Crítica | A Crônica Francesa

Wes Anderson em seu mais Wes Anderson

Crônica Francesa é… um filme de Wes Anderson


Basta uma olhada para a imagem acima para reconhecer que ela pertence a um filme daquele que é talvez o diretor mais formalista de todos os seus contemporâneos, e certamente um dos mais reconhecíveis da história do Cinema. Seus filmes flertam com vários gêneros, mas no fim, são o que são: novas janelas para o mesmo mundo simétrico, rebuscado e detalhista que o cineasta criou para si, povoado por personagens melancólicos, esquisitos e trágicos, mas que provocam um misto de estranheza e graça que nos faz afeiçoar.

Crônica Francesa, na verdade, rivaliza com O Grande Hotel Budapeste como filme que mais representa o estilo psicótico do diretor, mas se aquele é um dos meus favoritos da década passada, justamente por reconhecer-se quase como uma auto-paródia, esse é como uma salva de palmas para o próprio estilo que parece mal calculada desde seu início. Anderson nunca esteve tão distante de seus personagens como aqui, um filme tão estilizado que se torna quase estéril, tão ciente de suas próprias peculiaridades que cria uma relação impessoal com elas.

JANELA INDISCRETA, DE YASUJIRO OZU

Os primeiros dez minutos até me pegam por provocarem o mesmo estranhamento que a frase acima. Com um plano estático de um prédio, vemos os afazeres de cada uma das pessoas que ali vivem e que, isolados, não representariam nada de interessante, mas juntos compõem uma sinfonia do dia a dia que hipnotiza da mesma maneira que o filme de Hitchcock faz. Porém não há o voyeur, a câmera como olhar, e sim a permanência de uma janela imóvel, que abre nossos olhos tanto para o movimento, o drama e a emoção, como para o vazio. E esse começo envolve justamente por abusar dessa força que tem nossa curiosidade, seja ela com o outro ou simplesmente com a existência do nada.

Quando Benício Del Toro pinta a imagem de Lea Seydoux, não precisamos percorrer, ou sequer aproximar, de sua figura nua para sentirmos o impacto da beleza da atriz. Agora em preto e branco, ela assume facilmente o papel de musa, descrita inclusive como alguém que não parece envelhecer dentro da própria narrativa. E a arte que resulta de sua exposição se torna, obviamente, imutável e infindável, e considero talvez o aspecto mais interessante do filme o fato de seu corpo escultural se tornar uma expressão abstrata (e colorida), como se o próprio Wes Anderson entendesse seus filmes de maneira diferente que todos nós.

Quer dizer, talvez seja exatamente assim que compreendemos seu Cinema, uma série de planos, dispositivos e cortes matemáticos que lembram o mestre Japonês, chamando nossa atenção pelo interesse do comum evocando o mestre do suspense. O que vemos pode ser calculado em excesso, mas o que sentimos é a complexidade de sua complicada expressão artística.

FORMA SOBRE CONTEÚDO

Fica óbvio ao longo da narrativa que o que Anderson quer endereçar é justamente nossa relação com a arte e a linguagem. A Crônica Francesa é um jornal com sessões artísticas, afinal. Também por isso este se torna seu filme menos abrangente, pois no mar de conteúdo infinito que vivemos, apreciar algo pela forma se tornou um pecado elitista.

O que não me impede de dizer que o restante do filme me afastou tanto que foi difícil terminar a sessão. O estilo, por mais atrativo que seja, não anda junto com a narrativa, e as vezes penso que uma história totalmente abstrata e ainda mais segmentada funcionaria melhor. Anderson é um excepcional diretor de atores - tanto que todos voltam -, e consegue manusear seus parceiros habituais para que sejam sempre um atrativo divertido quando aparecem, além de conseguir puxar todos para o mesmo plano de atuação, mas apesar de despertarem interesses momentâneos, não é como se chegassem perto do charme que tinham os protagonistas de filmes passados. Eles também surgem quase como dispositivos de si mesmos, versões que representam apenas a estranheza e a graça, e nunca seres que as provocam. Nesse sentido, é um filme que supera O Grande Hotel Budapeste em como evoca o estilo do diretor, e por fazer isso, se torna quase vazio.

O universo de referências - tanto a outros diretores como ao próprio Cinema de Anderson - até surge de maneira mais caótica, as discussões na cama entre Seydou e Del Toro, e a sequência entre Chalamet e McDormand gritam Impressionismo e Nouvelle Vague, mas não mexem o suficiente para que a unidade ganhe vida além de sua simetria completa. Em seu recorte de jornal, Crônica Francesa parece feito pelo editor que menciona, um homem teimoso, que rejeita emoções (a placa de não chore) e que, irônica e propositalmente (acredito) representa Wes Anderson.

Em seu mais cético, em seu mais estéril, em seu mais plasticamente artístico. Em seu mais Wes Anderson.

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