Crítica | Meninas Malvadas

Antes da crítica em si, um pequeno comentário sobre minha - e talvez a sua - relação com este filme:

A jornada de alguém pelo mundo do Cinema daria um ótimo filme. E não digo do ponto de vista da dimensão do filme, da arte, mas sim da relação da pessoa com ela.

Veja.

O cinéfilo comum começa a se sentir pouco estimulado com o que lhe é empurrado, com a mesmice da maioria dos filmes e séries que todos assistem, e então começa a procurar obras mais desafiadoras. Logo cedo, alguns gêneros e estilos são subjugados: Ação (de Tom Cruise à Transformers), Fantasia (de Disney à Marvel), Comédia (de Adam Sandler à Ted), entre outros. Devido a abraçarem uma simplicidade tanto de conteúdo, como de forma, o jovem cinéfilo tende a julgá-los inferiores à qualquer coisa que pareça merecer um vídeo de final explicado. E o mesmo acontece com os filmes adolescentes, taxados de clichê e repetitivos, mesmo que o jovem cinéfilo sequer saiba de onde vem, quais seus parâmetros históricos, ou mesmo qual o objetivo de cada uma dessas obras.

Mas no fluxo natural da descoberta do Cinema, logo se deve perceber como essas ideias, por si, são tão ou mais superficiais do que os gêneros que em algum momento foram julgados. Logo, pensar que um filme elaborado e complexo é superior à uma comédia adolescente abobada apenas porque exige mais neurônios para sua compreensão, se torna um comportamento digno de escárnio também, e em um leve processo de aceitação, aprendemos a voltar para os filmes que um dia amamos, nos afastamos por racionalizá-los demais, mas agora podemos apenas apreciar novamente sem medo.

Sim, retornei para “Meninas Malvadas” depois de uns anos, e o que era um filme que dizia ser um Guilty Pleasure se torna uma das minhas comédias favoritas de todos os tempos.

Abaixo, falo o porquê:


o ensino médio: um paraíso distópico

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Maior “filme de guriazinha” de todos os tempos melhora a cada nova revisita


Talvez minha frase “motivacional” favorita de todas seja uma que é atribuída à George Bernard Shaw, mas também a tantos outros escritores, pois não se sabe ao certo quem a professou pela primeira vez - o que torna sua mística ainda mais eloquente -:

A juventude é desperdiçada nos jovens

Por si própria, a frase já deve te fazer pensar (ou não) se sua juventude foi ou não desperdiçada, se aproveitou bem aqueles anos de ensino médio, se namorou bastante, se brigou, se estressou com o que não devia e ignorou o que não devia, enfim… se viveu. Pra mim, é mais complicado. Assistir bons filmes de coming of age sempre me faz voltar ao passado, mas se Booksmart, Selah e os Espadas, Boyhood, Califórnia e entre outros procuram aquele impacto emocional, Meninas Malvadas está mais preocupado em rir do absurdo que é o micro-verso de uma escola de ensino médio.

Abraçando uma comédia pastelão com direito à sonhos acordados com pessoas sendo atropeladas e, em seus momentos mais brilhantes, tendo alunos se transformando em animais selvagens, o filme de Mark Waters é um caso ainda mais curioso: de certa maneira, poderia ser um compilado dos melhores momentos de uma série, e isso funciona em prol da narrativa. Não há qualquer intenção de fugir da superfície mais superficial que é aquele conjunto de estereótipos que todos conhecemos - e isso inclui festas, cenas de trocas de roupa, cenas de dança, montagens com passagem de tempo e músicas Pop ao fundo - e, ao fazer isso, Waters não apenas satiriza esses estereótipos, mas nos convida a sentir afeto por eles e a quem representam.

Todos conhecemos pelo menos uma Regina George (talvez não tão psicótica, claro), mudamos nosso comportamento pra agradar alguém de quem gostávamos e, de alguma maneira, decepcionamos alguém, sejam amigos ou família. É aí que a genialidade do roteiro de Tina Fey entra, pois ao abordá-lo de maneira simples e convidativa aos adolescentes que procura atingir, o diretor consegue lentamente transmitir a crítica social por debaixo da maquiagem pesada, desde a óbvia falta de conhecimentos gerais (“Se você é da África, por que é branca?”) que todos temos naquela idade, à nossa suscetibilidade a sermos influenciados, como evidenciado pela transformação que Cady sofre ao longo do filme. As aparências, a superfície, é literalmente o meio de comunicação aqui, pois mesmo essa transformação é feita de maneira vampírica (lembrem da fantasia de Cady): enquanto Regina George perde seus “poderes”, Cady os ganha.

Por isso também que a personagem de Lindsay Lohan (talvez uma das maiores decepções cinematográficas dos anos 2000 tenha sido sua queda) é a protagonista perfeita: sem jamais ter estado em uma escola antes, ela é uma doce menina que quer conhecer de tudo um pouco e logo é corrompida pelo sistema.

Com isso, Fey inteligentemente coloca um comentário ainda mega relevante sobre feminismo e sororidade, pois o ambiente estudantil é tão competitivo, e a sociedade é tão impositiva em como sexualiza e matura as meninas desde cedo, que elas acabam se virando umas contra as outras em uma guerra social que nunca precisaria existir. Um ponto curioso é a falta de personalidade, ou até presença, de meninos com papéis ativos na trama, porque a pressão em cima deles é completamente diferente daquela exercida nelas, o que torna tudo ainda mais feminino e, também, crítico.

Sem jamais ser pretensioso em excesso - porque até a cena do auditório tem umas piadas hilárias -, o filme consegue se tornar profundo e até inspirador, e o cumprimento entre Regina e Cady no final, em um ambiente muito mais pacífico e acolhedor (todos sentados na grama, meio Hippie), mostra como aquelas jovens meio piradas estavam prontas pra crescer e, quem sabe, adotar a postura mais contemplativa que o gênero tanto gosta. Talvez assim, rejeitando-o como resposta universal.

E as cópias de Regina e suas minions, que aparecem caminhando em câmera lenta, mostram que todos nós exercemos algum papel obrigatório naquele ecossistema e que aquele mundinho chamado ensino médio continua ali.

Nós é que, infelizmente, saímos dele.

10

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