidade ser tão variada. Jazz, R&B, Rock, Indie, Eletrônica, Soul, Country. Os elementos e gêneros se misturam e se abraçam, formando, sempre em torno do Rap, um som que já se tornou característico e que realmente se destoa em comparação ao Trap/R&B dominante nos dias de hoje. Talvez o mais próximo seja Outkast no auge de sua forma.
Apesar de a fórmula ainda ser, em teoria a mesma, cada um de seus álbuns difere consideravelmente do anterior. As batidas estão mais pesadas, a influência da música eletrônica está mais presente, muitos dos instrumentos estão um tanto distorcidos lembrando até um pouco de Death Grips (ou “Yeezus”, dependendo do ponto de vista), além de uma já característica grande quantidade de elementos externos dançarem ao redor de cada produção. No maior estilo Tame Impala, o grupo gosta de brincar com conversas e vozes ao fundo, quase inteligíveis, mas que dão profundidade e um tanto de mistério à tudo que o álbum apresenta conceitualmente.
Enquanto o número de membros chega a dois dígitos e inclui desde produtores à fotógrafos, diretores de arte, web designers e gerenciadores, aqueles os quais ouvimos as vozes são Kevin Abstract, Matt Champion, Don McLennon, Joba, Merlyn Wood e Bearface e a evolução da maioria deles dá à toda essa sequência de álbuns algo que falta muito na música em 2018: vida.
Seria impossível que os assuntos trabalhados em “Saturation” fossem completamente esquecidos aqui, apenas um ano depois e, mesmo que isso limite um tanto a extensão de conceitos e assuntos trabalhados pelo grupo, acaba não sendo um grande problema - ainda - pela forma energética e emotiva com que eles encaram cada faixa. Do começo ao fim, “Iridescence” é inquieto e agitado, mais do que seus trabalhos anteriores e talvez ainda menos do que o próximo. São jovens na transição da adolescência para a vida adulta enfrentando a fama pela primeira vez e todos os seus desejos, anseios, angústias e esperanças se misturam e dão ao álbum vida própria.
Por conta disso, é um projeto que, definitivamente, necessita de múltiplas ouvidas, sendo que cada faixa pode parecer completamente diferente dependendo de como você a encare.
A estrutura do começo do álbum é dinâmica mesmo que comece o álbum de forma incerta, com pares compostos de uma faixa de tamanho comum e outra curta, sempre com abordagens distintas. A forte e irreverente “NEW ORLEANS” mantém a tradição de começar seus álbuns com bangers. Aqui eles flertam com o sucesso que atingiram até agora, mas adotam uma postura contemplativa sobre o caminho que traçaram até ele. A transição para a curta balada “THUG LIFE”, construída principalmente em cima de um belo piano tocado por Joba, é natural e adiciona camadas à sua longa admiração por Tupac, mostrando o lado triste e cheio de percalços da tão idolatrada vida bandida.
“BERLIM” conta com uma batida pesada quase isolada e com um infeccioso e contagiante refrão com pitch alterado, cantado por Bearface, onde eles flertam, dessa vez, com o dinheiro e os estereótipos que atraem para si de forma quase jocosa. Ela é seguida então, pela calma, simples e também curta declaração de Abstract à seu namorado, em “SOMETHING ABOUT HIM”. A lógica se inverte para a linda “WEIGHT”, que conta com o melhor verso de Abstract em todo o álbum, lidando com as inseguranças de sua infância e adolescência, além de mostrar todos os membros desabafando sobre o peso que agora carregam sobre seus ombros. Ela vem após a curta “WHERE THE CASH AT”, curta e sonoramente conturbada, que compara sua falta de dinheiro antigamente com suas vidas de agora.
Cada uma das seis primeiras faixas funcionam individualmente, mas ao juntar bangers com baladas, fica difícil centrar aonde eles realmente querem chegar. Há também um pouco de excesso em tratar sobre dinheiro e fama durante a primeira metade do álbum, algo que torna “DISTRICT” quase saturada, por mais que a faixa traga uma dualidade interessante sobre estes aspectos. A parte boa é a poesia conceitual que isso constrói, como se não importasse o quanto o brilho das correntes é intenso, ele não consegue ofuscar os medos que a vida adulta trazem. A parte ruim é que depois de sete músicas, já queremos algo diferente.
Felizmente, após a interlude falada “LOOPHOLE”, o álbum atinge seu melhor momento. “TAPE”, que sampleia uma batida de Radiohead, é uma contemplativa e direta carta à fama, onde cada um rima de forma quase desesperançosa sobre a superficialidade do mundo da música. Os instrumentos são tristes, violinos e celos, um piano em notas baixas, é um tom quase fúnebre que antecipa da melhor forma “J’OUVERT”, nomeada após um festival de carnaval em ilhas caribenhas, mas nada ali parece como uma festa fora a percussão tirada diretamente das músicas típicas do festival que aparece após o explosivo e agoniante verso de Joba. Talvez seja uma forma de aludir à perseguição da imprensa e dos fãs à andar em meio à um carnaval de rua. O fato é que funciona.
“HONEY” entra para a seleta lista de melhores músicas do grupo. Kevin brilha ao referenciar os milhões jeitos de se ficar rico, como 50 Cent prega. Com um sample de “Dance For You” de Beyoncé, as recorrentes sirenes e a musicalidade crescente, após um soco no estômago em forma de verso de McLennon, temos o melhor fechamento de uma faixa de toda a discografia da banda.
De todos os curtos momentos do álbum, “VIVID” é a música que merecia mais tempo, principalmente por antecipar as duas baladas que dão o tom final. “SAN MARCOS”, centrada em volta de uma guitarra solitária é uma volta as origens, na cidade onde o grupo começou. Até mesmo “TONYA” ganha vida nova com o belo arranjo adicionado para o lançamento no álbum, alterando de forma bem vinda o tom variante do álbum para seu final, em “FABRIC”, que com descrições reais e profundas termina tudo de forma caótica mas, por incrível que pareça, esperançosa. É o primeiro álbum de uma trilogia chamada “The Best Years Of Our Lives”, afinal.
Enquanto o grupo ainda parece longe de acabar, caso você ainda não tenha aderido ao hype, possa estar ficando tarde demais. Isso porque acompanhar o crescimento do grupo é uma das coisas mais divertidas desse processo todo. Eu mesmo, que apenas os descobri em “Saturation III”, já tive que montar o quebra cabeça começando pela, até então, última peça. Seria maravilhoso se Kevin Abstract, Matt Champion, Don McLennon, Joba, Merlyn Wood e Bearface, além de sua equipe de produção, fotografia, direção de arte pudessem ficar juntos para sempre, mas o histórico de Boybands é bem conhecido por todos.