Crítica | Metallica - St. Anger
I feel my world shake like an earthquake
Hard to see clear, is it me, is it fear?
Metallica foi a primeira banda pela qual me apaixonei.
Era tudo o que eu ouvia durante minha pré-adolescência e adolescência. Na época, me impressionava facilmente com a velocidade de riffs como Dyers Eve, Disposable Heroes e Damage, Inc. Como todo bom metaleiro birrento de 13 anos, o discurso era: “eles se venderam no Black Album”, “Master of Puppets é o melhor álbum deles” e, obviamente, “O St. Anger é o pior álbum deles”. Hoje, com 23 anos, já com a minha própria opinião e senso crítico, eu digo: “St. Anger” é meu álbum favorito do Metallica.
Quando digo isso para meus amigos, não há nenhum que não fique chocado (e eu entendo o porquê). Eu reconheço as falhas e erros do álbum, entre eles o som de lata da bateria, a duração exagerada das faixas causada pela repetição desnecessária de versos e algumas escolhas de produção e mixagem ao tentar se aproximar do nu metal, gênero em alta no início dos anos 2000. Além disso, a banda enfrentava diversos problemas internos como o alcoolismo de James Hetfield, problemas de comunicação, traumas do passado, novas prioridades entre os membros e outros diversos atritos que foram filmados e tornaram-se o documentário Some Kind of Monster. Com isso posto, posso dizer que não admiro o álbum pelas suas características técnicas de produção, mas sim pela sua proximidade da arte contemporânea, onde a mensagem e, nesse caso específico, a agressividade excessiva e o desconforto são peças chave para se apreciar a obra.
O álbum trata em suas músicas diversos sentimentos que podem ser diretamente ligados à raiva, como angústia, tristeza, agonia, e comportamentos que podem ser adquiridos com esses sentimentos, como obsessão e vícios. Logo na primeira faixa temos a frenética Frantic, trazendo de volta para o catálogo da banda a agressividade sonora que havia ficado de lado em seus últimos discos, Load e ReLoad. Com palhetadas rápidas e precisas, a banda ilustra através do instrumental a sua angústia ao afirmar “My lifestyle determines my deathstyle”. Em contrapartida a esse sentimento, encontramos no pré-refrão - “Keep searching, keep on searching, this search goes on” - a calma e a paciência de quem procura pela melhora mesmo sabendo que essa cura poderá demorar a chegar (mostrado através da onomatopéia temporal em “Frantic-tic-tic-tic-tic-tic-toc”), para logo após ser consumido novamente pelo desespero no refrão. Essa procura pela melhora também é mostrado em Purify, onde, de maneira exacerbada, é mostrado na letra uma vontade tão intensa de se tornar uma nova pessoa ao ponto de ficar apenas com o esqueleto e se reconstruir a partir dele.
Em seguida, temos a música que dá nome ao álbum: St. Anger. É aqui onde os primeiros problemas de produção aparecem, entre eles a duração da música e a falta de solos de guitarra, sendo esse último ponto corrigido durante os shows com improvisações. Embora os riffs e a construção geral da música sejam interessantes, a repetição desses elementos faz com que ela seja um pouco cansativa. A próxima faixa, Some Kind of Monster, sofre dos mesmos problemas, acentuados pela letra fraca que foge do conceito geral. Ainda que tenha uma das aberturas mais impactantes do álbum, em minha opinião, é a mais fraca entre as 11 músicas.
Outras músicas onde a produção peca na duração e repetição de versos são Invisible Kid e All Within My Hands. Na primeira é contada a história de uma criança tímida e ignorada que clama por atenção, embora tenha receio disso. Já a segunda trata da obsessão doentia de alguém que ama, sentimento possessivo ocasinado pelo medo de perder a pessoa amada por conta dos problemas e inseguranças que são expressos durante o álbum.
Sobre a duração e repetição dos versos, é possível argumentar que, sob uma perspectiva artística, isso pode ser visto como um mantra, uma maneira que a banda encontrou de se contar esses problemas e usar a música como uma terapia. A faixa em que isso é bem feito, The Unnamed Feeling, mostra muito bem essa comparação, inclusive na sua frase de abertura, ao colocar o ouvinte na posição de psicólogo - “Been here before, couldn't say I liked it. Do I start writing all this down? Just let me plug you into my world, can't you help me be un-crazy?”. Essa é a melhor música do álbum. É onde tudo se encaixa, a produção com o balanço entre o pesado e o leve, o conceito do álbum e a letra mostrando essa montanha-russa de sentimentos pelos quais a banda estava passando, o instrumental e as harmonias vocais de James, todos esses elementos trabalham juntos para o ápice musical de “St. Anger”.
Em Dirty Window, encontramos uma das mais agitadas e “headbangeáveis” músicas do álbum, embalada por uma letra que, em minha interpretação, mostra a dissociação de como James se sentia internamente - “Am I who I think I am?” - e de como era sua imagem perante os fãs. Embora sempre carismático e enérgico durante os shows da banda, por dentro havia essa angústia que ainda não havia sido externalizada explicitamente.
My World pode ser interpretada como uma conversa sobre depressão, de como esse problema entrou na cabeça de James e de como ele lutava contra isso. Embalado por um forte riff e um vocal carregado de raiva, o vocalista se pergunta “Who's in charge of my head today?”, talvez procurando por possíveis culpados desse sentimento agonizante. Ao fim da música, mais indignação é apresentada através dos gritos de “not only do I not know the answer… I don’t even know what the question is” e “God it feels… Like it only rains on me”. Logo após, Shoot Me Again é tocada, mostrando a resiliência e a força ao lutar contra esses problemas. “Right here I'll stay, with a bullet in my back!” e “All the shots I take, I spit back at you” exemplificam esse sentimento.
Sweet Amber é aonde vemos James falar sobre seu problema com o álcool, fazendo uma comparação da cor âmbar com a cor do whisky. “Oh, sweet amber how sweet are you?” se pergunta durante o refrão da música, para, no último momento, realizar o mal que isso lhe causa com a frase “It's never as sweet as it seems”. Vale ressaltar que a gravação do álbum foi interrompida por diversos meses enquanto James estava internado em uma clínica de reabilitação, lutando justamente contra o alcoolismo.
“St. Anger” é o tipo de obra que transporta o ouvinte para dentro de uma cabeça angustiada, depressiva e raivosa que busca respostas e soluções para seus problemas. É um álbum cru, intenso e que, entre os pontos altos e baixos da gravação, abre um novo prisma sobre a banda. Mostra que eles, assim como nós, são humanos com sentimentos e passíveis de erros, mas que ainda assim, através de todos problemas, conseguem superar e expressar isso através da música que colocam no mundo. Ao meu ver, “St. Anger” é o projeto mais verdadeiro e ambicioso do Metallica. É um álbum coeso em seu conceito e ousado em suas decisões, sejam elas boas ou ruins.