Crítica | Showgirls

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Deve ter sido divertido acompanhar a reavaliação crítica pela qual “Showgirls” foi submetido ao longo dos anos.

Inicialmente considerado um dos piores filmes de todos os tempos, logo cinéfilos menos preocupados com cartilhas de como se fazer um bom filme quiseram acreditar que havia mais na obra de Paul Verhoeven do que peitos - e são muitos. Recentemente, a cinefilia brasileira (um grupo seleto e fechado, para entrar é preciso amar uns 10 filmes que qualquer ser humano comum julgaria como patético) fez uma eleição dos melhores filmes dos anos 90, e este ficou em sexto lugar, na frente de todos os filmes que você achou que estariam no top 10. Isso.

E assim, assistindo pela primeira vez mais de 20 anos após seu lançamento e sabendo de sua reputação, é fácil perceber a sátira: um filme sobre a podridão de Hollywood, “Showgirls” se torna incrivelmente divertido quando você aceita sua superficialidade que beira o óbvio. Não que eu ache que mereça uma posição privilegiada em qualquer lista de melhores filmes, pois acredito na força mobilizadora do Cinema e considero quase impossível alguém sair transformado de uma sessão de “Showgirls” (ainda mais se comparando com escolhas mais óbvias dos anos 90, de “O Show de Truman” à “Clube da Luta”). Não que isso importe tanto, mas pra mim, sim.

Ainda assim, não deixa de ser impressionante como Verhoeven consegue fazer um filme sobre si mesmo e, ainda assim, ter feito tantas pessoas acreditar na roupagem e não no que a veste. Diferentemente de outros clássicos do mesmo período, “Showgirls” se disfarça do mesmo roupão que suas personagens tiram com tanta facilidade: as atuações são sofrivelmente exageradas, os movimentos que eram para ser sexy se tornam agressivamente bregas e diálogos como “eu estou ereto, porque você não está” são comuns e servem como caminho para se estreitar relações antes conflitantes. Estas que se tornam o cerne do filme, pois este só funciona graças a obviedade do que é bom e do que é mau, piscando para a audiência - e para Nomi - que, para vencer naquele meio, é preciso passar por cima dessas convenções.

De primeira, pode parecer que a stripper interpretada por Elizabeth Berkley serve como nossos olhos na produção, mas veja sua origem, pedindo carona na estrada, sem rumo e escondendo detalhes de seu passado (da maneira mais óbvia possível, claro). Mesmo ela reflete essa filosofia, de que naquele mundo há apenas o sucesso, não importando os meios necessários para se atingi-lo, e ao perceber isso sua personagem parece amadurecer. Ao fazer alguém tropeçar, ela é amparada por uma colega que, provavelmente, seria o motivo de sua própria queda no futuro. É um mundo de nudez física, mas de fantasias sociais que logo se tornam em pesadelo quando se descobre que não há nada de magia no showbiz - sua amiga, que faz as fantasias, é quem mais sofre com isso -, apenas dinheiro e tudo que este pode comprar.

Por isso, o diálogo final entre Nomi e Cristal chega a ser tocante se você se permitir entrar naquele mundo de exageros. A força de “Showgirls” está justamente nessas relações, pois conhecemos tantas pessoas podres pelo caminho, que qualquer sinal de empatia com o próximo surge como algo comovente.

Curioso também como o filme alterna entre algo mais Cinema independente, acompanhando o dia a dia dos personagens com longas pausas entre a ação, com a estética do espetáculo. A câmera acompanha o viver, escancara o dançar, e torna o sexo uma ferramenta tão sobre-usada que passa por uma evolução de sexy, à cômico, à inerente de tudo que assistimos. A nudez se torna a norma, a última fantasia que permite que aquelas mulheres entretenham e satisfaçam os homens que regem suas vidas, e ao exercer poder sobre eles com a nudez, comprovam o quão supérfluo e vulnerável é esse mundo evidenciado pelo filme. Isto é, do ponto de vista moral, pois fica bem claro que não há vitória maior do que a individual, sendo que o coletivo já está fadado à tudo que aquele sistema o submete.

Assim, com toda sua breguice vulgar, “Showgirls” surge como um filme profundo sobre pessoas aparentemente rasas, mas que sabem que a única maneira de sobreviver é vestir as máscaras e tirar a roupa. O que me leva a uma comparação inevitável com “De Olhos Bem Fechados”, pois por mais que se foquem em técnicas e mensagens diferentes, ambos acreditam no irresistível poder do sexo. Curiosamente, aquele julgado como simplório é o que mais julga essa convenção, a ponto de abandoná-la.

Isso, pelo menos até chegar em Los Angeles.

8

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