Festival de Cinema de Gramado 2020 | Dia 1

O Outra Hora está cobrindo o 48º Festival de Cinema de Gramado que ocorre entre os dias 18 e 26 de Setembro de 2020. Com um texto por dia expressando nossas principais opiniões sobre os filmes da noite anterior. O Festival é exibido todos dias às 20 horas no Canal Brasil, enquanto a Mostra Gaúcha ocorre no Globosat Play. Entrevistas e análises vão ser parte da nossa cobertura, acompanhe nossas redes para saber mais.


Entra ano e sai ano, mas o Festival de Cinema de Gramado nunca perde suas essências, para o bem e para o mal.

E mesmo na sua 48ª Edição, durante uma pandemia, o Festival gaúcho começa repetindo tradições.

Na noite inicial (18/9) pude ter as primeiras noções do que esperar desse ano, com o festival ocorrendo 1 mês mais tarde do seu habitual calendário, a estrutura de quatro filmes por noite sendo dois curtas brasileiros, um longa estrangeiro e um longa nacional permanece mesmo que sua exibição no Canal Brasil quebre a “rotina” trazendo os dois curtas pro primeiro horário e os dois longas pro segundo ao invés de intercalar curta, longa, curta, longa, como é o habitual.

As mostras esse ano contam com 14 Curta-Metragens Brasileiros, seis Longa-Metragens Estrangeiros e sete Longa-Metragens Brasileiros além de 19 curtas e cinco longas da mostra gaúcha, só exibida por streaming em 2020. Meu primeiro desapontamento é sobre isso: a não exibição dos filmes gaúchos pela TV pública do Estado, ou até de maneira gratuita por alguma plataforma, como foi feito em outros festivais durante a pandemia, inclusive o BIFF, que cobrimos no Outra Hora.

As premiações do cinema gaúcho já são fora do festival, a exibição separada por uma plataforma distante é um equívoco. A apresentação dos filmes volta a ser feita por Renata Boldrini (que a essa altura já é um patrimônio do Festival de Gramado) e Marla Martins. Mas as duas entradas que a dupla faz à noite para chamar os filmes serem por VT, e não ao vivo e ainda a apresentação da equipe ser por outro vídeo tornou a necessidade das anfitriãs questionável, claro que é um momento difícil para televisão ao vivo, mas o formato proposto (quase idêntico ao presencial) não contribui em nada com o andamento dos trabalhos, além disso, esses momentos foram editados com mau gosto.

Quero pontuar aqui para não ficar me repetindo nas críticas dos filmes: todo ano o som dos filmes nacionais é decepcionante (e esse ano a sala de cinema definitivamente não tem culpa), não sei o que acontece para que os classificados fiquem com a qualidade tão baixa de áudio, mas já é quase uma tradição ter que me curvar para frente e imaginar os diálogos da cena simplesmente pela falta de qualidade técnica na mixagem de som.


Destaque da noite:

O destaque da primeira noite é a atuação de Barbara Paz em “Por que você não chora?”, o primeiro filme da mostra competitiva e, na minha opinião, já é quase impossível tirar o Kikito da atriz.


Os Filmes:

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Curta-Metragem Brasileiro: “4 Bilhões de Infinitos” (2020), dirigido por Marco Antonio Pereira (MG)

Sinopse: Brasil. 2020. Após a morte do pai, uma família vive com a energia de casa cortada. Enquanto a mãe trabalha, seus filhos ficam em casa conversando sobre ter esperança.

Crítica: Com uma premissa ousada e foco em torno de crianças, o filme tem dificuldades narrativas. A beleza dos cenários no interior de Minas e uma certa inocência do casal de irmãos que protagoniza o curta trazem o centro emocional dos 15 minutos que vemos em tela, o menino brinca com eletrônicos e confessa para a irmã que roubou um “cinema”. A imaginação flui em tela. Infelizmente a fala “televisão e celular é um negócio muito solitário, no cinema a gente ri e chora e se diverte muito” fica descaracterizada e talvez “4 Bilhões de Infinitos” teria sido melhor no cinema mesmo.


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Curta-Metragem Brasileiro: “Receita de Carangueijo” (2020), dirigido por Issis Vaalenzuela (SP).

Sinopse: Após a morte do pai, Lari e sua mãe vão passar alguns dias na praia. Elas resolvem cozinhar caranguejos. E os bichos, aos poucos, transformam-se em seres luminosos.

