Crítica | Questão de Tempo

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Em um certo momento de “Questão de Tempo”, a personagem de Lindsay Duncan declara que não vê graça na vida sem o pai de seus filhos, com quem fora casada por tanto tempo.

É uma declaração preocupante, mas que, por outro lado, reflete a mensagem que este filme de Richard Curtis tenta deixar impressa no coração de seus espectadores. Se James ensina a seu filho Tim que a vida não vale a pena se não for vivida ao lado daqueles que amamos, Mary prova que não precisa viajar no tempo para descobrir isso. No final, eles também não.

Escrito e dirigido por Curtis, “Questão de Tempo” joga como uma comédia romântica clássica, brinca de ficção científica, mas vence como um dos mais belos coming of age em uma década cheia deles. Estrelado por Domnhall Gleeson como Tim, um jovem que descobre que os homens de sua família têm o poder de viajar no tempo, e Rachel McAdams, como Mary, uma jovem “comum” que acredita se parecer com um esquilo, o filme nem tem, propriamente, uma premissa no quesito trama, sendo que seus personagens a reconstroem a cada nova cena.

De cara, a faceta sci-fi pode e deve incomodar os ávidos fãs de viagens no tempo por apresentar furos e paradoxos impossíveis de serem explicados - se um viaja, mas o outro viaja também, aonde o um para e o outro vem… que? -, assim como os detratores das comédias românticas vão facilmente se sentir superiores por criticarem a famosa convenção “garoto encontra garota”. Eu, por outro lado e fã de todos estes gêneros, prefiro enxergar a viagem no tempo como uma artimanha do roteiro utilizada não apenas para comunicar suas mensagens, mas para mostrar que mesmo o mais puro dos amores pode trazer consequências não tão felizes para certas pessoas. Em uma cena, Tim, após involuntariamente “apagar” seu primeiro encontro com Mary, se antecipa a um de seus pretendentes fazendo com que estes nunca se encontrem. No final das contas, dor nenhuma foi causada, mas segurar uma bola jogada em sua direção não muda o fato de que ela iria cair (ver “Minority Report”).

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Porém, se as implicações conflitantes que a habilidade traz tornam a bússola moral do filme algo difícil (e fascinante) de se decifrar, o afeto presente entre Tim e Mary nos faz acreditar que, de uma forma ou de outra, eles terminariam juntos. Gleeson e McAdams possuem uma química apaixonante, ela com um sorriso de mulher que jamais deixou de ser menina, ele como um menino que cresceu sem jamais deixar seu lado adulto o tomar por completo. Pois apesar de ambos os atores terem mais de 30 anos, a impressão é que sua relação tem a pureza do primeiro amor, com ambos admirando e amando tanto as qualidades como os defeitos um do outro, sempre com um olhar de encantamento que quase transforma este filme em um conto de fadas - algo que a própria música tema, ao piano, ressalta de forma simples e bela.

Curiosamente, a forma como Tim e seu pai - interpretado de forma calorosa por Bill Nighy - utilizam de seu poder lembra claramente “O Feitiço do Tempo”, um dos filmes mais influentes e imitados que, aqui, encontra seu primeiro sucessor digno. Vivendo dia após dia, Tim e James decidem não apenas aproveitar a vida, mas vivê-la intensamente, apreciando todos os momentos, sejam eles bons ou ruins. E justamente por serem seres tão amáveis é que a cena chave os envolvendo, ao final da projeção, tende a arrancar lágrimas dos olhos de todos. Afinal, o que não daríamos para passar um último dia ao lado daqueles que não mais temos entre nós?

Mas justamente ao nos fazer fantasiar o que faríamos caso tivéssemos aquela habilidade que o longa prova que a grande maioria de nós precisa daquilo que ele tem a oferecer. É claro que seria conveniente podermos consertar a primeira noite de amor com quem amamos, ou evitar constrangimentos, ou revivermos nossos momentos mais felizes. Porém cada um destes momentos constrói quem somos e, se pudéssemos revisitá-los, poderíamos nos esquecer de aproveitá-los de verdade. Ou ainda pior, descobrir que por mais marcantes que tenham sido, dificilmente superariam a linda memória que se tornaram - e não deixem de perceber como a câmera de Curtis soa, frequentemente, como se manuseada por alguém que estivesse na cena, recordando cada passagem para ser revista no futuro (algo que todos tendemos a fazer).

Abraçando suas convenções, mas jamais se permitindo segui-las a ponto de estragar a sinceridade de sua proposta, “Questão de Tempo” nunca nos força a ver Mary e Tim separados, pois isso iria contrariar diretamente os ensinamentos que ele aprende. E se algo impede este de estar entre o mais seleto grupo dos melhores exemplares de seu(s) gênero(s), é apenas a sua forma de encará-lo.

É sim uma comédia romântica garoto-encontra-garota, mas também é muito mais do que isso.

8.6

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