Crítica | O Preço da Verdade
Às vezes, não se trata de teorias da conspiração, mas uma conspiração de fato. Para os mais desavisados parece improvável que uma empresa vá conscientemente envenenar cidades e inclusive seus próprios funcionários por não querer responsabilidade pública, esse é exatamente o caso tratado em “O Preço da Verdade”.
A história de como a Química DuPont, uma das maiores empresas de químicos do mundo jogou lixo tóxico na água de uma região perto de sua fábrica e o advogado que a enfrentou, sob conspirações, sacrifícios pessoais e disputas de poder. A premissa parece e é um pouco repetitiva e a construção narrativa não é das mais precisas, mas nesse filme, a mensagem carregada é tão surpreendente e preocupante que em momentos é difícil se preocupar com questões técnicas. Afinal, será que isso aconteceu só uma vez? Será que esse problema é só com o teflon ou há mais coisas tóxicas dentro das nossas casas sem sabermos? Aliás, faz cinco anos que se comprovou a relação entre a produção do produto e graves problemas de saúde e sua produção não parou. “O Preço da Verdade” é um desses filmes que nos faz sentir impotentes perante a injustiça das grandes corporações, o que essencialmente é verdade.
Em dez minutos o filme já apresenta dois pontos centrais para seu desenvolvimento, um é estético: uma linha branca com um ano marcado em sua ponta, um pequeno prólogo e depois mais uma vez a linha com outro ponto. A estratégia é, apesar de ter um protagonista, mostrar pontos fundamentais da vida dessa pessoa por um longo processo. O outro é que Rob Billot (Mark Ruffalo), um advogado de corporações que está fazendo sucesso na carreira, foi promovido a sócio do escritório que trabalha. A narrativa é resumida em seu protagonista passando por recortes de tempo, assumindo uma postura bastante documental, um problema recorrente em histórias baseadas em artigos jornalísticos, infelizmente. O artigo “O advogado que se tornou o pior pesadelo da DuPont”, assinado por Nathaniel Rich para o New York Times é reproduzido quase textualmente para o cinema, o que causa problemas narrativos. Evidentemente um artigo, mesmo que conte uma história, pode apenas abrir janelas em determinados momentos depois fechá-las para abrir outras, no cinema isso é mais delicado, pois rompendo continuidade de ações um filme abre mão de confrontos, diálogos e ocasiões para desenvolver seus personagens, nesse caso, especialmente os secundários. Que o filme deixa bastante a desejar.
O diretor Todd Haynes (de “Carol”) se mostra muito habilidoso para passar ao largo do roteiro problemático e fazer uma das coisas mais desafiadoras para um diretor: pegar uma história que teria todos elementos para não ser interessante e construir tensão e expectativa nela. Porque, apesar de em partes ser um filme de tribunal, boa parte dos diálogos são sobre química, leis ambientais, burocracia de proteção do meio ambiente e história da indústria química norte-americana. De alguma forma, sob as lentes esses elementos se articulam de maneira satisfatória para a história, como grandes doses de filmes que mostram grandes corporações destruindo a vida das pessoas comuns sempre chamam atenção e causam interesse. A questão nesse caso, é que uma grande corporação efetivamente destruiu a vida de pequenas pessoas e é por isso que um advogado que as representava “vira a casaca” para desvendar e destapar o lixo tóxico. Ele rapidamente muda de “tenho certeza que uma empresa como a DuPont gostaria de saber se seus produtos estão matando pessoas” para entender como um cálculo de custos e imagem pública pode valer mais que vidas. Há mais de uma boa sequência nesse processo, muitas delas envolvem Mark Ruffalo fazendo biquinho, infelizmente, mas que através de diálogos técnicos, as feições e relações entre personagens se altera.
O que fica de “O Preço da Verdade” é a tão mencionada impactante história, não só da maneira que a DuPont agiu, mas quantas outras já não fizeram isso? Por que esse caso não é tratado na mídia, quando deveria ser dado o tratamento que Tchernóbil recebe há mais de 20 anos? Inevitavelmente essa análise cairia para os problemas entrelaçados com o capitalismo, se uma empresa tem mais lucro matando pessoas do que não matando, o que garante que ela vai fazer a escolha mais humana ou, nesse caso, a questão é anterior: Por que empresas químicas tem o poder de se auto-regular? Por que a população da cidade na Virginia Ocidental parecia mais braba com os habitantes que pediam explicações da empresa, pois era uma grande empregadora, do que com a própria DuPont por envenená-los? O filme aponta para algumas dessas direções e Mark Ruffalo é conhecido por se envolver em debates na esfera pública norte-americana e também trabalhou na produção. De certo modo, a estratégia narrativa é ser um documento para algumas dessas discussões que levantei aqui e outras muito mais do que uma obra audiovisual, seus eventuais problemas decorrem disso.