Crítica | Doutor Estranho
Uma sensação comum ao “maratonar” os filmes da Marvel que ainda não vi, é de que o estúdio realmente impede que seus filmes sejam mais do que partes menores de um todo. “Doutor Estranho”, um personagem inspirado na psicodelia dos anos 60, figura entre aqueles que mais me deixam incomodado: brega ao extremo em toda sua concepção, nada faria melhor para esse filme do que uma abordagem condizente, que abraçasse essa essência e servisse não apenas como maneira de explorar o melodrama, mas a comédia e a própria viagem ao passado e ao multi-verso lisérgico que vem junto com o filme. Sam Raimi faria maravilhas, e ele estar elencado para a sequência merece minha atenção.
Mas ao invés disso, Scott Derrickson sofre tanto sob a mão pesada da Marvel que podemos ver o que é ele e o que é o MCU: com efeitos que elevam “A Origem” a enésima potência e que requerem que ignoremos a lógica (algo tão bem vindo nos blockbusters de hoje), logo uma piadinha, uma câmera na mão, ou mesmo um close-up de estética quase documental nos relembram de que ei, é a Marvel e seu pseudo-realismo fetichista, mas que jamais se preocupa em ser real de verdade.
E é impressionante como essa abordagem é quase externa ao que acontece no filme em si, destoando completamente dos outros elementos que compõem as cenas. Os primeiros quinze minutos indicam um melodrama clássico, melancólico com suas cores escuras e com um apelo emocional evidente, e a mudança abrupta para a magia no templo poderia ser mágica de verdade, se não visse sempre com essa necessidade de mostrar que tudo é tratado com uma seriedade espertinha (a senha do wi-fi!) que torna as piadas divertidas por serem feitas por personagens supostamente sérios (a única que funcionou pra mim foi a da Beyoncé, depois de forçada três vezes). Mas é sempre um meio termo: se a carga emocional aumenta aqui, uma piadinha diminui ali, se a galhofagem sobe aqui, as performances insossas as impedem de serem um deleite por si só. Cada luta, uma mais convencional que a outra e recorrendo sempre à violência física mesmo em um mundo de magos, parece sempre levada a sério demais: Mads Mikkelsen, Ejiofor e todos os outros capangas estão mais do que deslocados, sendo que apenas Tilda Swinton, o próprio Cumberbatch e a sempre ótimo Rachel McAdams parecem se soltar de verdade.
Em uma cena chave, quando Estranho finalmente se une à sua característica capa, a trilha parece subir de maneira acanhada, não fazendo o que deveria ser óbvio: glorificar aquele momento.
Mesmo o confronto final, onde a psicodelia atinge o ponto mais alto aludindo para uma verdadeira viagem de ácido, é como se faltasse verdade, como se o filme apresentasse aquilo apenas, mas não se permitisse mergulhar em todas suas possibilidades. Um desperdício de alguns dos melhores efeitos que a Marvel já fez, e de um ator que compreendeu o que seu. personagem deveria ser.
A impressão que fica é que é um filme ou covarde, ou impedido de ser o que deveria ser, que deve seguir uma cartilha de estúdio por medo que seus espectadores não aceitem algo diferente do que foram condicionados a achar que gostam. O fato de ainda ser divertido e atraente, mesmo com essas amarras, coloca este como um dos mais injustiçados pela fórmula Marvel, que preza por fazer sempre aquela viagem conforto ao mesmo lugar de sempre, que todos se divertem, mas dificilmente vão distinguí-la dentre à tantas outras idas. Vejam só, eu prefiro arriscar me perder, comer um camarão estragado, mas ter lembranças pra contar depois. Agora vocês me dizem qual combina mais com um super encapado que abre portais pelo mundo?