Crítica | Match Point
Tem algo de extremamente cafona em um filme que começa com uma narração em off, onde o personagem compara a vida a um jogo de tênis dizendo que, dependendo de onde a bola cair, você ganha… PAUSA DRAMÁTICA… ou perde.
“Match Point” é um dos filmes mais celebrados de Woody Allen, mesmo que seja pouco falado perto de outros da mesma época ou do próprio diretor - ou quanto o próprio diretor.
Quase como uma versão britânica de “De Olhos Bem Fechados”, onde a famigerada cena da orgia é substituída pela burguesia inglesa e a noite interminável de Tom Cruise se torna a vida de Chris: um ex-jogador de tênis que agora trabalha na firma do pai da mulher com quem parece ter sido armado para casar ao visitar sua casa de campo (torça um pouco essa premissa e você tem um “Corra!” com final “feliz”). Ambos os filmes são sobre aparências, ambos são sobre máscaras, ambos são sobre fugir da vida cotidiana que as promove.
Mas se Kubrick vai além do flerte com vários gêneros, Allen se mantém em uma linha mais tênue, mais cínica, como se o filme reproduzisse o modo deplorável como aquelas pessoas levam a vida a risca. A fotografia dessaturada tira qualquer prazer das cenas ao ponto que mesmo as tentações se tornam obrigações, apesar de haver sensualidade no desejo, o ato se torna vazio. Já começamos com Chris cansado da vida de tenista, e em nenhum momento ele parece empolgado de verdade, exceto quando faz força para mostrar que quer fazer algo importante, mas acaba entrando na primeira brecha que encontra para se encostar.
É uma vida tão procedimental que mesmo a força que é Scarlett Johansson não consegue balançar os pilares de sua fundação. Embora os primeiros quarenta minutos possam sugerir que ela seja a ruptura, logo é também sufocada e reduzida à uma nota no jornal e mesmo a investigação do que lhe aconteceu tem uma resolução brochante, novamente refutando qualquer gênero que ameace esse cinismo constante. Em uma leitura tão piegas quanto aquele discurso inicial, as bolas sempre caem do lado certo para quem tem dinheiro.
Mas não acho que seja a podridão desse sistema de castas que Allen queira mostrar, e sim aquela que reside dentro do ser humano. Roger Ebert apontou em sua crítica que nenhuma daquelas pessoas é boa, que todas fazem apenas o que lhes satisfazem, que o filme evidencia e escancara não apenas a estrutura, mas aqueles que a construíram e que a impedem de cair. Chloe, caracterizada da maneira menos atraente possível e filmada de maneira que sua magreza parece fazer com que suma dependendo do ângulo, parece gostar de Chris porque acha que pode moldá-lo a sua maneira, ela quer um filho não pelo amor de ser mãe, mas por este ser o próximo passo do jogo da vida para a família Hewett. Vejam como Allen raramente, se qualquer vez, filma close-ups daquelas pessoas, como se seus rostos fossem meros objetos de cena feitos apenas para cumprirem seus papéis, o que inevitavelmente nos aproxima das figuras de Chris e Nola (o grandíssimo casal Chris Nolan).
Gerando um efeito comum a Kubrick de nos fazer quase torcer por alguém terrível, Allen cria nos dois a única fuga para aquela monotonia opressiva, sendo que toda e qualquer humanidade que o filme tenha está na beleza dela e no olhar dele, e mesmo sabendo o quão fadado a tragédia é aquele relacionamento, é como se fosse inevitável não se assustar quando essa tragédia finalmente vem. A ópera não apenas brinca, mas se sacia com a obscuridade daquele momento, que Allen acertadamente escolhe mostrar apenas do ponto de vista de Chris que, tão desumanizado por um sistema plácido, elimina o último traço de humanidade que tinha com a certeza de que perdê-la era melhor que confrontá-la. Isto é, caso o olhar final pela janela seja o de inquietação por conta de uma culpa que sabe que não lhe afetará, e não da vontade inerente de tentar, mais uma vez, fugir da armadilha onde se meteu.
Mesmo se esticando além do necessário, e de fugir de alguns embates que talvez elevassem a memória da longa partida de tênis que ensaia, “Match Point” é um filme com nuances que parecem não esconder nada se não a superficialidade que Allen mostra de maneira tão aparente, mas que te deixa curioso e atento por sempre esconder a jogada seguinte (é claro que teríamos de terminar do mesmo jeito brega que começamos).