Jazz Como Gênero Comercial em 2024

A partir de um único álbum, Laufey inicia o resgate de um gênero marginalizado


Na era do streaming, todos os recordes parecem, e posso argumentar que de alguma forma são artificiais e falham em traduzir o “fator x” do fenômeno musical. Marcas feitas por nomes gigantes da história da música, no ápice físico-comercial da indústria fonográfica, são apagadas sazonalmente por artistas com pouca ou nenhuma estrada, ancorados pela substituição absurda de “vendas” por “streamings”. Além disso, são impulsionados pela revolução tecnológica e pela facilidade de consumir música (de forma legal e ilegal) nos últimos 15 anos.

Para mim e para outros pesquisadores do tema, esses monumentos não significam muito; a estrutura de fama e deslumbre na cultura pop atual é mais frágil e passageira do que já foi. Nenhum, eu garanto, nenhum hit do TikTok nos últimos anos estaria em alguma edição moderna do Great American Songbook. Não existe legado, significado ou fundação em torno da maioria desses sucessos repentinos, sejam eles impulsionados por grandes gravadoras ou um sucesso orgânico DIY. O produto chega, cumpre seu papel e desaparece, deixando pouca ou nenhuma assistência para quem o concebe.

Dito isso, desde meados da reta final dos anos 70, com a adição de sintetizadores e baterias eletrônicas, o jazz vem em queda livre, sendo considerado o gênero menos popular nos Estados Unidos no início da década passada.

A islandesa de 24 anos, Laufey, fez questão de usar o novo modus operandi da indústria ao seu favor. Bewitched é o álbum de jazz mais reproduzido em 24 horas, com 5.7 milhões de streamings em um dia, ultrapassando o álbum colaborativo de Lady Gaga e Tony Bennett, Love for Sale. A fórmula é simples: canções com tétrades e arranjos luxuosos de cordas. Claro que essa explicação é simplória e breve. A performance da cantora é magnética, a produção é limpa na medida certa e mescla o vintage e o moderno de forma sublime.

O modo como Laufey se comunica com seu público é sem precedentes na cultura moderna do gênero. O storytelling das letras e a identidade visual do lançamento são equiparáveis aos de um fenômeno pop. A sua jovialidade faz com que os assuntos sejam entregues com autenticidade para o público mais jovem. Além disso, a miscigenação da árvore genealógica da cantora faz dela o rosto perfeito para uma estrela do gênero (nascida em Reykjavik, na Islândia, com pais chineses e americanos).

Claro que há a discussão entre entusiastas do gênero sobre o pertencimento ou não de Bewitched na identidade do jazz. Entendendo o gênero como um organismo vivo e em constante mudança, a abordagem popular que lembra temas da Disney dos anos 50 ou os arranjos de Nat King Cole pode parecer performática, dando uma roupagem de jazz a uma produção que, de origem, é de música pop.

Eu, particularmente, não concordo com os conservadores do gênero. E o grande fato é que história foi feita. O jazz ganha uma sobrevida no discurso musical popular, fora dos fóruns e das paredes de Berkley e demais conservatórios.

Anterior
Anterior

Outra Hora Entrevista | Arthur Tuoto

Próximo
Próximo

Indie, Pela Primeira Vez