Crítica | Songs - Adrianne Lenker
durante essa quarentena vinha me sentindo anestesiado. Não conseguia - e nem queria - sentir nada…
…Até achar um refúgio repleto de flores.
Do nome do álbum e sua arte da capa até os arranjos contemplativos e o timbre exótico e aconchegante, “simplicidade” é a palavra-chave para descrever o terceiro álbum de estúdio de Adrianne Lenker. Songs é honesto e acessível desde seu primeiro rabisco e nos surpreende com a informalidade com que a cantora trata seu próprio projeto em seu título: São apenas músicas — mais especificamente, 11 delas — adornadas por uma capa pintada por sua avó, com seu nome assinado em todas as letras, feitas numa cabana isolada do mundo e que, inexoravelmente, vão se dissipar no tempo como tudo na vida, como ela mesma afirma na modesta Ingydar: “Everything eats and is eaten; Time is fed”.
Essa inevitabilidade e a força do tempo como agente ativo em nossas vidas são temas centrais de Songs, unidos à infinitude do amor e à melancolia e solidão causadas pelo isolamento. Paradoxalmente ao envelhecimento e desaparecimento natural das coisas, Adrianne transforma seu álbum em um espaço etéreo que transcende o próprio tempo. Seus dedilhados no violão e os barulhos locais (como pássaros) que aparecem recorrentemente transformam pequenos e delicados sons em sensações gigantescas. É irônico, pois não parece haver uma intenção deliberada de desencadear tamanha emoção; simplesmente acontece de forma natural. Tudo é excessivamente simples e espantosamente relacionável. É como se uma borboleta entrasse voando por uma janela de sua casa e saísse pela outra da forma mais corriqueira possível, sendo impossível não ficar admirado pelo momento — por sua beleza, claro, mas principalmente por sua raridade.
As letras de Adrianne podem ser vastas e metafóricas, como acompanhamos em sua trajetória com sua banda Big Thief, mas aqui a escolha é uma abordagem mais crua e direta. A maioria das músicas soam como uma constante observação do presente. A instrumentalização também é mais leve e frágil do que estamos acostumados. Nesse sentido, Anything talvez seja uma das coisas mais hipnóticas que atingiu meus ouvidos esse ano. O violão flutua em ciclos com os mesmos quatro acordes durante todos os seus versos, acompanhando a voz de uma pessoa visivelmente tímida, porém apaixonada o suficiente pra deixar suas palavras cruas sobre o amor fluírem. A própria cantora, no Podcast semanal da Pitchfork, salientou que entende que uma letra se torna universal por ser uma experiência pessoal. Nesse sentido, Anything é tão íntima que seu refrão nos traz a sensação intrusiva de estar ouvindo o que há de mais puro no amor de outra pessoa, porém é tão acessível que nos chama para um universo onde somos protagonistas daquelas linhas narradas por ela.
A última coisa dita na música é uma interjeição — um “uh” mais especificamente — como se ela mesma estivesse surpresa com tudo que acabou de ser dito.
Seguindo com o álbum, temos Heavy Focus, uma experiência agridoce onde sua melodia é açucarada, mas a letra, mais melancólica, revisita detalhes de um amor perdido com todo carinho do mundo “Shakey like the first dance, Shakey like the first time, Our palms met in the clam sweat.”. Em Half Return, como o próprio nome sugere, ela revisita sua infância de forma sucinta, “pela metade”. Sobre uma melodia charmosa e memorável, a letra nos dá detalhes como suas memórias fossem guardadas num potinho. Ela lembra da neve, das estradas, do balanço enferrujado e do escorredor de plástico. Tudo, absolutamente tudo, é tratado com carinho e afeição - até mesmo o gramado morto do refrão.
Minha música favorita do álbum, Zombie Girl, possui uma beleza inquestionável e arrebatadora. Ela nada mais é que uma confissão sincera e introspectiva sobre o que a cantora acha, ou achava, que solidão significava. É o momento onde sonhos abstratos se tornam realidade. O refrão da faixa é um reflexo perfeito de como venho me sentindo durante esses meses de reclusão. Questionar o real significado das coisas é um exercício recorrente nessa rotina de quarentena. Solidão, pelo menos para mim, até pouco tempo atrás, era sempre facilmente preenchida com questões, explicações, ou música. Assim como Adrianne, hoje eu não tenho certeza se de fato sabia o que era se sentir solitário. Mas me sinto confortável ao ouvir sua letra andando de mãos dadas com seu violão me dizendo que não é algo que eu precise encarar sozinho.