Entrevista | Mac deMarco (Associated Press)

Mac DeMarco e seu álbum de 199 músicas

O desejo de manter a autenticidade artística e os desafios impostos pelas tendências e plataformas digitais modernas


Notas do tradutor (Pietro Braga):

Meados de 2020. Era um fim de semana qualquer e Dreams do Fleetwood Mac começou a tocar na Mix FM. Para quem mora em Porto Alegre, é sabido que a curadoria musical da Rádio não é muito preocupada em trazer coisas que quebrem o status quo do que as paradas ditam como popular. Então sim, foi uma grata surpresa ouvir uma das melhores faixas de um dos álbuns mais aclamados de todos os tempos (Rumours, 1977) sem nenhum aviso prévio.


Pouco eu sabia (pois não usava Tik Tok na virada da década) do porquê aquilo tinha acontecido. Sabia menos ainda que esse evento representaria uma mudança estrutural na cadeia criativa da indústria musical por todo o mundo pelos anos seguintes. Um modelo padronizado do que se populariza no aplicativo enclausura muitos novos artistas em uma perseguição platônica por algum influenciador popular que o traga para o mainstream.

Mac DeMarco, nessa história toda, surge como anti herói. Um artista que reflete uma descontração e despreocupação pouco convencional, se estabeleceu como uma figura distinta e autêntica no cenário musical contemporâneo. Seu espírito criativo colide com todos os ideais desse novo modo de operação, e dessa irresignação surgiu seu álbum One Wayne G, que apresenta 199 faixas sem títulos, apenas datas.

Algumas semanas depois do lançamento, o artista revelou em uma entrevista à Associated Press o motivo pelo qual decidiu fazê-lo. Ele afirma que One Wayne G é um projeto profundamente pessoal — uma espécie de autorretrato — e que sentiu que isso lhe permitiria avançar na criação de nova música.


O que te levou a lançar um álbum com 199 músicas?

O álbum One Wayne G foi, para mim, uma maneira de lidar com o fato de que, ao fazer música o tempo todo, muitas faixas acabam ficando guardadas e esperando para serem usadas. Essas músicas frequentemente "sussurram" para que eu não me esqueça delas. Eu costumava me sentir preso a seguir em frente com o que estava criando, então decidir lançar tudo de uma vez foi uma forma de liberar essas músicas e compartilhar com os ouvintes.

Parte disso também foi brincar com o conceito de lançamento musical. Hoje em dia, muitas pessoas estão fazendo músicas para TikTok ou músicas muito curtas, e há muitas pessoas envolvidas em uma única canção pop. Então, eu pensei: por que não lançar algo muito extenso, sem títulos de músicas, apenas datas? Peguei essa ideia emprestada de Ryuichi Sakamoto, um grande herói meu que recentemente faleceu. Outra coisa que não mencionei muito é que gravei o álbum em alta definição, o que é diferente da qualidade padrão de 44.1 kHz. Queria experimentar algo novo e ver como as pessoas reagiriam a isso, trazendo um pouco de frescor para mim e para os ouvintes.


Você sente pressão dos fãs para manter o mesmo som?

Não, definitivamente há muitos fãs que gostariam que eu fizesse Salad Days repetidamente. Isso era um som de uma época específica da minha vida, e embora algumas coisas possam soar semelhantes, eu não sinto que preciso repetir o mesmo trabalho. O álbum Five Easy Hot Dogs gerou uma certa surpresa em relação à minha voz e ao estilo, mas agora, com o One Wayne G, as pessoas podem entender como ele se encaixa no contexto geral dos meus trabalhos com mais clareza.

Você desenhou a arte da capa para One Wayne G?


Sim, eu desenhei a capa. É como se eu estivesse tentando me desenhar olhando no espelho. A imagem meio que se parece comigo, com o sinal de uma pinta acima de um dos olhos, embora tenha ficado um pouco amassada. Acho que é um autorretrato apropriado, refletindo os cinco anos da minha vida representados pelo álbum.

Fale sobre o projeto Five Easy Hot Dogs, que você fez durante uma viagem.


Five Easy Hot Dogs é interessante porque, enquanto o *One Wayne G* é uma coleção enorme de tudo que eu tinha, Five Easy Hot Dogs é uma das coisas mais concisas que eu já fiz. A combinação da arte, da música e da mixagem se encaixa bem, criando uma sensação de completude. É um reflexo de um período específico da minha vida e do ambiente em que foi criado. Eu gosto dessa sensação de "neatness" e de como tudo parece encapsulado em um momento.


Por que é importante para você baixar as exigências de entrada para o mundo da criação musical?


Sempre amei o lado DIY (Do it Yourself, ou “faça você mesmo”) da música e a facilidade de acesso que oferece. No entanto, sinto que a indústria musical monetizou o conceito de DIY, e mesmo com a tecnologia mais acessível, parece que agora é mais difícil entrar do que antes. O DIY se tornou uma estética em vez de uma abordagem real. Eu quero oferecer algo que pareça facilmente alcançável para os outros, porque se eu não tivesse encontrado isso quando era mais jovem, talvez não estivesse fazendo música agora. A ideia é fornecer um modelo que outras pessoas possam seguir.


Você está acima das preocupações com dinheiro ou aprovação dos fãs?

Talvez "acima" não seja a palavra certa, mas eu sinto que estou livre de muitas dessas preocupações. Eu faço a música que quero e, se isso me excita, ótimo. Se as pessoas se conectam com isso, melhor ainda. Se não, tudo bem. Estou em uma posição onde posso fazer a arte que quero porque já consegui viver confortavelmente com o que ganhei fruto dos meus álbuns anteriores. O que mais me inspira é a capacidade de criar algo interessante, mesmo que eu não entenda totalmente. O que os outros pensam sobre mim não me importa tanto. Eu acho que há muitas ideias preconceituosas sobre mim e, se minha música recente desafiar essas expectativas, isso é ótimo. Eu realmente amo música e gravação, e meu foco agora é a intenção por trás do que estou fazendo. Se eu posso me conectar com a intenção de outros músicos, mesmo que eles façam um tipo de música que não é o meu favorito, isso é valioso para mim.



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