Melhores Filmes da Década: 2010s | Suspense
Categorizar obras em gêneros específicos é uma tarefa árdua em qualquer área da arte, mas, no cinema, isso se torna ainda mais difícil. Porém, ainda na nossa série de melhores da década, decidimos listar os melhores filmes de alguns gêneros (os quais conseguimos juntar exemplares o suficiente) que se mostraram mais relevantes na sétima arte nestes últimos 10 anos.
Ah, o suspense.
Gênero que atingiu seu auge durante o auge de Alfred Hitchcock é um dos poucos que manteve seu prestígio ao longo dos anos talvez por, assim como o Terror e o Romance, mexerem com as emoções do público. Pois se os Super Heróis parecem ter substituído os machões dos filmes de Ação, e os Faroestes e Musicais são cada vez mais raros e, proporcionalmente, cada vez menos relevantes, é praticamente impossível ignorar uma boa trama que traz os nervos à flor da pele.
Porém, diferente de todos os citados acima, é um gênero - que muitos disputam nem ser, de verdade, um gênero - extremamente difícil de se caracterizar, pois elementos de sua estética são utilizados nas mais diversas histórias. Por isso, encontrar candidatos válidos para esta lista foi difícil não pela falta de qualidade destas obras, já que muitos filmes (inclusive em outras de nossas listas) são belos exemplos do gênero (“Blade Runner 2049” e “Ex-Machina”, excluídos desta por já estarem no top de melhores ficções científicas), mas sim pela dificuldade em determinar quais dos selecionáveis são, primordialmente, Suspenses.
Então, como critérios, decidimos escolher apenas filmes que sejam como a descrição acima, onde o suspense é o principal valor que move a história. Logo, longas já presentes em outras listas de gênero foram, automaticamente, excluídos. É possível dizer que, dentre os selecionados, todos tem algum “mistério” em suas premissas, mas não é uma regra, e a presença de detetives é, também, uma convenção do gênero, e não uma necessidade para serem selecionados.
Sem mais delongas, estes são os dez melhores Suspenses, ou Thrillers, dos anos 2010. Todos arrepiantes e, a grande maioria, inesquecível.
E, é claro, alertamos para spoilers moderados.
10 | o abutre
Sofrendo do mesmo mal de diversos filmes dentro do próprio gênero (“Silêncio dos Inocentes”, entre outros abaixo), “O Abutre” vai tão longe quanto Jake Gyllenhaal e seu mórbido Lou vão.
Um homem solitário e esquisito, que se encontra na vida ao lucrar em cima de fotos e vídeos feitos logo após o acontecimento de crimes e acidentes, o ator, muitas vezes galã, está magro, pálido, com olhos afundados e cabelo lambido, literalmente dando vida ao animal referenciado no título em português. E é essa sua negatividade, que parece sugar tudo a sua volta, que permite que o filme de Dan Gilroy alcance o tom sombrio que paira não apenas sobre aquela Los Angeles marcada pela violência e pelo prazer sádico do ser humano, mas sobre nossos próprios costumes como sociedade.
Ligue sua TV, caso você ainda a use, em qualquer noticiário, e faça uma pequena avaliação moral de qual notícia mais o atraiu. Ou melhor, assista à “O Abutre” ou à qualquer filme mais esperançoso e feliz e decida qual prefere. A resposta, muito provavelmente, não vai lhe agradar.
9 | elle
Talvez o menos convencional dentre todos da lista, este filme de Paul Verhoeven possui as muitas convenções que caracterizam um thriller: uma personagem solitária, um mistério acerca da identidade do homem que a atacou, sequências tensas e sombrias.
Mas, ainda assim, é como se “Elle” fosse exatamente o que o título sugere, um estudo de personagem tão visceral e intrusivo que não temos outra escolha se não nos sentirmos quase como vítimas dos atos da mulher interpretada magistralmente por Isabelle Rupert. Sem uma premissa concreta a ser seguida, o longa parece quase uma crônica da vida desta mulher que, ao final da projeção, parecemos conhecer bem até demais, o suficiente para nos sentirmos atraídos e, ao mesmo tempo, oprimidos por sua personalidade.
