Crítica | O Que Ficou Para Trás (Netflix)

critica o que ficou para trás Netflix

Um dos assuntos mais recorrentes em filmes de terror, nestes últimos anos, tem sido o luto.

De “Hereditário” à “Babadook”, passando por “Corra!” e “A Bruxa”, poucas coisas podem servir de gatilho para uma trama baseada em torno do medo do que a morte e a dor, mas arrisco a dizer que nenhum destes passa perto do impacto emocional provocado por “O Que Ficou Para Trás”. Não que seja melhor que qualquer dos citados acima - pois não é -, mas de todos, nenhum oferece uma história de origem do mal tão dolorosa e aterrorizante como este.

No filme, vemos o casal de refugiados do Sudão do Sul Rial e Bol, tentando se adaptar à nova casa que lhes fora atribuída e à vida em um país estrangeiro, enquanto algo de errado parece ter os seguido e agora os aterroriza com os fantasmas do passado.

Hábil em usar batidas comuns do gênero, o jovem cineasta Remi Weekes se prova uma verdadeira revelação: sem jamais abandonar o senso artístico que guia o filme e o impede de se tornar um Blockbuster, ele ainda encontra espaço para sustos e momentos mais tradicionais, geralmente sugerindo que algo estará em um lugar que não estava antes, ou simplesmente impedindo a câmera de mostrar um cômodo por completo. Seu uso de sombras e escuridão é impressionante, mas mais do que isso está a forma como insere os tons políticos, sociais e culturais na narrativa, desde os fantasmas e sua natureza africana, à forma como ele compõe diversas cenas. Em uma em especial, vemos Rial perdida enquanto procura uma rua na cidade nova, e a câmera gira em torno dela, por um momento nos colocando em sua pele e vendo o quão perdida e assustada ela deve ter se sentido. Em outras tantas, vemos os personagens em um cômodo com três portas de distância, como se estivéssemos indo cada vez mais a fundo de seus pensamentos e emoções.

Deixando claro desde cedo que não seria um filme divertido - por mais que os sustos devam agradar os menos interessados em atmosfera e ambientação -, a fotografia fria de Jo Willems pinta uma Londres desolada, onde o sol nunca é visto, e sempre que voltamos brevemente à África parece que as cores retornam à tela. A trilha sonora não chega a ser inovadora, mas é auxiliada por um bom design de som que abusa de sussurros e vozes que parecem vir de vários lugares e que, aliados à edição de Julia Bloch, dão um perfeito senso de espaço à casa, que parece se encolher mais a cada nova cena, conforme o estado do casal se deteriora.

Deterioração esta que é perfeitamente ilustrada pela dupla Wunmi Mosaku e Sope Dirisu, mas que pode passar desapercebida pelo fato de que os fantasmas que agora enfrentam serem, talvez, ainda menos ameaçadores que aqueles dos quais fugiram. Aí reside a maior força de “O Que Ficou Para Trás”, pois conforme descobrimos a jornada do casal até chegar na Inglaterra, tendemos a julgar, até nos enfurecer, mas basta um pouco de empatia e compaixão para percebermos que não há resposta certa para a situação que se encontravam. E se Rial parece insossa e distante na primeira metade do filme, é porque passou por coisas que ser humano nenhum deveria passar, já seu marido, que parece disposto a tudo para se adaptar à nova vida, age primordialmente por medo, um sentimento ainda mais forte que o arrependimento.

Inicialmente um terror, mas se revelando um lindo e doloroso drama sobre a dura realidade de diversas partes do mundo, a única coisa que faltou para o longa é um pouco de sutileza na hora de retratar o sobrenatural. Alternando entre cenas deslumbrantes como aquela onde Bol janta em meio à chamas, e outras clichés demais como na que confrontam seus demônios, faltou a Weekes balancear melhor o tom, algo que pode deixar o filme soando auto indulgente, e quase barato, em alguns momentos.

Ainda assim, perto do típico filme hit da Netflix, “O Que Ficou Para Trás” oferece um mundo de emoções e histórias, capturados em tela por um jovem que merece reconhecimento e, principalmente, novas oportunidades.

8.2

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