Entrevista | Christian Petzold (Rogerebert.com)
RETORNAR DA INOCÊNCIA DO OUTRO LADO: CHRISTIAN PETZOLD SOBRE AFIRE
Nos filmes de Christian Petzold, o passado nunca é realmente o passado
Notas do tradutor (Marco Leal):
Conduzida pelo jornalista Isaac Feldberg em Nova York, e publicada em 18 de Julho de 2023, esta entrevista foi traduzida diretamente do site de Roger Ebert (que pode ser conferida na integra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.
Sobre Christian Petzold, seria incompleto falar sobre o cinema atual sem mencionar o diretor alemão, cada vez mais recorrente nas discussões de autores relevantes no cenário mundial. Consolidando sua carreira com filmes de natureza anacrônica e diacrônica, Petzold filma sobre o passado de seu país em contextos contemporâneos, constantemente acessando uma dimensão fantasmagórica que surge como elo perdido entre diferentes tempos (e também herança direta de Alfred Hitchcock, que Petzold parece relembrar a cada filme).
Em uma nota mais pessoal, talvez seja o diretor contemporâneo que mais conversa com meus próprios interesses, construindo seus filmes por meio de uma decupagem significativa, e também por ser um dos poucos remanescentes do melodrama e de toda sua potência.
Na entrevista, ele comenta sobre as origens de Afire, sobre os diversos processos de criação do filme, e também um tanto de como encara a produção e a percepção do cinema. Destacados ao longo do texto, trechos que considero essenciais.
A seguir, a tradução da entrevista:
(IF): Como você tem aproveitado seu tempo em Nova York?
Preciso dizer, estou muito impressionado com a Criterion. Eu estava lá (na sede deles em NY), e me senti como uma criança quando vi todos esses pôsteres e DVDs. A atmosfera mostra que eles amam cinema, de um jeito muito bom. Nunca estive em uma companhia como essa na Alemanha. Eu dei uma volta e olhei o fantástico trabalho de arte, dos pôsteres que eles encomendaram de pintores fantásticos e artistas gráficos. A sala de exibição deles estava aberta. Um grupo de alunos estava vindo com seu professor assistir M (1931), de Fritz Lang. O professor falou: "Ei, você é da Alemanha. Pode dizer algo pra eles sobre Fritz Lang?"
Eu tive que ir na sala de exibição na frente dos alunos, que estavam envergonhados, porque alguém da Alemanha veio falar com eles sobre Lang, sobre seu encontro com Joseph Goebbels, sobre Gustaf Grundgens e fascismo. Foram dez minutos fantásticos, porque eu sei no fundo do meu coração que quero ser um professor de cinema. Eu quero ter um cinema para mim e quero, o dia inteiro, mostrar a alunos grandes filmes de diferentes tempos, ao redor do mundo. Foi um momento fantástico, achar uma sala de exibição dentro desta companhia. Eu poderia ficar aqui por meses, eu acho.
(IF): O foco da Criterion na preservação e restauração fílmica é tão valiosa; é dedicada ao cinema, e a apresentação de seus lançamentos - textos, entrevistas, comentários de diretores - deixa claro que os envolvidos se importam em honrar o legado cultural do cinema, em dar à sua audiência uma espécie de educação cinematográfica. Não estou surpreso que você esteja aproveitando seu tempo aqui.
Amanhã, eu terei que estar no closet da Criterion por meia hora para falar sobre os DVDs e Blu-Rays que encontrar lá. No ensaio, o primeiro DVD que me mostraram foi Gente no Domingo (1930), dirigido por Robert Siodman e Edgar G. Ulmer, uma história de Billy Wilder, de 1930. Foi um grande choque para mim porque foi o filme mais importante ao fazer Afire, de todos eles. Tivemos toda uma programação e pensamos nos filmes de Éric Rohmer, nos livros de Chekhov, e por aí vai.
