Crítica | Waking Life
A vida é algo flutuante.
Richard Linklater é um cineasta obcecado com uma série de coisas. A passagem do tempo, como ele é curto e como temos que aproveitá-lo bem, a frivolidade da vida, a importância de discuti-la, nosso lugar nesta lenta marcha que possivelmente caminha para o fim, o que tem depois? Mais vida? Morte? Reencarnação? O que temos é uma certa quantidade de tempo para tentar parar de flutuar e traçar um caminho que, ao final, nos permitirá ter uma pequena repetição de tudo que vivemos onde poderemos avaliar se fizemos direito ou não.
É sobre tudo isso que é toda sua filmografia, mas mais especificamente este “Waking Life”, uma animação criada em cima de imagens com atores reais, pintada e distorcida na pós produção e com um roteiro que é ou o mais fácil ou o mais difícil de se escrever na história do cinema. Por um lado, pode se dizer que Linklater simplesmente atirou todas as discussões e conversas filosóficas que já teve e construiu uma “narrativa” sem começo meio ou fim, onde um personagem que provavelmente lembra ele próprio quando jovem perdido no meio de tudo, entrando de sonho em sonho, conversando com diversas pessoas que não sabem quem são. De certa forma sinto como se o longa tivesse um resquício de “Memento” e um princípio de “A Origem”. Aonde estou? Quem é esta pessoa? Já a vi antes? Acho que sim. Estou sonhando? Como sei se estou sonhando?
Mas por outro, é possível dizer que o longa caminha, caminha e caminha sem jamais chegar a lugar nenhum, sendo que o protagonista não parece encontrar qualquer resolução: sendo introduzido à essa espiral pelo próprio diretor em uma ponta no começo, ela termina em outra no final onde o diretor não é mais ele, mas talvez ainda seja, e apesar de falar ao jovem o que ele tinha que ouvir, a cena final é como uma explicação de que ele não conseguiu deixar de flutuar. Se isso significa ficar para sempre dentro do sonho, ou ficar para sempre perdido na vida, é com nós, a plateia, para decidir.
São cenas demais para citar, algumas naturalmente são mais interessantes do que as outras: uma das primeiras que envolve a filha de Linklater, Loreley, falando que “sonho é destino” para o amiguinho; a menina que esbarra no protagonista e decide que não quer ser mais uma formiga em sua vida; o cara que o dá uma carona em um carro-barco e diz que o lugar onde o deixar decidirá o resto de sua vida; uma que envolve um cara tocando um violãozinho enquanto diz que pensar que está vivo é o maior erro que alguém pode cometer; o velho que fala como Platão está mais longe do humano comum do que este do Chimpanzé, pois a coisa que todos os seres humanos tem em comum é ou medo ou preguiça (o segundo filme de Linklater se chama “Slacker” e é bastante semelhante a “Waking Life”); e é claro, a brilhante participação de Jesse e Céline em um spin-off da trilogia Before. Já tantas outras, especialmente as que não envolvem o protagonista impactam menos, mas merecem sua atenção de qualquer forma.
Inclusive, atenção é a palavra chave, pois é basicamente impossível compreender e tomar tudo que o longa tem a dizer em apenas uma vez, pois assim como se você saísse pela cidade conversando com estranhos, alguns lhe fascinariam enquanto outros o fariam inventar desculpas para ir embora, mesmo que isso jamais deixe de torná-los seres com histórias merecidas de serem contadas e ouvidas. Talvez elas só não sejam pra você.
Inclusive esse é o sentimento que permeia a maior parte deste pequeno milagre de Linklater, que não deixa de se tornar quase medíocre por oferecer uma rota onde, no fim, serve apenas para escancarar em nossa cara como passamos a maior parte da vida apenas passando por ela. Como em seus melhores trabalhos, ele não diz se considera isso bom ou ruim, mas acha de suma importância que falemos sobre isso.