Por isso se torna inevitável que, ao fim, seja ela quem se sobressaia em relação ao suspense que vive. Afinal, ela é a verdadeira ameaça não apenas das outras vidas a sua volta, mas à ela própria.
8 | você nunca esteve realmente aqui
Talvez o filme menos característico do gênero na lista, esta obra de Lynne Ramsay tem um balanço perfeito, e agoniante, de violência brutal e o suspense que se cria entre uma sequência e outra onde sabemos que sangue vai jorrar.
Figurando como um dos melhores exemplares do já cliché formato ex-militar/agente vai em busca de menina sequestrada (“O Profissional”, “O Protetor”, “Busca Implacável”, para citar alguns), aqui acompanhamos Joe, um personagem que, ao final da projeção, continuamos sem conhecer, mesmo que entendamos, de certa forma, quem ele é.
Tenso e com uma reviravolta tão macabra quanto surpreendente, é um filme que vai além em seu suspense e acaba encerrando com mais perguntas do que respostas. E saber que elas não serão respondidas e, pior ainda, saber também que filmes como esse são apenas alegorias para casos reais, elevam ainda mais o realismo assombroso da produção.
7 | o lobo atrás da porta
Mesmo sendo mais econômico que os outros filmes desta lista, de forma alguma a premiada estreia de Fernando Coimbra figura como o mais convencional.
Muito pelo contrário: ao se revelar, apenas em seu final, como um suspense característico, “O Lobo Atrás da Porta” constrói seus personagens com uma paciência assombrosa e se ancora em suas excelentes performances para não apenas pintar um retrato dolorido e realista da vida da classe baixa brasileira, mas para demonstrar até onde vai o limite da obsessão e brutalidade do ser humano.
E é incrível que, mesmo sem ostentar estrelas internacionais ou um orçamento multi-milionário, o longa seja dono de um dos momentos mais arrepiantes e brutais do cinema nestes últimos dez anos. Se engane, se permita, e este momento em questão vai lhe causar calafrios sempre que você se lembrar dele.
6 | millenium: Os homens que não amavam as mulheres
Em meio à criminosos, corruptos, psico e sociopatas, a personagem mais interessante desta lista pertence à uma alcunha mais difícil, se não impossível, de se categorizar. Queiram as leis da natureza que alguém como Lisbeth Salander seja apenas uma figura - mítica - da ficção, pois o mundo não estaria preparado para lidar com ela.
Que sim, é a protagonista desta história mesmo que não seja o centro narrativo da mesma, pois, graças ao gênio do livro de Stieg Larsson e a habilidade surreal de David Fincher em manuseá-lo, a jovem parece perambular por esta sombria Estocolmo, mergulhada em uma sufocante escuridão que não apenas oprime suas muitas vítimas - a maioria mulheres - mas ao mesmo tempo as esconde. Fazendo de tudo para não ser vista, Lisbeth acaba atraindo os olhares de todos, quase como um imã para problemas que a seguem por toda a tortuosa jornada que conhece como vida.
Dono de tudo que mais se ama em um suspense investigativo, a primeira versão norte-americana da saga extrai o melhor de sua infalível história, um mistério tão envolvente e revelador que, ao ser desvendado, parece falar mais sobre a raça do homem do que, propriamente, daqueles que são parte dela.
5 | ilha do medo
Considere “Ilha do Medo” como Scorsese brincando de Hitchcock caso o mesmo estivesse dirigindo “O Iluminado” usando as técnicas contemporâneas de David Fincher e emprestando algumas rimas temáticas de “A Origem”.
