Crítica | Lady Bird
Você se lembra da sua adolescência? Dos exageros, das emoções, do desespero, do êxtase, do festim de hormônios que transformava semanas em meses e horas em minutos? "Lady Bird" retrata o momento de passagem para a vida adulta da jovem personagem Christine, que está prestes a terminar o ensino médio e que precisa lidar com sua mãe, suas relações, com as dificuldades impostas pela vida e, principalmente, consigo própria.
À primeira vista, essa é uma história que já foi contada diversas vezes. Um clássico "coming of age", com uma personagem forte e desafiadora. No entanto, há diversos aspectos do filme que o diferenciam, tornando-o um ponto fora da curva no gênero.
Primeiramente, o fato de que a principal relação tratada no filme é a entre mãe e filha. E, se fizermos a conta, existem pouquíssimos filmes com protagonistas adolescentes que colocam essa relação no centro da história ("The Edge of Seventeen" é um dos poucos exemplos recentes, mais uma exceção em meio ao mar de filmes estilo "menino conhece menina e os dois se apaixonam"). Sim, temos um espectro amplo de conhecimento sobre a vida de Lady Bird, mas o pulo do gato é que mesmo nas suas relações de amizade ou amorosas, o filme continua construindo, nos detalhes, o arco da relação da filha com a mãe. E isso é muito inteligente.
Greta Gerwig se apresenta em alto nível como diretora e roteirista na sua estreia solo.
O longa foi escrito e dirigido por Greta Gerwig, que aqui faz sua estreia solo em ambas atividades. Uma estreia surpreendentemente competente. Como diretora, ela demonstra ter domínio do todo do início ao fim, sem jamais se despreocupar com o tom e a mensagem que quer passar. Como roteirista, porém, é onde ela se destaca. O filme é engraçado, realista, divertido e comovente, tudo na medida certa.
O trabalho feito por Greta é profundamente realista.
É impossível falar de Lady Bird sem mencionar diversas vezes a diretora, porque os grandes diferenciais e méritos do longa são provenientes do roteiro e da visão sob a qual ela nos apresenta o filme. Greta, que assim como Lady Bird é de Sacramento, Califórnia, e tinha 17 anos em 2002, época em que se passa o filme, afirma que essa não é uma auto-biografia, mas que foi sim profundamente inspirada em sua juventude, na relação com sua mãe e em sua terra natal. Apesar de realista, é perceptível que há muita inventividade na construção dos personagens e do enredo. Tudo é muito original, sem ser forçado demais.
A combinação dessa inspiração com a criatividade da diretora resulta numa obra interessante, que combina experiências reais e boa escrita para entregar um filme diferente.
As cenas que começam com diálogos já em andamento, dando um senso de realidade impressionante e mostrando saber que o público pensa e vai conseguir pegar o contexto, algo refrescante num momento em que tantos filmes dão tudo explicado e mastigado o tempo todo; a relação de Lady Bird e sua mãe, que é explorada tanto enquanto as duas contracenam como nas entrelinhas do que a filha fala e faz em outros momentos da história; a construção minuciosa de cada personagem; a luz diferente que é dada à escola católica, que não é vilanizada como usualmente; a direção de arte que faz com que cada recinto pareça um lugar completamente real; os detalhes na montagem e as rimas visuais que auxiliam a construir a transformação pela qual a protagonista passa. Esses são só alguns dos aspectos que dão ao longa um ar diferente dos outros filmes do gênero.
Se metade dos méritos do filme são da direção, o restante deve ser creditado ao elenco. Não há uma única performance ruim aqui, ninguém destoa negativamente. Positivamente, no entanto, dois destaques são claríssimos: Saoirse Ronan e Laurie Metcalf, que brilham em “Lady Bird” com atuações impecáveis. A conexão entre as duas é assombrosamente verdadeira, as cenas em que estão juntas não parecem vindas de um filme, e sim apenas do cotidiano de uma mãe e uma filha reais. Mesmo quando não estão contracenando, ambas atrizes estão muito dedicadas ao papel e é impossível pensar em outras pessoas que pudessem estar em seus lugares.
No entanto, nem tudo são flores. Mas, calma, não por falta de competência, aparentemente.
Gerwig trabalha aqui com uma proposta hiper-realista. Seus personagens são tão reais, amáveis e envolventes que poderiam ter cada qual seu filme.
Apesar de serem profundamente diferentes e, por isso, entrarem em conflito constantemente, o afeto e o amor entre mãe e filha são evidentes, e a vontade de começar a vida e ir em direção ao novo de Lady Bird é perfeitamente transmitida, assim como a superficialidade com que os temas secundários do filme são abordados, que pode também ser lida como um reflexo do que de fato ocorre durante a adolescência: tudo é intenso, mas frequentemente passa rápido. Tudo isso se soma a uma mensagem que tem mais de uma camada e que, quanto mais se pensa sobre, mais profunda fica. Porém, para que o espectador possa se identificar e fazer essa reflexão, a diretora adota uma postura um pouco discreta, para que a história seja protagonista o tempo todo.
Não há uma assinatura ou um estilo marcante que seja perceptível no primeiro filme de Greta, mas seria tolice dizer que isso é falta de competência para fazê-lo: a discrição é, muito provavelmente, proposital.
Como dito antes, o filme é muito realista e fiel a seus personagens. Dessa forma, não existem muitos momentos de “liberação emocional” e grande movie magic. A diretora escolhe o caminho mais difícil: sacrifica "grandes cenas" que poderiam provocar aquelas lágrimas e aquele quentinho no coração para se manter fiel ao realismo e à proposta que vinha sendo desenvolvida. Essa é uma escolha difícil, mas funciona a favor do argumento do filme e de sua narrativa. Acima de tudo, é uma escolha corajosa.
Alguns detalhes do roteiro poderiam ter sido melhorados sem diminuir a força do foco do longa. Com personagens tão ricos, fica a sensação de potencial desperdiçado. A cinematografia é bonita, mas possui poucos planos marcantes e não aproveita bem a atuação em algumas cenas. A trilha sonora é somente funcional, além de ser razoavelmente esquecível. Utiliza de uma estética que já está cansada para filmes desse gênero, o que é uma pena em um filme tão autêntico e com uma protagonista tão bad-ass. A trilha musical só parece fazer sentido para nossa personagem Lady Bird, que curte Alanis Morissette, quando de fato toca “Hand In My Pocket”.
No fim das contas, o quanto você vai apreciar "Lady Bird" está profundamente relacionado ao quanto você vai se identificar com o filme. Por focar completamente na sua mensagem e na honestidade de sua história, o longa abre mão de se tornar um blockbuster emocionante, fácil de se identificar, como "Extraordinário", por exemplo. Greta escolhe produzir um filme cuja identidade reside nos detalhes.