Crítica | Os Novos Mutantes
É uma pena gigante viver em um mundo onde as pessoas idolatram fast food mas não conseguem abrir os olhos pra um filme diferente como esse “Os Novos Mutantes”.
Parte inicial de uma já extinta trilogia, o filme de Josh Boone lembra os melhores momentos de M. Night Shyamalan, e me faz pensar o que ele faria com algum personagem da Marvel e o quão negativa seria a recepção. Afinal, o público já está tão acostumado com o pseudo-realismo nascido no ano de 2008 com Homem de Ferro e Cavaleiro das Trevas, que qualquer filme que ameaça se entregar aos gêneros que homenageia surge como uma bomba por não seguir a cartilha básica para um filme de super heróis em 2021. No caso da DC ainda há certa ruptura, algo que “Mulher Maravilha 1984” faz mal (e que refletiu na recepção apesar de o filme ser ruim não por conta de sua roupagem oitentista) e o primeiro faz bem, mas ainda é uma abordagem infestada com os vícios de linguagem do idealista daquele universo.
Já Os Novos Mutantes adota uma estética simplificada, chegando a flertar com uma atmosfera de filme B tanto nas performances, completamente desprovidas da esperteza e auto-consciência da Marvel, como nos movimentos “amadores” da câmera, aquele giro na roda de meditação sendo um momento particularmente marcante. Nada aqui “justifica” os 80 milhões de dólares investidos, sendo que até os efeitos visuais gritam uma artificialidade que é aludida no monólogo que inicia e termina o filme: assim como no Cinema de Shyamalan, é menos sobre crer naquilo como algo real, e mais sobre se maravilhar com as possibilidades de algo extraordinário. Nisso, faz até sentido Anya Taylor Joy emprestar seus olhos arregalados a uma personagem com um passado similar ao que tem em Fragmentado, e Boone não parece se importar com o fato de sua protagonista se expressar sempre com pequenos exageros, o que infelizmente cria um contraste com a Arya e o caipira, que assumem menos essa caracterização óbvia das duas (o brasileiro com cara de americano manda bem!).
Colocando em Alice Braga praticamente um contraponto a essa encenação mais evidente, Boone pode muito bem fazer um comentário ao atual estado desses filmes de herói: os jovens ali são treinados não para serem heróis em fantasias, mas sim assassinos sem coração. Há, como de praxe nos filmes dos mutantes, todo o comentário social envolvendo os poderes e a puberdade, e relacioná-los aos traumas causados faz mais um aceno para a trilogia de Shyamalan.
Ainda assim, há algo de inconsistência no tom, como se a aquisição dos estúdios pela Disney no meio da produção colocasse a sombra do Mickey sobre a natureza do projeto, que está muito mais para as trilogias X-Men do que para o MCU. Apesar de procurar e conseguir uma carga dramática elevada para cada um daqueles jovens (o que me lembrou a dramatização dos filmes de Sam Raimi), o pesadelo de Joy (por mais toscos que sejam, não deixam de ser perturbadores os bocudos) é o único a fazer jus à todo o motim “instituição mal assombrada” adotado logo cedo.
Esse, inclusive, sendo o aspecto que mais admirei no filme: Boone tenta a todo momento nos imergir naquela atmosfera carregada com tantos paralelos na história recente do Cinema (de O Orfanato a Harry Potter ao genial Promised Neverland), com um cenário e uma situação que devem ter agradado e muito o Shyamalan. Não há qualquer intenção de piscar com o espectador, não há fan service, não há certeza nenhuma. Por mais simples e óbvio que seja, é um filme que tem prazer em ser misterioso.
É uma pena portanto que ele não chute ainda mais o balde no clímax, sendo que, novamente, apenas Joy tem uma cena de redenção adequada - e o zoom desengonçado que a câmera faz une a simplicidade com o fantástico, em um momento simplesmente brilhante. O diretor claramente perde a mão no controle da mise-en-scène no final, inclusive não descarto a possibilidade de ele ter pensado em algo totalmente diferente. A cena da protagonista tentando acalmar o urso podia ser sensacional, mas acaba sendo cringe de um jeito não proposital - e, pensem o que quiserem, mas aquelas piadinhas no final tem nome e sobrenome…