Sim, apenas essa descrição já deveria ser o suficiente para convencer qualquer ser humano a assistir este filme, cujo título traduzido sugere que é mais um terror do que um suspense. E, realmente, passa perto de ser isso graças à uma ambientação sinistra, uma tensão latente e a mestra mão diretor em orquestrar todos os seus elementos em torno de seu personagem principal, interpretado com vivacidade por Leonardo DiCaprio.
Dono de uma reviravolta de arregalar os olhos e um final filosófica e narrativamente dúbio, “Ilha do Medo” é um exercício de excelência cinematográfica com o único objetivo de te deixar na ponta da cadeira. E, após se levantar da mesma, o fato de continuar pensando no filme só prova o quão intensa foi a experiência.
4 | os suspeitos
Reunindo um elenco formidável em uma das narrativas mais tensas e angustiantes do século, Denis Villeneuve nos joga nesse labirinto repleto de bifurcações e serpeios que parece não apresentar uma saída. Lá dentro, diferentes agonias aprisionam cada um dos personagens.
Todo o desenvolvimento temático da história é minucioso: nada é exibido por acaso. Logo no primeiro ato, por exemplo, as duas garotas (que mais tarde serão raptadas) assistem a um rato de estimação de uma delas em uma gaiola. “Por que ele não fala comigo?” Anna pergunta. “Ele não fala.” é a resposta esclarecedora de Joy. Isso espelha os acontecimentos futuros quando Keller Dover (Hugh Jackman), um pai transformado pelo desespero, tenta obter informações de um possível suspeito cativo.
Muitas partes contribuem para essa atmosfera rarefeita que, em pouco tempo, nos deixa sem ar. Roger Deakins nos presenteia com uma fotografia sólida e confiante de suas intenções, criando a atmosfera melancólica e incerta que a história pede.
O desfecho revelado de forma fracionada e tranquila através do roteiro de Aaron Guzikowski aliado ao ritmo paciente da montagem de Joel Cox e Gary Roach entram em confronto com a pressa justificadamente afobada dos protagonistas e a urgência do caso, resultando em uma ambientação ainda mais angustiante e torturadora. Villeneuve, obrigado. É para isso que servem os suspenses.
3 | animais noturnos
Distribuído em três narrativas paralelas, “Animais Noturnos” traz em seu núcleo uma metanarrativa devastadora que, no fundo, é apenas mais um retrato de amor perdido.
Criando um paralelo entre seu relacionamento conturbado com a dona de galeria de arte Susan (Amy Adams), Edward (Jake Gyllenhaal) escreve um romance policial violento que traz crime e vingança como ferramentas para transmitir uma mensagem à sua ex. O romance se entrelaça desde o início com a vida real do casal, contendo elementos que espelham o passado romântico dos protagonistas. E, graças à sincronia entre a atuação do elenco e a intenção do diretor, de uma hora para outra, estamos imersos - afogados - no suspense angustiante que é essa história dentro da história. Retornar ao mundo real se torna emergir. Tomar um ar fresco.
Com uma montagem fluida e uma direção de arte essencialmente complementar (que anda lado a lado com o roteiro), o longa de Tom Ford revela o poder que a expressão através da arte dispõe e toda a transformação que o autoconhecimento - essencial para o ofício artístico - é capaz de causar tanto ao artista quanto ao seu destinatário.
2 | garota exemplar
Os filmes de David Fincher (e este é o segundo desta lista e, apenas, seu terceiro melhor do gênero) tem a rara qualidade de se mascarar por trás das histórias de mistério que contam. Pois, apesar de ter como peça central o desaparecimento de Amy e as tentativas de seu marido para encontrá-la, não seria errado classificá-lo, também, como uma comédia de um humor tão obscuro que um buraco negro não o captaria.
Afinal, o que é a Amy de Rosamund Pike - talvez a melhor performance da lista - se não um retrato da mulher perfeita que tantos homens - e a sociedade - visualizam? Linda, talentosa e tendo um trabalho suficientemente caseiro para que possa ainda, sim, ser chamada de dona de casa, ela é a esposa perfeita.
