Crítica | Babilônia
“Um incrível esforço de mediocridade.”
Essa frase utilizada por Jack Conrad (Brad Pitt) para descrever o único filme que aparece para uma estrela em fim de carreira, fala também sobre a empreitada de Damian Chazelle em “Babilônia”.
Em um ano cheio de declarações apaixonadas para uma indústria em decadência, Chazelle tenta se consolar ao contar a história da eterna crise hollywoodiana e nos assegurar que os filmes sobreviverão. Durante a orgia cinematográfica de três horas que custou 80 milhões de dólares esse é o principal recado que “Babilônia” quer nos contar através de seu protagonista Manny Torres (Diego Calva), um avatar de Chazelle que sonha “fazer parte de algo importante” e assiste de perto a transição para o som no cinema norte-americano. Por outro lado, o roteiro fala dos excessos das pessoas que ficaram ricas com cinema, de maneira surreal o diretor filma grandes sequências que mostram que fora das telas a realidade também era algo opcional para esse grupo de atores, produtores e todo tipo de gente envolvida em Hollywood.
A estrutura narrativa da trama entrega os limites da suposta transgressão proposta de Chazelle, uma vez que os três atos da história são divididos de acordo com todas normas conhecidas em Hollywood. No primeiro vemos cenas grandiosas e marcantes, do auge da indústria, duas grandes sequências marcam esse momento. A primeira é uma festa na casa de um grande produtor, essa cena nos apresenta os protagonistas Manny, que está trabalhando na organização do evento, Jack, a grande estrela do momento e Nellie LaRoy (Margot Robbie), que sonha em ser uma famosa atriz e entra de penetra para o evento com a ajuda de Manny. É uma longa sequência com diversos acontecimentos e o diretor aposta em um visual que mistura a escatalogia e a orgia visual para impactar o espectador, seus movimentos de câmera e a trilha sonora gritam na cara do público que estamos vendo algo espetacular.
O segundo grande momento do primeiro ato é uma reprodução interminável de um set de gravação de filmes mudos, com diversas películas sendo gravadas simultaneamente em um ambiente onde tudo é possível. Aqui vemos os nossos personagens trabalhando nas suas carreiras em uma tentativa falha de reproduzir Fellini, criando um ambiente em escala comparável só a que vemos em épicos de guerra (um dos filmes que acompanhamos as gravações é desse gênero inclusive). Nellie se destaca em um papel secundário que ganha na festa que vemos na cena anterior, vemos a estrela de Jack (e de Brad Pitt) que agora tem como seu assistente Manny, que salva a gravação do seu filme ao fazer de tudo para conseguir uma câmera reserva.
Esses são os dois grandes momentos de “Babilônia” e é neles que Chazelle apresenta as suas principais ideias sobre cinema, sobre arte, sobre seus personagens, e seu estilo de filmar muito apaixonado por tudo que está mostrando, mesmo que demonstre compreender as contradições, os barões da indústria são como animais, as mortes de figurantes durante as filmagens são comuns. No resto do filme, o roteiro parece cansar de tanta energia e ao contar uma história de altos e baixos usa também a linguagem e o ritmo para demonstrar isso, os movimentos de câmera ficam mais lentos, as trilhas sonoras entram para pontuar determinadas situações, a consequência disso porém é que “Babilônia” tentando ser resistência a Hollywood de hoje acaba se conformando as normas mais enfadonhas que existem. A trama não consegue sequer aceitar o caminho natural entre a intensidade escatológica e a massante monotonia, jogando para o público algumas lembranças do ponto de partida.
Enquanto Manny Torres representa a versão apaixonada do diretor pelas pessoas que “fazem as pessoas comuns escaparem da realidade”, nas palavras do personagem, Jack Conrad é o paladino do tipo de cinema que Chazelle acredita. Em algumas sequências ele entra discute, verbalmente, claro, com personagens que representam os antagonistas da moribunda indústria que ele trabalha. Em uma parte para cima do teatro, ressaltando como cinema atinge muito mais gente, e no momento de maior autoadulação em todo roteiro ele é confortado por uma crítica, interpretada por Jean Smart, que o garante que o cinema é eterno, que pessoas nascidas décadas depois do último suspiro dele ainda vão assistir e se divertir com suas obras.
A visão apresentada por Chazelle sobre cinema é contraditória, o primeiro ponto que ele quer tanto nos contar sobre a crise eterna e também a importância eterna do seu próprio trabalho e do trabalho das pessoas que o empregam toma uma dimensão de propaganda. Não vemos, nem em forma nem em conteúdo nenhuma justificativa para a suposta eternidade dos filmes além da própria crença desses personagens, já sabemos desde “La La Land” que o diretor tem uma visão conservadora de arte, algo que serve para ser salvo e não ser feito, algo para as pessoas fugirem da realidade e não enfrentarem ela, e em “Babilônia” ele nos apresenta esse sistema de crenças com tanta certeza e prepotência que sobra pouco espaço para seus próprios personagens além de fracassarem. Os finais trágicos que aguardam Jack Conrad e Nellie são a própria confissão do fracasso de Chazelle (e a bilhteria desse filme é a comprovação disso).
No meio de tudo isso, há alguns momentos genuínos de cinema em “Babilônia”, a melhor cena conta com Margot Robbie e uma frustrada equipe hollywoodiana tentando gravar uma cena com som e fracassando a cada vez por conta da nova tecnologia, nesse momento entendemos a partir da ação e da tensão entre os personagens como o antigo regime da indústria está prestes a cair. Mas é muito pouco, entre homenagens a um passado assumidamente desastroso e mistura de exaltação e lamentação sobre os limites da produção cinematográfica hegemônica nos Estados Unidos, Chazelle não coloca seu filme de frente com seus próprios limites. Talvez seja hora de parar de escrever cartas apaixonadas para o cinema e para Hollywood e começar encarar a realidade daquilo que essa indústria se tornou.