Crítica | Eminem - The Slim Shady LP

O engraçado sobre o Eminem é que ele não pretende, em momento algum, ser aprovado por ninguém em relação à sua música, mas, ironicamente, convida todos à serem como ele. Uma dica, não sejam. 

"The Slim Shady LP" é provavelmente um dos álbuns mais ousados e sem noção já feitos. O resultado de Marshall Mathers deixando seu alter ego, que dá nome ao registro, tomar conta de seu primeiro grande álbum de estúdio foi um tiro no escuro tão arriscado que só poderia dar certo. Aqui, Eminem, ou Slim Shady, narra histórias terrorísticas, misóginas e perturbadoramente detalhadas sobre a vida nos trailers, onde o artista passou sua infância. E o mais incrível é que ele faz isso tudo com um riso debochante em sua voz, uma alegria tão cheia de vida, ao narrar acontecimentos tão hediondos, que tal personagem não poderia ser real. 

A produção é inteiramente crua, com momentos esparsos de preenchimento, em um álbum honestamente direto, com doses de emoção o suficiente para ser algo humano. O próprio Eminem esteve envolvido na produção da maioria das faixas, criando com Dr. Dre e os Brass Brothers uma identidade sonora para suas infames histórias de vida, com quase nada além de batidas infectadas por linhas pesadas de baixo, e que constantemente oferecem pequenos momentos de silêncio para potencializar suas performances. Aqui você pode ouvir sons de brigas, diálogos, motosserras, gritos, tudo que faça parte da narração de cada rima. 

Suas histórias são muito insanas para não serem verdade, mas brutais demais para se acreditar. A pior parte é que ele banca muitas delas com uma inteligência raramente vista no rap anteriormente.

Em "Bonnie and Clyde", ele persuade sua filha à ajudar sua mãe a flutuar no oceano, sendo que em "Rock Bottom" ele critica a sociedade por fazer com que muitas pessoas não tenham condições financeiras de criar uma criança corretamente. Na agitada e funk "My Fault", ele é um traficante que acaba matando uma garota após dar cogumelos à ela, apesar de que na intro ele fale para as crianças não usarem drogas. Combine isso à suas habilidades monstruosas atrás do microfone, sempre com a voz anasalada de seu alter ego e ele é um dos rappers mais persuasivos de todos os tempos. E ele desfila suas habilidades, brinca com o ritmo das rimas, quebra seu flow de propósito, dá risadas, altera o tom da voz, é algo quase mágico de se ouvir. 

Suas intenções em ser um modelo parecem ser legítimas e talvez isso seja a piada principal do álbum. Em "Role Model" ele tenta se afogar, mata, estupra, falta a escola, briga com Hillary Clinton e Garth Brooks, contrai AIDS e outras doenças e então termina a faixa concluindo que provavelmente todos queremos crescer e ser como ele. Na genial abertura "My Name Is" ele se introduz, em "I'm Shady" ele se detalha e o louco é que você acaba ligando para sua persona. É difícil de dizer se era essa sua intenção. Na excelente balada "If I Had", com uma ótima batida climática, ele se lamenta sobre coisas que não lhe foram dadas em sua vida, mas não acredita que sua personalidade teria mudado caso fosse mais afortunado "If I had a million bucks, it wouldn't be enough / Because I'd still be out robbin' armored trucks". Em cada uma dessas faixas, e especialmente em "Brain Damage" onde seus professores se juntam à seus bullies para tentar matá-lo, ele solta rimas sobre sua infância conturbada e, de alguma forma, ele cria uma razão para a existência desse alter ego. 

Não me entendam mal, eu não aprovo, nem ninguém deveria, a maioria das coisas que Eminem diz aqui, talvez nem ele mesmo aprove. Mas a magia está em ele dizendo essas coisas e as pessoas comprando essas ideias (o álbum vendeu quase 20 milhões de cópias no mundo todo). Além de sua destreza lirica, seu incansável flow e sua excelente performance, Eminem se faz tão interessante que você não liga para as letras até que elas te peguem e, quando isso acontece, o impacto é grande. Há um senso de alegria em fazer de si mesmo o vilão e subjetivamente transformar a sociedade na verdadeira culpada por ele ser assim. Talvez haja muito o que aprender aqui. 

Existem diversos modos de ver este álbum. Um deles é como um trabalho tão rico em talento em cada parte de sua concepção, e tão ousado, que figura entre um dos melhores álbuns de rap dos anos 2000. Outro é ver apenas as insanidades que ele profere e ficando apenas com a misoginia e loucura de um homem que é tão normal como "Norman Bates com traços deformados". Como pessoa, eu condeno Slim Shady. Como arte, eu recomendo. 

9

 

 

Anterior
Anterior

Crítica | Liga da Justiça

Próximo
Próximo

Crítica | Eminem - Encore