Crítica | Tudo Bem no Natal que Vem (Netflix)
Em 1993 Harold Ramis dirigiu “O Feitiço do Tempo”,
clássico absoluto que retrata o personagem de Bill Murray em um loop temporal onde revive sempre o mesmo dia. Para os fãs de comédia romântica, este é um dos melhores filmes possíveis, justamente por tornar uma simples história de amor em algo fantástico e que ainda te ensina belas coisas sobre a vida.
E apesar de não ser a primeira obra com esta ideia, é a mais influente e inspirou diversas outras, em vários outros gêneros:
O lindo “Questão de Tempo”, que emula sua mensagem melhor que qualquer outro e emociona qualquer pessoa que já tenha pensado em, simplesmente, voltar no passado para consertar ou, apenas, reviver um momento marcante.
O hilário “Palm Springs”, lançado em 2020 e que brinca com as convenções desse sub-gênero de maneira inventiva, enquanto ainda consegue te comunicar a beleza da vida e, ao menos, uma parte boa da humanidade.
O divertido “A Morte Te Dá Parabéns”, que já gerou uma série de sequências, mas adiciona uma pitada de terror bem vinda à estrutura.
O pensativo e complexo “No Limite do Amanhã”, que é ancorado pelo carisma de Tom Cruise fazendo o que faz de melhor.
O bem intencionado e intenso “Contra o Tempo, estrelado por Jake Gyllenhaal e que levanta discussões relevantes.
Mas é claro, a ideia também gerou bombas como:
O mela cueca “Antes que eu vá” que te prende na melancolia de uma adolescente em um mundo deprimido.
O irresponsável, machista e mal intencionado “Quando nos conhecemos”.
E vejam só, até um natalino (com a premissa muito semelhante com este de Leandro Hassum), para a TV chamado de “Revivendo o Natal”)
Entre outros que não devo ter me lembrado, mas, de brinde, mais alguns filmes que “brincam” com o conceito de tempo: “Looper”, “O Predestinado”, “O Preço do Amanhã”, “Minority Report”, “Donnie Darko”, “Déja Vu”, “A Garota que Conquistou o Tempo”, “Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban”.
Pois bem, se você está confuso pela crítica ainda não ter propriamente começado, ou melhor, se veio à ela para ver se vale a pena assistir ao filme de Hassum, sucesso no mundo todo, saiba que seu tempo seria muito melhor investido em todos os exemplos acima (com exceção dos três da ala da vergonha). Agora, se por qualquer motivo quer saber da minha experiência com o filme, aqui vai:
Fui convencido por um membro do Outra Hora que permanecerá anônimo a assistir ao filme, pois a pessoa teria chorado copiosamente por sua causa e, vendo que o longa foi sucesso não apenas no Brasil, mas em vários países, decidi dar uma chance. Afinal, vai que né…
Mas enfim, dirigido por Paulo Cursino e dirigido por Roberto Santucci, o filme é, na verdade, a tentativa de Leandro Hassum de se igualar cada vez mais a seu paralelo norte-americano, Adam Sandler, pois “Tudo Bem No Natal que Vem” é claramente a versão tupiniquim de “Click”.
O que isso quer dizer?
A mensagem bonita, de se aproveitar melhor a vida (mesmo que já seja literalmente visível na primeira cena) estará lá, mas para chegar até ela você precisa passar por quase duas horas de um humor pastelão que traz várias piadas óbvias do Natal, uma trama óbvia, “atuações” sofríveis e, o pior de tudo, o mesmo complexo que Hassum divide com Sandler (e com os presidentes de ambos os países em questão): a necessidade absurda de fazer de si mesmo um galã irresistível ao olhar de toda e qualquer mulher que cruze o seu caminho. E caso você ache Hassum um gato, tudo bem, não estou entrando neste mérito, mas vamos ver o que acontece em tela:
Adicionando uma camada que, confesso, achei interessante, o roteiro de Cursino mostra Jorge (Hassum) acordando sempre um Natal depois do último, pulando o ano todo e fazendo com que apenas ele não se lembre do que aconteceu, o que acaba por criar duas versões suas: a que continua presa no Natal e a que vive sua vida no restante do tempo. Em determinado momento, Jorge, um ser humano que faz de tudo para que não gostemos dele em ambas estas versões, decide terminar com a esposa para ficar com outra mulher. Ao descobrir isso, o Jorge do Natal fica triste e se declara para a, agora, ex-esposa. Porém, quando ele acorda no dia (e Natal) seguinte, ele se descobre com ela porque, prestem atenção, a cidadã decidiu “ligar para ele todos os dias” para convencê-lo a voltar com ela. Ou seja, a perfeita esposa, que faz de tudo pelo amado e se recusa a voltar a viver sua vida sem a única razão de sua existência: um homem que por 364 dias do ano é um imbecil completo, mas no Natal se transforma… no Shrek antes de conhecer a Fiona?
Por sinal, é sim um belo momento quando Jorge assiste ao filme do Ogro com a filhota e entendo as pessoas que choraram com a cena. Hassum inclusive faz um trabalho ok, é possível ver que ele estava empenhado (e ri com exatamente quatro piadas, o que é mais do que Sandler consegue), e apesar de Dani Winits estar excessivamente caricatural (nenhum ser humano é assim, por favor), Elisa Pinheiro quase me convenceu que tem algo por debaixo de todo o mal-humor e má vontade de Jorge. Isso faz o filme valer a pena? Acredito que não, mas o impede de ser um desastre completo.
Caso fosse feito com qualquer ambição de se fazer um pouco mais complexo, talvez o resultado pudesse ser consideravelmente diferente, mas é claro, “Tudo Bem No Natal que Vem” foi feito para não ser mastigado (e caso seja, várias uvas passas estarão no seu caminho). Desde a trilha sonora óbvia que só faltava incluir um aviso de quando se deve chorar e sorrir, aos conflitos óbvios que se somam cena após cena, à óbvia constatação final que todos sabemos qual seria.
O fato de este ser o filme brasileiro mais bem sucedido de 2020 (e provavelmente de outros anos também), ilustra bem porque tantas pessoas acham que nosso cinema é ruim. Em um mundo onde “Bacurau” lidera listas mundo a fora, “Tudo Bem No Natal que Vem” lidera o top 10 da Netflix.