Crítica | Pacifiction (Cahiers Du Cinema)
Tormentos de Pacificação nas ilhas
A LINHA DE SOMBRA
Notas do tradutor (Marco Leal):
Crítica escrita por Mathieu Macheret, e publicada na edição 792 da revista francesa Cahiers du Cinema (e que pode ser conferida aqui).
Eleito como filme do ano pela Cahiers (a qual não poderíamos deixar de ter figurada em nossa própria primeira edição), Pacifiction provocou também uma dissonância em sua recepção. Ápice do academicismo ou exemplo de sua saturação?
O texto de Mathieu enxerga no filme o colosso do que essa dilatação academicista (e geográfica, temporal, cultural e estética) pode provocar.
A paranoia é uma palavra antiga que, nas tragédias gregas, já designava um tipo de loucura, mas etimologicamente refere-se a uma espécie de pensamento deslocado, uma causa que atravessa o sujeito sem lhe pertencer, como vinda de outro lugar, obsessiva na forma como o rodeia. Como o título do último filme de Albert Serra nos convida a refletir, há razões para questionar suas relações com a ficção, uma vez que ambas apresentam uma analogia estrutural. Em um espaço imaginário, a ficção é de fato essa causa exterior, embora ausente, que dita arbitrariamente a ordem na qual uma situação se transforma e os eventos se sucedem. Geralmente, ela assume a forma de lógica e encadeia racionalmente as causas às consequências, mas também pode se mostrar difusa, e então é uma matéria prolífica e sem contornos que só podemos acariciar, entrever, pressentir, uma zona de incerteza, uma miragem suspensa que pertence tanto aos personagens quanto aos espectadores. Salvador Dalí desenvolveu assim um método chamado "paranoia crítica": um delírio de associação entre diversos fenômenos incongruentes, que cria relações e estruturas insanas. Isso corresponde bastante ao que Serra faz no campo do cinema, ao dispor em um lugar personagens que, a princípio, não têm muito em comum, mas cuja co-presença produz por si mesma uma estrutura paranóica, um plano de ficção com projeções infinitas.
Nesse sentido, Pacifiction - Tourment sur les îles é um filme surpreendente, um grande transatlântico à deriva em um oceano de sonhos obscuros, uma massa de ficções pulsantes, injustamente ignorado em Cannes, embora seja o único a desafiar o desconhecido, esse território cinematográfico ao mesmo tempo real e fantasioso que Chris Marker teria chamado de "dépays". Serra de fato se arrisca em uma triple aposta. 1) Ao situar sua câmera na Polinésia Francesa, na ilha do Tahiti, ele realiza uma espécie de anti-filme francês, surpreendendo o país em seus confins, em suas costuras territoriais, onde não se deseja muito que se olhe, e assim lança uma nova luz sobre ele. Ele introduz na ficção "em francês" corpos, rostos, sotaques, relevos e céus autóctones frequentemente ignorados pelo cinema hexagonal, oferecendo-lhe um material inédito a ser explorado. 2) Nestes lugares, ele aborda uma função política sem equivalente: a do alto-comissário da República, representante em um arquipélago de um Estado invisível, distante 15.000 km. Sabíamos que o político é um personagem complexo, difícil de se colocar em ficção (pois frequentemente o antecipa), mas a isso se adiciona uma dimensão pós-colonial manifesta, a do estrangeiro administrando uma população majoritariamente indígena. 3) Última volta: confiar esse papel de pseudo-prefeito a Benoît Magimel, que voltou de tudo, inclusive dos infernos do policial francês, e cuja persona magnificamente engrossada ainda conserva um certo aroma de gângster. O ator popular não entra no cinema radicalmente excêntrico de Serra de qualquer maneira: ele chega como em uma outra dimensão, ao mesmo tempo dominante e fragilizado, transferindo seu poder de estrela para os poderes de seu personagem. Desde o início, tudo é uma questão de desvios e deslocamentos, e o que se abre entre as linhas é um espaço de ficção inédito.
De Roller, esse servidor do Estado, nos aparece pela primeira vez em uma boate local, o Paradise, sob luzes violáceas, e não sabemos muito bem a quem ele se assemelha: um cantor de charme? Um chefe mafioso? Provavelmente um pouco de tudo isso ao mesmo tempo. Com terno creme ou blazer azul marinho, camisas floridas, óculos escuros de curaçao, mocassins de espadrilles, o alto-comissário, a milhas de distância do tecnocrata metropolitano, exibe o falso charme ostensivo do homem público. Em todos os lugares onde está, de salões oficiais a clubes underground, de bastidores de teatro a quartos de hotéis, ele desfila e comparece, virtuoso da afabilidade, como se estivesse em turnê ou em campanha. Mas, há algum tempo, cresce um boato sobre uma possível retomada dos testes nucleares, que agita a comunidade, ainda assustada com as memórias de 1995. De Roller não sabe de nada, mas parte à procura de informações e constata: os militares estão chegando, os independentistas estão agitados, um submarino manobra na baía. Presenças estranhas rondam a área, que podem representar interesses estrangeiros - incluindo um americano lacônico de óculos escuros. De Roller sente que algo está acontecendo, que "vai estourar", que sua influência local está rachando, mas a realidade insiste em permanecer indecifrável, cheia de sinais que se acumulam e não dizem nada.
