Crítica | Os Farofeiros
"Os Farofeiros" é o novo filme do diretor Roberto Santucci, responsável por alguns dos maiores sucessos recentes da comédia no Brasil. Sua filmografia não possui nada de inventivo ou revolucionário, são acertos e erros, mas o objetivo por entre seus filmes é perceptível: produzir obras de linguagem visual fácil, com uma direção 100% convencional, para levar o máximo de brasileiros ao cinema. Dessa forma, fica mais fácil a missão de fazer bilheterias muito satisfatórias se comparadas à grande maioria das produções do cinema nacional.
Se nos bons filmes da série "De Pernas Pro Ar" e nos fracos "O Candidato Honesto" e "Loucas pra Casar" há pelo menos criatividade no argumento do filme, em "Os Farofeiros ela vai por aguá abaixo.
O filme conta a história de quatro casais, dos quais os homens são colegas de trabalho, que vão passar a virada do ano numa casa de praia caindo aos pedaços. Para completar, os colegas não tem muito em comum, especialmente com o personagem de Antonio Fragoso. Apesar de a sinopse poder nos dar um vislumbre do que poderia ser uma boa comédia, aproveitando algumas características da farofada que o povo brasileiro conhece bem, ele não o faz.
O roteiro de "Os Farofeiros" poderia muito bem servir a um filme (dos piores) do Adam Sandler. Basta trocar os substantivos próprios.
A partir do momento em que se estabelece a premissa do filme, nada acontece naturalmente. Cada cena se utiliza de acontecimentos improváveis para se estender e inserir piadas que raramente funcionam. O trânsito está congestionado, a casa é ruim, alguém fica trancado no banheiro, tem cactos no caminho da praia, alguém está traindo alguém. São incontáveis os dispositivos de narrativa utilizados para manter a história andando, e nenhum deles funciona naturalmente.
Há uma tentativa de fazer uma crítica às pessoas que não gostam do cinema nacional. Numa quebra da quarta parede, o comentário do filme é que "o brasileiro diz que não gosta, mas os filmes nacionais são retratos fiéis do povo e por isso é fácil se identificar". Em parte, isso é verdade no longa. Um dos poucos acertos do roteiro é a construção de alguns diálogos, que são, em sua maioria, muito genuinamente brasileiros. Contudo, esse comentário que o filme tenta fazer não faz sentido algum porque ele, em si próprio, tem uma história que é completamente oca e, por isso, praticamente impossível de gerar identificação.
As atuações são surpreendentemente forçadas. O destaque positivo é para Cacau Protásio, única atriz que soube manter o carisma de sua personagem sem forçar demais a barra. Antonio Fragoso também está bem no papel. No entanto, o restante do elenco parece elevar cada linha interpretada à décima potência, o que tira a verossimilhança dos personagens diversas vezes e não dá chance para o arco que o filme tenta, fracassadamente, construir, ter qualquer possibilidade de ser bem executado. Danielle Winits performa de maneira completamente afetada aqui, mas parece injusto condicionar isso à sua competência, uma vez que é altamente provável que tenham lhe dado exatamente esse direcionamento.
Técnicamente o longa é OK pela maior parte do tempo: aquela cinematografia padrão que estamos acostumados a ver na maioria das produções de comédia da Globo Filmes. O diretor poderia ter se atido a essa fórmula e jogado com segurança, porém, contudo, todavia, não o fez. Existem três cenas em particular que me deram vontade de sair do cinema. A primeira foi o choque no chuveiro, suprida de um efeito de computação gráfica que faz com que o mundo pareça ter voltado ao ano de 2003. A segunda é a tenebrosa cena em que Danielle Winits cai na piscina. A paleta de cores perde saturação, brilho, ganha contraste e até uma vinheta entra, escurecendo os cantos da tela e formando, sim, exatamente, uma estética levemente inspirada no terror. Se era pra ser engraçado, não funcionou. Se era pra ser assustador... Foi deprimentemente engraçado. A terceira cena, e pior de todas, foi a que fecha a sequência do problema com os mosquitos na casa. Após uma noite em que todos foram picados, temos uma conversa entre dois mosquitos (animações) em cima de uma mureta, que conversam sobre "como estão satisfeitos depois de fazer esse rango". Essa cena dura mais de 1 minuto. Sim, infelizmente você não leu errado.
São tantos problemas, são tantas tentativas de humor patéticas. Esse tipo de filme não vê o espectador brasileiro como espectador, o vê como um idiota. Não é uma comédia pastelão, é o equivalente cinematográfico a um copo que só não está vazio porque derreteu um restinho de gelo que ficou no fundo. Existem muitos problemas relacionados à educação no Brasil, mas baixar o nível do conteúdo até o limbo para torná-lo "acessível" não ajuda em nada, apenas reforça a ideia de que as pessoas não vão, nem deveriam, assistir filmes mais densos e, com isso, crescer intelectualmente.
"Os Farofeiros" é o mais perto que uma comédia nacional já chegou de produzir uma fórmula que jamais deveria ter sido inventada, aquela mesma usada por certos filmes americanos cujo objetivo maior é pagar a viagem do elenco para conhecer a África, e não fazer um filme.