Crítica | King Richard
criando um vencedor do oscar
Will Smith se reencontra em filme família sobre a família Williams
Venus Williams se tornou profissional do tênis aos 14 anos, ganhou sete Grand Slams, quatro Medalhas de Ouro Olímpicas, 73 títulos no total e foi a primeira atleta negra a ser número 1 do esporte na Era Aberta (1968-). Mas Richard Williams sabia que ela seria a Solange para a Beyoncé que é Serena Williams, discutivelmente a maior atleta da história de qualquer esporte.
Porém King Richard não é sobre as filhas, e sim sobre o pai que visualizou seus futuros antes mesmo de nascerem em um plano que, infelizmente, o filme de Reinaldo Marcus Green só menciona. Interpretado por Will Smith, Richard era um homem esquisito e controverso, que delegou para as cinco filhas toda a grandeza e sucesso que acreditava (e talvez ainda acredite) merecer ter. Na maior parte do filme, ele está se pondo em um posto que provocaria escárnio não fosse o sucesso que atingiu no momento que o mundo viu Venus sacar uma bola de tênis. Em sua cabeça, Richard é o Sr. Miyagi, e apesar da composição complexa de Will Smith, é possível ver sua satisfação ao perceber que, enfim, havia conquistado o que sempre sonhava.
Na verdade, é a caracterização de Smith que praticamente salva o filme de ser só mais um em um mar de cine-biografias (essa com o sub-sub-gênero esporte junto). Ao mostrar a dicotomia do ser humano Richard, dos êxitos como pai e treinador (inegáveis) às falhas como ele próprio, Smith tem sua melhor atuação em anos ao voltar à um papel dramático sem abdicar do histrionismo que o tornou uma das maiores estrelas dos últimos 30 anos. Propositalmente encenando o cômico não proposital que torna Richard a figura que é, Will é a peça central de um filme até que bem convencional sobre família e sonhos.
Esses últimos que, nas palavras de Richard, parecem menos um ideal inalcançável e mais uma aposta que não deixaria sobrando nada caso perdida. Green não precisa nunca aproximar a câmera demais de seu rosto para captar a principal característica do homem: Richard acredita mesmo que suas filhas seriam tudo que se tornaram.
Mas se essa ambição conteudista poderia servir de combustível para um filme grandioso, King Richard parece rejeitar essa estética, se confortando em ser o que é.
A PRESSÃO DO MUNDO TODO
Por vezes parecendo não ter uma mão autoral tão pesada, flertando aqui com um Cinema de Festival e ali como o Oscar Bait que (em tese) é, o filme de Green acaba tomando forma na maneira como trata seus personagens. Uma cena que representa bem isso é a entrada de Venus no estádio lotado, ao final, quando a câmera circula ao redor de si, centralizando-a não apenas no quadro, mas no espaço do filme. Green utiliza esse recurso frequentemente nos grandes momentos, que ficam aquém dos ápices que Creed consegue, por exemplo, mas que evocam bem a sensação dos holofotes provocados pela fama (principalmente a esportiva) em cada uma daquelas pessoas, como se houvesse uma pressão inerente que vem junto de tudo que sabemos sobre a dinâmica da família.
Justamente por isso a atuação de Will funciona, por aliviar um tom que poderia muito bem pisar no auto-indulgente. Algo que jamais combinaria com a fotografia que abusa do pôr do sol Californiano, e que tornaria essa decupagem quase claustrofóbica em algo excessivamente melodramático. O resultado final é um filme que não tem vergonha em verbalizar emoções mais piegas (se você acompanha esportes, elas são bem comuns na verdade) e discursos motivacionais (também comuns), e que, por ser tão confortável com sua natureza simples, consegue usar desses momentos a seu favor. Uma pena que a trilha acabe não acompanhando o excelente design de som (os sons das raquetadas, do carrinho, do tênis na quadra, dão vida ao jogo), falhando em potencializar esses momentos.
Com mais de duas horas de duração, sinto como se Green evitasse alguns confrontos que poderiam beneficiar o filme, das questões burocráticas àquelas envolvendo as gangues, sementes plantadas que acabam empalidecendo perto do talento das meninas e que propositalmente deixam o filme com ainda mais cara de sessão família - assim acabe inspirando mais delas, afinal. Talvez isso até seja uma blindagem às atrizes mirins que parecem ter sido bem dirigidas para darem espaço e, ao mesmo tempo, aprender com Will Smith - claro que a química não é a mesma que teve com seu filho em À Procura da Felicidade, mas funciona perfeitamente no contexto do filme. Elas vão bem com a raquete em mãos e nas situações “cotidianas” que passam com os pais - a cena da Cinderela é algo -, mas talvez entregassem a inexperiência fossem pedidas mais individualismo (algo que, convenhamos, não é comum para jovens atletas que vivem rodeados de familiares, agentes e repórteres).
Muitos reclamaram do foco extra em Venus, mas conhecendo a carreira das duas, as sugestões do que estaria por vir funcionaram bem comigo - Serena estar na sombra da irmã é justamente o que a tornou quem é.
Igualmente pouco explorada foi a importância racial e social da ascensão das duas. Quando Richard diz que Venus vai representar milhões de meninas mundo afora, não é como se isso fosse sentido apesar de o filme brincar de maneira bastante orgânica com a questão racial - de novo, mérito do timing cômico de Will. O que não explica o motivo de meus olhos marejarem quando Venus vê dezenas de meninas (e meninos) gritando seu nome. É uma cena até que mal decupada, usando um ângulo acanhado que jamais se entrega para a grandeza daquele momento, mas assim como boa parte do filme, essa simplicidade vem bem.
Como fã de Tênis, é também um prazer a parte ver um filme que entende tão bem a dinâmica do jogo, o tratando com uma naturalidade que nem é muito cinematográfica, mas que não falha em mostrar o talento descomunal de Venus e de encontrar os rostos e expressões certos tanto na arquibancada, como dentro de quadra.