Crítica | A Visita

O PODER DA IMAGEM

Filme mais puro de Shyamalan, A Visita homenageia e revigora o Cinema


Ame-o ou odeie-o, M. Night Shyamalan.

Sua carreira é como andar de montanha russa: ou você se diverte com as subidas e descidas, ou se enjoa, procura o banheiro após descer e já entra com o pé atrás na próxima vez. Já a recepção de seus filmes é como uma gangorra: enquanto uns julgam estar mais próximos do céu ao apreciar seus filmes, outros tentam enterrar as cabeças na areia afim de esconder a vergonha alheia por eles proporcionada.

Assisti A Visita com meus irmãos (de 9 e 11 anos) no mesmo dia em que assistimos Psicose (1960). Se o clássico de Hitchcock os deixou apreensivos e, de certo modo, maravilhados (talvez eles ainda nem saibam disso direito), o tido como “retorno a forma de Shyamalan” os fez rir e se assustar na mesma proporção. Mesmo eu, que já havia visto o filme duas vezes antes, pude re-experienciar tudo pelos dois e constatei que não apenas gosto muito da obra, mas a considero uma espécie de presente a todos que não desistiram do diretor mesmo em seus piores momentos.

*aviso de spoilers leves durante o texto

Poucos foram os filmes dessa última década que migraram entre gêneros de maneira tão natural, como aponta Arthur Tuoto: a comédia e o suspense nunca se obstruem, se fortalecendo em uma mesma perspectiva dramática. Adiciono: não só funcionam dentro da lógica tonal proposta por Shyamalan, mas ainda se adicionam à abordagem configurando assim uma homenagem ao Cinema que o reverte à sua forma mais simples.

Um found footage proposital e com final “feliz”, A Visita subverte tudo que propõe, com o estilo popularizado - e saturado - pelo Terror surgindo menos como prova da realidade, mas como motivos de se acreditar no poder restaurador da imagem. O “elixir”, de qual Becca se refere, é uma expressão artística sua para curar a família, e o que se vê em tela não apenas atinge este efeito, mas supera tudo que o planejamento da menina poderia esperar.

Shyamalan sempre gostou de “clichês” arcaicos, de jornadas que se encerram com uma redenção quase tola de tão pura, mas se A Dama na Água (2006) requer um esforço hercúleo para que os olhos não virem perante seu pedantismo, aqui a naturalidade do “realismo” proporcionado pelas filmagens caseiras permite uma relação mais sincera com o vira e mexe da história, com suas nuances tornando o fantástico e o fantasmagórico sugestões, e não imposições. Das impressões que há algo de errado, às explicações médicas e lógicas, ao plot twist inesperado e completamente apavorante (que só faria sentido em um filme que tem como base acreditar que a mãe não exigiria qualquer comprovação de que os filhos estão de fato com os avós), andamos junto à Becca e T Diamond Stylus (se você riu aqui, nem vou perder meu tempo elogiando o quão hilário foi o guri), em um filme com intenções tão claras como suas homenagens.

Dos “swerve” aos vídeos fazendo muque pra câmera, aos jumpscares mais óbvios e às referências à Rec (2007) e João e Maria, A Visita jamais se acanha em como procura nos fazer sentir. Eu e meus irmãos ríamos enquanto assustados, e gritávamos enquanto rindo. É um filme que, por mais que produza a mise-en-scène de maneira evocativa - algo que a personalidade cult de propósito da irmã acaba por justificar - e que pareça muito superior ao que qualquer câmera caseira naquela situação faria, procura provocar as emoções da maneira mais direta possível, o que anda lado a lado com o Cinema de redenções e crenças do cineasta. Ao nos assustarmos e rirmos, estamos comprovando o poder da sétima arte, e consigo imaginar Shyamalan reagindo assim como a Sharon Tate de Margot Robbie ao ver estas reações.

A Visita não é apenas seu melhor filme desde Corpo Fechado (2000), mas talvez um dos grandes de uma década que se moveu distante do que o homem prega. Funciona melhor que Fragmentado (2017) e Vidro (2019) (e gosto de ambos), pois se estes tornam literais as criações de folclore de maneira que nem sempre fazem sentido de acordo com o que propõem, aqui os seres com antenas existem em uma dimensão claramente irreal, mas o medo que provocam é mais que verdadeiro e, ao confrontá-lo, Becca e T Diamond Stylus (de nada) se libertam, comprovando que o real é o que é sentido.

No fim, o que era para ser um filme transformador se torna o registro de uma experiência transformadora, fundindo intenção e realização da mesma maneira que o suspense, o drama e a comédia fazem. Por proporcionar tudo que pode o Cinema, da maneira simples que faz, deveria ser um jovem clássico.

9.5

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