Crítica | A Morte Num Beijo
O NOIR PRA ACABAR COM TODOS OS NOIR
Filme de Robert Aldrich propõe uma combustão de elementos clássicos do gênero
Mais cedo no ano, procurei por filmes que poderiam configurar a origem de Mulholland Drive (2001), mas não cheguei a fazer disso uma busca endereçada. Entre Hitchcocks, Bunuels, Tourneurs, Twin Peaks e Penélope Cruz, esbarrei em Detour (1945), filme sobre o qual comecei a escrever e parei, e para o qual voltarei inevitavelmente num futuro próximo, talvez em sessão dupla com A Morte Num Beijo (1955).
Mas decidi que precisava deixar pelo menos algo registrado sobre o primeiro contato com o filme de Robert Aldrich, um que simbolizou o fim de mais uma maratona Noir, então aqui vai:
O filme me parece, mais do que qualquer outro talvez, aquele onde o gênero mais parece corromper a si mesmo.
Algo que a narrativa, por óbvio, ecoa diretamente: começamos em uma estrada escura à noite (de onde vem o carro, a mulher?) e, a partir dali, vamos de canto em canto, de bloco em bloco, em uma espiral sem fim que passa por bares, mecânicos, assistentes apaixonadas, quadros, esquinas, espelhos. Diferente de Lang, Preminger, Tourneur, não há em Aldrich qualquer espaço para respirar, para existir na conturbada mise-en-scène.
Conturbada não pelo visual, mas por sucessão, uma mise-en-scène da inevitabilidade, da ciência ansiosa de que pela frente não existem resoluções, apenas mais códigos, mais cenários, mais Noir.
E o filme é até bem literal (o outro que vi de Aldrich, Baby Jane, também o é) em como trata o gênero: em seu cerne, o Noir foi sobre a paranoia oriunda na segunda guerra e que continuou no pós-guerra, regando a sociedade de teorias da conspiração, de supostas caixas de pandora. Quando esta é aberta na sequência final é quase como se decretasse, também, o fim do fenômeno mais fascinante da história do Cinema norte-americano.
Após aquilo, só restava construir um mundo novo. Que o que vemos em Mulholland Drive seja muito mais supérfluo, superficial e não confiável, mostra que falhamos nisso também.
A Morte Num Beijo propõe, portanto, um esgotamento de códigos, onde a única solução possível é a combustão.