FANTASPOA 2023: Dias 14 e 15 de abril
DADA A LARGADA DO 19º FANTASPOA!
A cultura dos festivais é, pra mim, a coisa mais importante do cinema. Um lugar em quem realiza e quem assiste pode se encontrar para ver filmes, e debater filmes transformando uma cidade em um centro vivo. Viver isso na minha cidade é sempre engraçado porque ao contrário daqueles festivais que a gente viaja e passa todo tempo focado só nele, a minha cidade tem a minha vida para viver junto com um mergulho em dezenas de filmes do mundo inteiro que são muito bem-vindos mais uma vez em Porto Alegre. Nos próximos dias vou postando conforme conseguir as críticas dos filmes que tenho visto e os comentários sobre o festival.
Sexta-feira 14/04
Onimanji (Japão - Mostra internacional):
Comecei o festival com um filme B de samurai. O diretor Yoshihiro Nishimura é um veterano no cinema de gênero e a naturalidade com que ele muda a razão de aspecto para dar ou tirar destaque do que ele quer evidencia isso. As sequências de ação tem coreografias espetaculares e a chuva de efeitos especiais trabalham muito pelo espectador. A estética Cyberpunk Samurai tem tudo a ver, e é uma ótima escolha para contar a história do Samurai que é renascido depois de 600 anos para trabalhar como assassino de aluguel.
“Onimanji” se complica nos comentários que tenta fazer, a tese de que o ser humano jamais vai mudar a natureza violenta além de bastante conservadora entra em conflito com a agência dos personagens nos momentos mais importantes. A proposta que colabora com o gênero B é fazer da abjeção ao ser humano, motivo de riso, para isso cria gags duvidosas e momentos em que objetifica os corpos das mulheres em cena sem razões muito nítidas. As quase duas horas passam rapidamente e a maneira como a edição passa de cena em cena lembrando um videogame com desafios e chefões cada vez mais difíceis é bem funcional.
Nota: 4
Casa de Passagem (Hungria - Mostra Internacional):
Provavelmente o filme mais convencional que vou assistir nesse festival. Uma espécie de remake de “Uma Noite no Museu” o longa conta a história de Krisztian, um rapaz que começa a trabalhar como vigia noturno em um necrotério e descobre que durante a noite os mortos ganham vida e o trabalho dele é ao longo do dia fazer as pendências que esses mortos deixaram em vida para que eles possam ir com a alma leve para o além. Tudo muda quando Agi, uma jovem que ele acabara de conhecer morre, e enquanto eles tentam descobrir qual era a pendência dela, os dois se apaixonam.
“Casa de Passagem” é uma comédia romântica, a proposta é ser boba e leve, tem muitas piadas rápidas (que acabam perdendo a graça na tradução do húngaro) e o roteiro é bem simples e compreensível. A tese central de que o amor é a força mais poderosa que existe não é desafiada e todos os personagens centrais trabalham com missões predefinidas ao nascerem, no final ninguém age de maneira diferente do que o roteiro preestabelece reforçando a ideia do destino único. O tema bem liberal é corroborado pela maneira convencional como o diretor filma seus personagens, a produção é grande e bem feita, cada cenário é muito bem utilizado mas os personagens poderiam ser melhor explorados.
Nota: 6
A Lasanha Assassina: O Ataque das Massas (Brasil - Mostra Nacional)
Para encerrar o dia de ontem assisti a estreia dessa animação brasileira muito engraçada. Esse longa me fez descobrir um subgênero que ainda não sei se existe (mas deveria) que é: adolescente gótica que tem uma relação difícil com os pais se muda com a família contra a sua vontade para uma casa que assombrada. Mas, se em “Beetlejuice” são os fantasmas dos donos anteriores que tentam assombrara Lydia, em “A Lasanha Assassina” bom… é uma lasanha que precisa ser derrotada por Rebeca e seus amigos.
Contando com uma animação linda que mistura várias técnicas para dar vida as pessoas, ambientes e monstros é no roteiro que o filme acontece, trabalhando com teses como a tecnologia antiga como espaço de medo (a geladeira da onde saem os montros, o VHS, etc) e com várias piadas e referência a cultura pop nos coloca também no ambiente de terror, para isso uma participação mais que especial de José Mojica Marins é essencial. Dentro desse universo aí já podemos ver a diretora Ale McHaddo pervertendo alguns temas tradicionais como a gula (ao invés da luxúria) ser o pecado que causa a morte dos personagens. Os 87 minutos são muito bem aproveitados e no final a gente torce muito por Rebeca e seu grupo de amigos derrotar a lasanha.
Nota: 7
Sábado 15/04
A Tartaruga de Pedra (Malásia - Mostra Internacional):
No sábado acompanhei a programação da majestosa Cinemateca Capitólio. O primeiro filme que assisti é do consagrado diretor malaio Woo Ming Jin e vinha com as credenciais da participação no Festival de Locarno ano passado. A produção se apresenta como um bom filme de festival, misturando realismo fantástico com os contos da periferia do mundo ao contar a história de uma mulher refugiada que mora com sua sobrinha e outras mulheres em uma remota ilha na Malásia, tudo muda quando um homem que se diz pesquisador de uma universidade aparece atrás de uma espécie rara de tartaruga.
O gênero é mais do que adequado para contar a história das vidas subdesenvolvidas das personagens. Mulheres que estão a margem em um país de margem, que não conseguem matricular as crianças na escola porque faltam documentações, mas que tem seguem os rumos da própria vida. A direção cria imagens muito fortes em um cenário lindo, com muitas cores vivas e luz, contrastando com o ambiente fantasmagórico que a ilha é, o suor brilha forte nos rostos dos personagens entregando as dificuldades do aparente paraíso que vemos. Asmara Abigail que interpreta a personagem principal é um espetáculo a parte.
Nota: 6,5
Orféa Apaixonada (Alemanha - Mostra Internacional)
O lançamento latino-americano desse filme aconteceu no Fantaspoa na sexta-feira com a presença do diretor, mas no mesmo horário que passava “A Lasanha Assassina”, no sábado assisti num Capitólio muito cheio. A releitura da saga de Orfeu que vai ao inferno atrás de sua amada traz Nele, uma jovem imigrante que apesar de ter uma bela voz, não consegue criar nenhuma relação com o mundo a sua volta seja nos dois trabalhos, seja com as colegas de apartamento. Isso muda quando ela conhece um jovem e se apaixona instantaneamente, mas não consegue se entregar a esse amor até resolver os problemas com seu passado na Estônia.
Misturando musical com clássicos da ópera e ballet clássico com dança contemporânea, “Orféa Apaixonada” também chega a Porto Alegre com credenciais de importantes festivais europeus. As atuações dos dois protagonistas nos convencem sobre o amor que sentem e a câmera sabe alternar entre sonho e realidade, dança e canto com leveza, fazendo fluir as ideias apresentadas pelo diretor, há momentos muito estranhos e momentos muito leves, a gente sente muita pena da personagem quando precisa e torce por ela também. E aí a sequência em que ela vai ao Inferno atrás do seu amor e precisa lidar com seu passado é realmente impressionante e nos deixa com o coração na boca.
Nota: 7,5