Crítica | Aniquilação
Desde o momento em que terminei de assistir "Aniquilação", sabia que aquele era um filme que não terminava.
Que, mesmo que não faça um sucesso estrondoso (não vai) e o estúdio decida não filmar as continuações existentes nos livros de VanderMeer, vai continuar a existir dentro das muitas pessoas que ainda assistem à filmes para irem além do que vêem na tela. Que, a cada vez que eu rever e tentar decifrar cada momento, as mensagens e interpretações que Garland preferiu por deixar ambíguas tomarão novas formas, explorarão novos conceitos, revelarão novas verdades. "Aniquilação" é um filme que vive, foi feito para isso.
No primeiro trabalho de Alex Garland desde o maravilhoso "Ex-Machina" (2015), somos presenteados com um dos filmes mais ousados dos últimos anos. Um daqueles filmes que o cinema precisa, mesmo que boa parte das pessoas que vão ao cinema não mereçam.
Natalie Portman é uma bióloga que decide ir em uma expedição adentro de um fenômeno misterioso, como um véu brilhante e reluzente que surgiu no meio do nada e cresce a cada momento, engolindo tudo a seu redor. Ela e outras cientistas devem tentar descobrir a causa e efeito do fenômeno, que está sendo chamado de "o brilho". Qualquer coisa que fosse falada além disso poderia estragar sua experiência, pois, apesar de seguir uma estrutura recorrente, "Aniquilação" sucede por seu constante senso de mistério e uma inquietante sensação de que algo extremamente perigoso e ameaçador está acontecendo. Não esperem uma crítica com qualquer tipo de spoiler. Quanto menos você souber, melhor.
O próprio roteiro, também escrito por Garland, não tem nenhuma intenção de ser expositivo ou de explicar o que realmente está acontecendo. Mesmo que ocorra em três linhas de tempo que se alternam, o foco principal é trabalhado de forma minuciosa para que o desenvolvimento de suas personagens se aprofunde conforme os mistérios deste lugar são apresentados. Dito isso, as linhas de tempo que representam o passado e futuro da personagem de Portman, além de serem menos interessantes do que sua jornada dentro do "brilho", acabam culminando em conclusões que poderiam ser atingidas sem suas presenças no filme, mesmo que em momento algum possam figurar como erros ou uso inútil de tempo. Mas seria difícil competir com a esquisita e psicodélica experiência que é criada quando todas se encontram dentro daquele misterioso lugar.
A direção de arte tem parte fundamental na experiência, graças à um design de produção que é ao mesmo tempo fascinante e hostil. A ação de Garland é essencial, escolhendo por espaçar bem os momentos mais "malucos", fazendo com que o impacto destas cenas seja sentido. O ato final, além de contar com conflitos e resoluções capazes de provocar borboletas na sua cabeça, se encerra em uma das cenas mais mindfuck e perturbadoras do cinema recente. Mesmo que os efeitos não sejam do mais alto nível o intenso e dedicado trabalho de Natalie Portman puxa todo o peso da cena para si. É algo, de alguma forma bem inusitada, lindo de se assistir.
A performance de Portman é o ponto central do filme, sendo uma mistura perfeita de apelo emocional e interesse científico, com conflitos desafiadores e que afloram desde seu jeito de falar à sua linguagem corporal. A química dela com Oscar Isaac, que mesmo aparecendo em poucos momentos continua magnético como sempre, é visceral. Porém, fora eles, o filme conta com erros e acertos em seu casting. O fato da nova equipe mandada para o "brilho" ser composta inteiramente de mulheres, após falhas com equipes de homens, é uma clara crítica ao preconceito em torno da presença feminina no campo da ciência. Gina Rodriguez é filha de pais porto riquenhos, Tessa Thompson é negra e crescida no Brooklyn, Tuva Novotny é sueca e Benedict Wong é filho de imigrantes vindos de Hong Kong, e isso é maravilhoso, mesmo que não convençam em seus papéis no mesmo nível da dupla de estrelas. Até mesmo Jennifer Jason Leigh não impressiona até o ato final.
A vitória está no fato de que este, um filme extremamente ousado em sua essência, consegue ser inclusivo sem forçar isso de forma alguma.
Isso leva ao ponto principal em torno do longa. A distribuição realizada pela Paramount decidiu lançá-lo apenas nos cinemas norte-americanos e chineses, por medo de que os custos não fossem cobertos com um lançamento internacional, o que acabou sendo realizado pela Netflix. Não, este não é um filme produzido pelo serviço de streaming, é uma obra extremamente inspirada e feita com uma dedicação total de seu elenco e equipe para que fosse vista nos cinemas, potencializando o efeito da trilha sonora, do design e dos efeitos psicodélicos, realizados com extremo detalhismo.