Crítica | Eminem - Encore
"Encore" é uma expressão utilizada no show business norte-americano para quando a plateia continua a aplaudir uma performance mesmo depois do fim e o artista, então, retorna ao palco para repetir ou apresentar uma outra canção. Também é o primeiro álbum de Eminem a não fazer jus à essa expressão.
Eminem era grande demais em 2004. Foram dezenas de milhões de cópias vendidas com seus últimos dois álbuns, os aclamados "The Marshall Mathers LP" e "The Eminem Show", um Oscar por "Lose Yourself", a música tema de seu filme "8 Mile", além de uma quantidade absurda de outros prêmios e de uma incansável cobertura da mídia acerca de sua polêmica personalidade. Talvez a cor realmente tenha influenciado em todo esse sucesso, afinal, se fosse um artista negro rimando as mesmas profanidades que ele logo no começo de sua carreira, não estaríamos mais falando sobre ele. Mas Marshall Mathers, a.k.a. Slim Shady, a.k.a. Eminem, é um rapper branco e, parafraseando um episódio de "Family Guy", possui a quantidade certa de perigo.
Tudo isso fez com que o próprio título deste álbum fizesse todo o sentido. As pessoas queriam mais do artista mais vendido e comentado do início do século 21. Engraçado como possa parecer, a partir daqui os aplausos diminuiriam consideravelmente.
Enquanto "The Eminem Show" já havia mostrado uma leve decadência em relação à genialidade crua de seus primeiros trabalhos, Eminem segurou praticamente toda a produção com autoridade, no que provou ser um álbum realmente consistente e bem trabalhado. Mas o valor de choque já não era mais o mesmo, após você fazer rimas sobre assassinar sua esposa e se livrar do corpo dela no mar com sua filha assistindo, as pessoas ou já te deixaram ou não se surpreendem mais com nada. Logo se presume que, aqui, um álbum depois, esse valor esteja ainda menos efetivo e enquanto ele continua a rimar coisas absurdas e atacar o mundo inteiro, nunca pareceu tão desnecessário ou vazio.
A sagacidade alegre de Slim Shady e as rimas pesadas e carregadas de Marshall Mathers dão lugar à performances recheadas com uma voz de deboche, que vai a extremos, procurando qualquer conjunto de palmas para os absurdos proferidos. Na faixa bônus (por que faixas bônus existem mesmo?) "As Americans" ele quer esfaquear George Bush, em uma repetição menos inteligente de "Mosh". Como um fã de Michael Jackson (todos são, não?), tenho de passar "Just Lose It", que ainda mais com seu vídeo debocharam de um homem que encarou coisas que o próprio Eminem não resistiria futuramente. Aqui ele acusa MJ de abusar de crianças, mas muitas vezes na sua carreira ele mostra prazer em coisas tão horrendas quanto. Foi outro caso de "sou mais popular que Jesus?", talvez, Eminem é o artista de maior sucesso de sua geração e um dos únicos a encarar a histeria midiática que Michael teve em seu auge. As respostas dele (Eminem), no entanto, apenas pioraram com o tempo.
Há momentos de genialidade que são frequentemente abalados por decisões preguiçosas ou simplesmente erradas. "Rain Man" tem toda a esperteza e habilidade de Eminem em transformar sua vida, já altamente interessante, em algo comicamente magnético: You find me offensive
I find you offensive for findin' me offensive / Hence if I should draw out or line any fences
If so, to what extents if any should I go / 'Cause it's getting expensive / Bein' on the other side of the courtroom on the defensive" ele começa, para então traçar um combate entre Christopher Reeve e Darth Vader na forma de figuras da sua geladeira. Em "Yellow Brick Road" ele se desculpa por comentários racistas enquanto contextualiza sua vida da mesma forma que fez várias vezes antes. Seu flow funciona bem aqui, principalmente no refrão, mas não é uma faixa que fique com você após acabar. Além disso, ambas esticam para cinco o que poderiam ser ótimos três minutos.
Este amor de Eminem por trabalhos longos era um fardo até quando o produto inteiro funcionava e o fator novidade era presente, agora sem ele fica realmente difícil querer voltar para um álbum de uma hora e trinta minutos.
Quando se tem um álbum longo como este é preciso inovar e variar e isso não acontece. Muito da produção de "Encore" foi dada a Dr.Dre e aos produtores menos conhecidos Elizondo e Resto, e mesmo com Eminem participando frequentemente do processo pouco de novo foi adicionado. Muitas ideias são reutilizadas, batidas com o mesmo tempo, uma variedade pouco exploradora de instrumentos e recursos que já ouvimos antes. "Evil Deeds" poderia passar por um processo de mixagem bem mais intenso, mesmo isso não sendo suficiente para salvar seu infantil refrão. "Big Weenie" continua os temas de "Rain Man" sem adicionar nada novo, soando desnecessário. É de se pensar como "My First Single" fez a listagem final, sendo praticamente inaudível e "Puke", com sons de vômito interpolados, deve ser uma das coisas mais repugnantes que ele fez em sua carreira, e pra isso é necessário bastante.
Após você se estabelecer como um excelente produtor que consegue melhor que ninguém entender sua visão distorcida do mundo, ter alguém para fazer a maior parte do trabalho é bastante ruim a não ser que você possa dar sua cara ao produto final com suas habilidades como rapper. E esse não é o caso.
Mas sim, existem momentos excepcionais aqui e eles coincidem exatamente quando o personagem é diferente, mais próximo de seus trabalhos passados. Ele valida o sentimento de marcha de "Mosh" com letras fortes contra o já mencionado presidente dos Estados Unidos e faz de "Mockingbird" uma, apesar de melancólica, linda homenagem a sua filha, em uma música condensada pela bela união de piano e batida. "Like Toy Soldiers" possui dois primeiros versos excelentes, mas perde em ser muito longa. O bônus "Love You More" não é marcante, mas poderia facilmente substituir alguma das músicas aqui. Eminem acredita em ser tão grande como é em "Never Enough" e tem todo o direito de fazer isso, mas o faz no álbum errado.
"Encore" foi uma caída brusca. Mesmo que não seja um álbum ruim, não possui nada que Eminem não tenha feito melhor anteriormente. As melhores músicas aqui podem facilmente entrar para sua lista pessoal de favoritas dele e são uma ótima lembrança de suas habilidades, mas uma hora e trinta minutos parece demais para um álbum que mais parece uma versão não finalizada de "The Eminem Show".