Crítica | Jerichow
UM LUGAR PARA ESQUECER
Ao recusar excessos, Petzold cria filme impiedoso que mistura as relações históricas da Alemanha com referências cinematográficas
Talvez não haja hoje um diretor que faça mais com menos do que o alemão Christian Petzold. Não apenas por sua habilidade de criar melodramas sem recorrer à qualquer tipo de excesso, mas de fazer filmes altamente referenciais com essa economia mais que característica.
É apenas seu terceiro filme que assisto (os outros sendo Fênix e Trânsito), e mesmo sendo mais simples e ainda menor em escala, a potência de suas narrativas micro atingem um potencial macro quando se compreende toda a relação que trama, história e referência se unem. Mesmo sem verbalizar, seus filmes dissertam sobre a Alemanha e os eventos que constituem seu mais do que complicado passado, algo que pode ser visto tanto no tom que aquelas pessoas levam suas vidas, como no que são em sua essência - e, claro, nas pequenas sequencias envolvendo trabalhadores imigrantes.
Escondendo propositalmente o passado de seus protagonistas, Petzold cria uma tensão pré-estabelecida por conta de nossa ciência do passado do Cinema. Um veterano de guerra chega à cidade, conhece um homem mais velho que o emprega… e sua bela esposa. Como nos ensinaram os anos 40 - o filme é praticamente um remake de O Destino Bate À Sua Porta -, os dois vão se envolver, e ao não sabermos quem são de verdade, se potencializa o mistério.
Thomas, o veterano de guerra, demonstra aqui e ali ser ao mesmo tempo implacável fisicamente e frio emocionalmente. O que ele viu na guerra? Ou melhor, porque ele foi à guerra? Laura (nome mais do que evocativo do Cinema Noir), a esposa, descobrimos por informações periféricas que vivia uma vida indigna e que agora à deve ao marido. Ali, um empresário Turco com uma cara inofensiva, mas atitudes que botam em risco qualquer esperança de acordo amigável entre quaisquer das partes.
(spoilers à seguir)
O MINIMALISMO EXPANSIVO DE CHRISTIAN PETZOLD
Suas tendências o tornam um dos principais formalistas do século 21, desde a hesitação em amaciar a encenação com trilha sonora, à uma fotografia granulada e simples o suficiente para sugerir um distanciamento humano do digital, à seu incomparável plano/contraplano que torna um simples jogo de olhar em um momento de tensão ala Hitchcock. A cena do penhasco é uma aula de perspectiva, montagem e, principalmente, de controle narrativo. Sabemos o que aqueles dois querem, sabemos o que pensam, e cada corte parece uma eternidade para o homem pendurado enquanto para nós o tempo parece parado, enquanto somos convidados a nos perguntar o que nós queremos, e se já podemos querer aquilo.
A montagem que surge como a principal ferramenta de Petzold para simplificar o filme, com resoluções sendo apresentadas em diálogos que se seguem mesmo com cortes que sugerem que horas, até dias se passaram. A progressão sendo mais importante que a lógica, para um diretor que se enamora com as possibilidades do Cinema como poucos hoje em dia. A caminhada de Vertigo de costas na floresta sendo um exemplo quase avulso em tom, onde dois amantes parecem ter algo a mais do que desprezo e desejo, mas ainda assim se encontram em meio ao escuro.
E se técnicas mais sutis já não são evidências o suficiente, o MacGuffin do isqueiro, um objeto destoante para o personagem que o carrega e que ao apresentar um papel fundamental para o desenrolar final, comprova o poder do Cinema no Cinema de Petzold.
A falta de informação e de conhecimento sobre aquelas pessoas se prova essencial até depois do fim. Com um final que só poderia colocar todos sob a mesma luz de pessimismo e tragédia, podemos esperar que Laura e Thomas, olhando para o resultado de suas intenções - e não de suas ações -, encontrem felicidade um no outro? Eu acho que não. Acredito que ela volte pra vida que tinha antes e que ele continue ali, reconstruindo a tal casa, a espera de novas aventuras que o tirem do vazio que ficou no pós-guerra. Talvez essa a maior referência, afinal, a única diferença entre Thomas e o típico Hitchcockiano é só que ele não demonstra procurar o extraordinário no comum.