Crítica | Maria Antonieta

ADOÇANDO O PASSADO

Em filme mal-compreendido, Sofia Coppola documenta o poder do estilo


Os filmes de Sofia Coppola seguem uma estética muito própria. Independendo de quem, onde ou quando filma, seus projetos possuem sempre o visual característico da diretora e, além disso, comunicam os mesmos temas que ela começou a desenvolver em sua estreia, As Virgens Suicidas (1999).

Uma energia adolescente, pintada com a angústia do crescer, que não apenas humaniza personagens problemáticos, mas os torna vítimas de suas próprias solidões. Seja o opressivo subúrbio norte-americano, os desencontros de Tóquio, ou o palácio de Versalhes, todos parecem remeter diretamente a sua infância em meio a Hollywood, acompanhando o pai enquanto este mandava e desmandava.

Acaba sendo quase uma ironia que Coppola tenha saído, no fim, uma diretora tão doce e empática, mas é fascinante constatar que ela definitivamente puxou uma coisa ou outra do Cinema do pai. Da textura visual dos filmes, geralmente empregando luzes suavizantes que humanizam seus personagens e criam uma experiência de construção e contemplação imediata de memórias, à paixão pela composição. Mas se o diretor de O Poderoso Chefão (1972) era mais obcecado com a pintura, a filha parece ter se apaixonado pela naturalidade fluente da fotografia.

Seus melhores momentos são justamente documentações, entre o livre e o planejado, dos ambientes nos quais seus personagens se encontram - algo que ela consegue imprimir tanto com a textura do filme ou com a clareza do digital. Um lirismo sugestivo em As Virgens Suicidas, um choque de culturas e busca por sensações em Encontros e Desencontros (2003) e, em seu terceiro filme, um anacronismo que une as dores do passado com as inquietudes do presente.

E daí acaba sendo justificável também porque Sofia é menos aclamada que seus contemporâneos. Diferentemente da turma encabeçada por Tarantino, Fincher, Nolan, Paul Thomas e Wes Anderson e Shyamalan, ela não é obcecada consigo mesma, e se preocupa pouco ou nada em criar filmes grandes e vendíveis - o que ainda não a perdoa de seguir a tendência de fazer poucos filmes, mas ao menos não parece ser por motivos megalomaníacos. Inegável porém como nenhum deles - e todos tentaram -, conseguiram transformar a viagem no tempo em algo orgânico com seus estilos. Muito além de figurinos, bolos e locações, Maria Antonieta imprime estilo em sua tradução para a imagem.

Que, com suas imperfeições de movimento e estética documental - a decupagem, nesse sentido, remete diretamente ao Encontros e Desencontros -, não julgam as normas da época, deixando isso para o sorriso de Kirsten Dunst que denuncia o ridículo em ter sua vida tornada algo público. Coppola nunca se entrega a comédia, mas a faz melhor do que Lanthimos e seu A Favorita (2018), por exemplo, e também não dá nas vistas fazer um “estudo de personagem” do qual o Oscar tanto gosta, imaginando Antonieta como uma pessoa e não uma figura - o que, por si só, ajuda a exponenciar o contraste entre o que é “natural” e a rotina artificial da realeza.

A própria inserção desse humor estrangeiro presente nas interpretações (atores americanos do século 21 interpretando franceses do século 18) beira o genial, fugindo das duas saídas mais comuns: tentar emular os modos da época ou fazer um filme espertinho onde os atores praticamente colocam na testa que estão tirando sarro. Aqui é como se existisse uma curiosidade latente, mais visível em Dunst, mas presente em todo o elenco, que mais se diverte com essas diferenças do que as comenta. O que torna o anacronismo do filme algo natural, e permite a adição de Música Pop (que nem acho que foram tão bem escolhidas assim) sem que soe algo forçado ou pretensioso - algo que Tarantino e PTA sofrem com certa frequência.

O que deveria, mas não me surpreende é como boas partes das críticas em relação ao filme são endereçadas ao aspecto fatual da História, ignorando completamente como Coppola se apropria por completo quando a transforma em Cinema. O que, de novo, me faz refletir sobre sua subestimada recepção. Com apenas três filmes, a diretora não só justificou o próprio mérito para além da relação paterna, mas imprimiu um estilo extremamente próprio e bem sucedido.

Tudo bem que, em Maria Antonieta, ela não chega a transcender - achei que a libertação sexual da rainha seria esse momento, mas passa longe -, se aproximando apenas no último plano onde, enquadrada pela cortina da janela da carruagem, a adolescente que aprendeu a desfrutar da futilidade da realeza tem de se despedir do mundo de sonhos onde ficou presa pela maior parte da vida.

No fim eu, que geralmente desprezo toda e qualquer relação monárquica, não me importei se foi ela quem mandou o povo comer bolo. Sofia Coppola, ao documentar com seus olhos de chiclete de cereja, destrói as expectativas reais e cria (mais) um retrato de empatia com uma guria perdida num mundo hostil e alienígena.

Que ela tenha se apaixonado pelo estilo de vida, é um detalhe que torna o filme algo ainda mais autoral.

8.2

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