Desde o plano de abertura, um enigmático travelling aéreo sobre pilhas de contêineres, Pacifiction mobiliza um imaginário de tráficos e intrigas, evocando o política-ficção americana dos anos 70 e 80 - e essa referência a um gênero em vez de às grandes figuras da literatura faz com que este filme seja talvez o mais acessível de Albert Serra. Do thriller promovido, o filme retém, no entanto, apenas a substância paranoica, substituindo a mecânica rodante do gênero, baseada em uma verdade revelada, por uma progressão infinitamente mais turva, flutuante, como uma lição de trevas, bem como um teatro reduzido da política local, ao mesmo tempo insólita e carnavalesca (o bote dos militares desembarcando na boate com um pequeno almirante de grande chapéu - Marc Susini, excelente com seu charme sarcástico).
Ao redor de seu herói perdendo o rumo, o cineasta posiciona toda uma série de personagens que se reconfigura a cada cena - alguns retornam, outros desaparecem - como o banho de relações, sempre as mesmas, sempre diferentes, no qual De Roller se afunda, como uma rã. Esta galeria multicolorida, entre velhos cúmplices catalães (Sergi López como o dono da boate, Lluis Serrat como braço direito, a produtora Montse Triola como coreógrafa de danças folclóricas) e novos chegados é provavelmente o aspecto mais belo do filme, o mais hipnótico também, assim povoado de aparições puras, com uma densidade incomum: Matahi (Matahi Pambrun), o jovem líder independentista de fala cortante, ou ainda a esplêndida Shannah (Pahoa Mahagafanau, atriz trans), recepcionista com um charme gracioso no qual o político vê uma aliada. Esse círculo é realmente um banho no sentido químico: Serra posiciona no plano tantas figuras heterogêneas e as deixa infundir, interagir, para melhor surpreender qual esquema secreto, imprevisível, se tece entre elas. O cineasta se instala nessa linha instável - ou sombra - entre a ficção e o imprevisto. Como na cena fenomenal do concurso de surfe, onde De Roller faz um ato de representação em um jet-ski: de repente, a onda leva o plano, ele é como levantado de dentro, riscado por uma quantidade de eventos (surfistas, embarcações, ondulações) que fazem a ficção se reverter como uma luva.
Escondida ao longe como um tigre indolente, a câmera captura à distância, em blocos, as trocas formais ou informais, reuniões, entrevistas, confabulações, das quais o relato é constituído. Seu material principal é essa linguagem de uso político, uma forma de mitomania hipnótica que se embriaga de si mesma, e cuja razão de ser é não ter nenhuma influência sobre a realidade. Nesse sentido, De Roller/Magimel se revela uma incrível criatura de jogo, um mestre da palavra cujas habilidades de interação são realizadas com fórmulas corteses, uma verdadeira histeria de clichês ditos com éclat. Sob a aparência do consenso declarado, é a dança das queixas e dos favores, dos empréstimos e devoluções, e, em última análise, a relação de forças, às vezes carregada de ameaças, que se faz sentir. Como um teatro dos pequenos arranjos e outras manipulações, o filme é especialmente uma grande diversão. Diante da solicitação de representantes do povo para o direito de acesso ao futuro cassino em construção, De Roller reclama contra os religiosos da ilha que impõem restrições e diz: “Não fizemos a Revolução Francesa em vão!” antes de se retratar - “Bem...” - diante dos rostos autóctones reunidos ao seu redor. À medida que se afunda na noite, o filme se torna cada vez mais sussurrado, murmurado, as palavras arrancadas do burburinho ambiente, cercadas pelos ruídos de uma natureza não indiferente, assombrada pela eletrônica lancinante e minimalista dos clubes privados onde os corpos disponíveis (garçons musculosos em slip, uma DJ de peito nu) apenas giram ao redor, se avaliando, fixados na indeterminação.
A paranoia, então, não constitui exatamente um "sujeito", nem mesmo um motivo, e não pertence apenas ao personagem de De Roller, que observa o horizonte com binóculos, espiona atrás dos arbustos, patrulha à noite as águas territoriais em um jet-ski, em busca desesperada de sentido. A paranoia se estende ao próprio filme, ela é sua forma, sua função estética, um método para ver as coisas de outra forma, para ver mais longe. Sob o clichê turístico de Tahiti, movimentos obscuros, uma agitação de interesses mascarados. Sob a figura de De Roller, a aliança tácita das estruturas pós-coloniais e do capitalismo (suas ligações com o mundo da noite, do espetáculo, da promoção imobiliária). Sob a política local, questões geoestratégicas que não indicam nada além do caos do mundo. Durante um monólogo delirante, De Roller compara a política a uma boate, uma torre de marfim cativa e artificial onde não chega mais nenhum eco do mundo. E é precisamente lá, no Paradise, que o filme termina, como havia começado, sob a "luz negra" que passa os seres pelo filtro de intensas fluorescências como raios-X. O plano é então essa decocção paciente que se infla com uma farândola de rostos silenciosos e gestos absurdos, brilhando como sinais loucos na noite. Um filme pode ser isso, e apenas isso: uma constelação.