Já o Nick, de Ben Affleck - o Batman - é também o marido perfeito, mas não para as mulheres, e sim para os homens que acham que merecem ter a melhor mulher do mundo em casa enquanto vão para o bar beber com os amigos (e amigas). Canastrão assim como a personalidade real de seu ator e dono de um sorriso sugestivo que, se você for mulher, já viu diversas vezes e virou os olhos, ele é o típico exemplo do homem macho do século 21, que consegue se vestir de forma estilosa sem deixar ferir sua masculinidade.
Logo, ao antagonizar estas duas criaturas inexistentes, pois isso tudo é apenas a casca que exibem em público - e na mídia - Fincher cria um jogo de gato e rato marcado menos pelo medo e mais pela tensão. Pois se a grande maioria dos vilões desta lista, e de outros filmes do gênero, faz você temer pela vida ao lhe olhar com o mais psicótico dos olhares, exalando sua periculosidade, Amy vai fazer seu café da manhã, acordá-lo com um beijo, sorrir da mesma forma como da primeira vez que a viu e, mais tarde, deitar a cabeça em seu colo. Mas por dentro de sua mente conturbada, você já está morto, ela está apenas lhe poupando.
E quando, ao final do filme, percebemos isso, a simples lembrança do rosto daquela linda mulher lhe fará tremer, pois não é como se pudéssemos quebrar o crânio de todos a nossa volta para sabermos, realmente, o que pensam.
7 Menções Honrosas: Sicario (2015); Terra Selvagem (2017); A Hora Mais Escura (2012); O Presente (2015); Aniquilação (2018); Rua Cloverfield, 10 (2016); Martha Marcy May Marlene (2011).
1 | o homem duplicado
Quando Dennis Villeneuve se alçou ao estrelato com “Sicario”, “Arrival” e “Blade Runner 2049”, todos entre os longas mais aclamados de seus respectivos anos, a aranha gigante vista acima que perambula sobre Toronto parece ter sido encolhida ao tamanho do inseto que encontramos em nossas casas.
Afinal, o que pode ser maior - em se tratando de escala - que um cartel mexicano, alienígenas oniscientes e androides indestrutíveis? Ou melhor, já que estamos falando de suspense aqui, o que poderia causar mais calafrios, arrepios, medo, aflição, apreensão do que a perigosa combinação de sociopatas, psicopatas, assassinos e criminosos reunidos acima? Se há uma resposta, e acredito que sim, ela pode parecer um tanto cliché, mas é afirmada com convicção quando se assiste à este filme.
A verdade é que mais do que todos estes, o maior inimigo (e daí vem o título original) não se veste de forma singular - ou pode se vestir -, ou é uma linda mulher - ou pode ser -, ou uma criatura da noite - ou também pode ser. O maior inimigo não presume como você vai agir, ou supõe como irá se sentir. Ele sabe. E, por isso, pode destruí-lo por completo.
Villeneuve, um verdadeiro mestre da sétima arte em pleno ápice em frente aos nossos olhos, sabe disso e utiliza dos temas da obra de José Saramago (que inspirou o longa) para gerar um balanço perfeito entre o desconhecido e o realista, situando uma trama quase fantástica em um mundo não muito diferente do que habitamos todos os dias. Baseado na paranoia e na depressão que tingem nossa sociedade do século 21, ele cria assim um filme tenso e intrigante que, com apenas 90 minutos, é capaz de deixar uma marca permanente em sua memória, além de levantar questões existencialistas e filosóficas sobre a natureza das relações humanas e sobre como, em diversos momentos, somos fracos demais para segurar nossos piores impulsos.
Em “O Homem Duplicado” vemos que nosso maior inimigo não vem de lugares sombrios, nem mora na nossa casa, ou nos segue em plena luz do dia. O maior inimigo vem de dentro.