Crítica: Com um tema parecido ao outro curta, “Receita de Caranguejo” traz uma personagem mais velha e o benefício disso é que a maneira com que ela lida com sua vida fica mais nítida. A personagem tem seus problemas, interesses e descobertas, sua mãe quer ensiná-la a cozinhar carangueijos como uma forma de afeto, o que fica bem evidenciado nos comentários sobre a própria mãe ter aprendido com a avó da menina. Imagens calmas e belas de frutos do mar em documentários na TV ficam soltar na subjetividade da personagem. Os belos momentos não são suficientes para conquistar o público e ao final parece que está faltando alguma coisa para a história, talvez o filme seja sobre isso.


Longa-Metragem Brasileiro: “Por que você não chora?” (2020), dirigido por Cibele Amaral (DF)

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Sinopse: Forte e feminino, “Por que você não chora?” aborda o delicado tema do suicídio. Jéssica é muito fechada, Bárbara é uma bomba relógio. As duas se encontram quando, no estágio da faculdade de psicologia, Jéssica atende Bárbara. A convivência leva Jéssica a questionar sua vida vazia e sem significado.

Crítica: Às vezes, a soma das partes é maior do que o todo e, de maneira negativa, essa é a impressão que “Por que você não chora?” me deixa. Não há nada que o filmes não nos conte desde o começo, o olhar atento captura o final nos primeiros minutos do longa, o que de maneira alguma atrapalha a história das duas personagens. Nem só de história se vive um filme e as escolhas da diretora para contar essa, por melhores que pareçam, enfraquece o tema pesado com que o longa lida. Antes mesmo do filme começar temos um disclaimer do CVV sobre suicídio e só a tensão criada por isso deixou a película insuficiente. Barbara Paz performa uma personagem homônima com personalidade borderline e por melhor que seja sua interpretação e sem dúvidas os cuidados do roteiro sobre o assunto, há algo de superficial na abordagem da doença que não nos permite nunca entrar de cabeça na vivência da persongem, o que pode ser proposital, visto que essa situação descrita que Jessica passa, mas limita as possibilidades de se relacionar com o espectador.

Aliás, o fluxo entre filme-espectador é o mais complexo de se analisar nesse filme, porque a medida que a protagonista começa a assimilar seus problemas e aprofundar na sua crise depressiva, a diretora opta por nos alienar do texto do filme, diminuindo os barulhos do ambiente e deixando a fotografia ou muito aberta ou muito fechada, contraste que costuma afastar o público da imagem. Essas e outras boas intenções técnicas são o que acabam me fazendo desgostar do filme, mas um desgosto com elogios pela coragem e pela ousadia de tentar.

Precisa se notar o elenco forte com Maria Paula, Cristiana Oliveira, Elisa Lucinda e a já indicada como minha favorita Barbara Paz, além da boa atuação de Carolina Monte Rosa como Jessica. Essas atuações podem ser vistas como um microcosmos das dificuldades do longa, uma vez que todas atrizes entregam boas performances, mas um pouco desencontradas pelo roteiro.


Longa-Metragem Estrangeiro: “El Silencio del Cazador” (2020), dirigido por Martin Desalvo (Argentina)

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Sinopse: Guzmán é um guarda florestal que patrulha a selva em busca de caçadores ilegais. Venneck é um querido colono da região e caçador. Sara, uma médica rural comprometida, é casada com Guzmán e foi companheira de Venneck. O aparecimento de um jaguar mítico reacenderá uma antiga rivalidade entre eles.

Crítica: O melhor da noite.

Ambientado na pobre região Misiones no norte da Argentina, fronteira com o Brasil, “El Silencio del Cazador” trata de temas que já não seriam fáceis, mas nesse momento em que nosso Pantanal queima, esse filme ganha um peso ainda mais sensível. Porque o rico dono de terras da região entra em conflito com os guardas ambientais, a quem acusa de desrespeitar seus ancestrais “nossos pais e avôs cortaram essa floresta para abrir os caminhos e instalar as primeiras escolas e fazendas” reforçando a visão colonialista de que os brancos têm um direito superior às terras latino-americanas por causa de um falso desenvolvimento imposto. Aliás, esse filme fala de diversos temas políticos argentinos como o mito racial de que no país só existissem pessoas brancas, alguns personagens secundários são indígenas, da luta de classes ao constatar que o pai do protagonista Guzman era um funcionário que recebia “1 e meio pesos a hora” do pai do antagonista Venneck e da própria preservação da natureza. O filme da noite com o melhor trabalho de som usa isso a seu favor, com um excelente trabalho sonoplastia para trazer a vida da floresta aos sons das cenas como indica o filme.

Apesar de um enredo talvez genérico de triângulo amoroso entre os três protagonistas, não há nada de genérico na ambientação excepecional do longa e o conflito entre os dois remete aos westerns hollywoodianos de maneira que sabemos o final inevitável que os aguarda e pouco a pouco o público é permitido absorver essa tensão.

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