Crítica | O Fantástico Senhor Raposo

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Meu primeiro pensamento ao acabar O Fantástico Senhor Raposo não poderia ser outro: Crises de meia idade são horríveis, mas o momento de catarse provavelmente é melhor que o da crise dos 20 (a qual me encontro agora).

Bom para o senhor raposo.

Quem sou eu e como posso ser feliz sem algo que é considerado inato ao meu ser? Sim, esses são dois dos principais questionamentos apresentados no suposto filme infantil, primeira animação stop-motion de Wes Anderson. Particularmente, toda essa obscuridade eminente, mas nunca consumada dos livros de Roald Dahl (Matilda, A Fantástica Fábrica de Chocolate, James e o Pêssego Gigante), é uma das coisas mais subestimadas da literatura infantil. Por que? Especificamente pela frase escrita por A.O. Scott (crítico de cinema, New York Times) no texto “Unleashing Life Wild Things”:

“Todo adulto já foi uma criança, assim como toda criança é um adulto incipiente, e, em sua melhor forma, filmes ou livros de criança são uma tentativa de se comunicar através dessa distância.”

Nesse sentido, deve ser ressaltada a importância de filmes como O Fantástico Senhor Raposo, onde crianças, no auge de sua inocência, talvez não apreciem a obra em sua totalidade (a menos que sejam diferentes, como Ash), porém possuindo a possibilidade, algum tempo depois, de retornar a ela e ressignificar seu valor. Já para os adultos, é proporcionar uma alternativa de visitar temas delicados através de uma visão mais elegante e cordial.

Todos que conhecem Wes Anderson sabem que podemos perder horas e horas elogiando suas hipnotizantes composições visuais simétricas, seus movimentos de câmera cirúrgicos, ou, no caso em questão, um dos melhores 10 minutos iniciais da história do cinema, onde vemos um plano ininterrupto de duas raposas se aventurando para roubar algumas galinhas culminando com a revelação de uma gravidez depois de caírem em uma armadilha - tudo isso ao som de Beach Boys. Se torna quase ilusório quando lembramos que tudo isso é filmado quadro por quadro (por mais que a palpabilidade de todos animais as vezes afastem a percepção). É aqui, no terceiro filme do diretor, onde se encontra seu melhor trabalho de acabamento.

A mise en scène é surreal e aos que se fizeram confortáveis com os ideais 87 minutos de filme, fica a recomendação para revê-lo com um olhar mais voltado para os cenários de cada cena. É nos pequenos detalhes que Anderson também desenvolve seus personagens, como o quarto de Ash com posters de um super-herói que se veste exatamente como ele, ou a casa cheia de pinturas de paisagens com raios, até descobrirmos que a Sra. Raposa sempre os pintou assim, por qualquer motivo que seja (nem tudo precisa de uma explicação). Toda atenção aos detalhes parece pouco e isso apenas engrandece Wes Anderson e seu cuidado com suas histórias.

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Os trabalhos de vozes aqui funcionam como a cereja do bolo para o olho e a criatividade perfeccionista (quase paranoica) de Anderson e da história de Dahl, mas resta esquecido quando posto lado a lado com os outros dois aspectos mencionados. Sendo um dos pontos mais importantes quando falamos de trazer vida para animações, Wes Anderson, numa mistura de figurinhas carimbadas de seus filmes (Bill Murray, Owen Wilson, Willem Dafoe) com a adição de Maryl Streep e George Clooney - que são as versões humanas de seus próprios personagens - cria o ambiente propício para que seu roteiro adaptado funcione, além de passar para seus atores o entendimento e valorização sobre a obra que está trabalhando em cima (Anderson foi para a casa de Dahl para roteirizar a história do Sr. Raposo, além de gravar as vozes em suas redondezas).

Para quem leu e conhece a história através do livro antes de vê-lo pelas mãos do diretor, é clara a alusão da raposa como um homem selvagem, nunca satisfeito com o que tem e sempre almejando o que poderia ter. Talvez o autor estivesse escrevendo sobre si mesmo.

Wes Anderson, então, de forma impecável e única, consegue humanizar todos os personagens, embora constantemente nos lembre, através de ótimos momentos cômicos, que eles ainda são animais selvagens. Aliás, único é a palavra para definir um dos diretores e escritores mais caprichosos e singulares da nossa geração.

É como se ele fosse como o próprio personagem de Ash quando criança, aprendendo cedo que está tudo bem em ser diferente, e usando isso a seu favor.

9.5

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