Eu estava pensando muito em Gente no Domingo (1930) enquanto estava infectado com COVID, quando ainda não existia vacina. Situado na Alemanha, feito em 1930, é um filme sobre o verão e pessoas jovens, feito com uma câmera clara e pura, com pessoas claras e puras. Quando você vê esse filme, você pensa que o fascismo nunca teve uma chance na Alemanha, porque a classe trabalhadora tem muita luxúria pela vida. Três anos depois, tudo foi destruído, e os três diretores do filme tiveram que sair da Alemanha, para ir para Hollywood. Lá, eles fizeram film noir, mas não tinha verão. Esse tipo de filme de verão foi destruído, assim como todos os filmes de verão na Alemanha tem sido destruídos desde 1933.
Isso foi, para mim, o início de Afire, pensando comigo mesmo, "O que aconteceu aqui?" Os Americanos, os Franceses e os Suecos - como Ingmar Bergman, com Monika e o Desejo (1953) - todos têm filmes de verão, que são tão importantes. Em filmes de verão, não há estado, pais, escola, fábricas. Nós temos uma pausa na vida, e, nessa pausa, algo é decidido. Algumas coisas estão acontecendo; algumas coisas você faz errado, e algumas coisas você faz certo. Amor pode estar acontecendo, ou amor que acaba se tornando um mal entendido. Alemães, perdemos o nosso verão. Junto com os atores, eu pensei em filmes de verão na Alemanha - e por que, nos filmes de verão alemães de hoje, em cada filme, há pais, fábricas e policiais. Não temos liberdade. Ela foi destruída em 1933.
(IF): Seus filmes combinam algumas temporalidades, entre passado, presente e futuro. Afire é situado no presente, mas seu uso de narração sugere que pode ser uma memória, ou a adaptação de Leon sobre os eventos, aparecendo na tela. Isso me fez considerar a dificuldade de alguém como Leon, que não vive o momento presente, cujas ideias artísticas são informadas pelo passado, e de quem a existência sofre como resultado. Os artistas estão sempre trabalhando em um tempo fora do tempo?
Fizemos essa casa, essa cabana na floresta, nós mesmos. Ela não existia. A clareira na floresta, fizemos nós mesmos, e fizemos nossa própria praia. Elas existiam, mas ainda assim, nós as criamos. As pessoas nadando lá não estavam realmente lá; o filme não é um documentário. Mas conforme construímos Afire, refletimos em todas as coisas que montamos, e em todas as cabines na floresta, clareiras e praias na história de contar histórias - não apenas cinema, mas também literatura, teatro, Shakespeare, e Sonho de Uma Noite de Verão. Estávamos trabalhando em uma tradição.
Howard Hawks fez remakes dos seus próprios filmes; nós poderíamos ter uma longa discussão sobre isso. Eu acho que contar histórias por si só é sempre um remake. Eu não gosto de assistir filmes que alguém diz, "essa é uma história completamente nova que eu nunca ouvi antes." Eu amo remakes. Por centenas de anos, estivemos contando as mesmas histórias, cada vez de um jeito diferente. Éric Rohmer sempre foi criticado por pessoas de merda, que sempre diziam que ele fazia o mesmo filme de novo e de novo. Seus filmes são similares, mas como Bill Clinton diria, "são as diferenças, estúpido!"
Como diretores, quando criamos, somos parte da história e do presente no mesmo momento. Isso é cinema: viver no passado, em uma sentimentalidade, e também no presente. Isso também tem algo a ver com o verão. Nos filmes americanos de verão, como Stand By Me (1986), é uma memória de algo que aconteceu, mas você pode ver e sentir agora, nesse momento. Todos os filmes de verão tem isso em comum: eles estão ao mesmo tempo no presente e na memória do que você perde, ou de um erro que você cometeu. Talvez tenha existido esse momento, com essa garota, onde tinha a possibilidade de um beijo, e você perdeu esse momento. 30 anos depois - quando você tiver COVID, e você estiver deitado na cama - você vai saber que esse foi o erro da sua vida. E é sobre essa sensação que contamos histórias.
Você está sempre criando remakes da sua experiência; o remake é a forma de contar a história, não um evento original. Leon não sabe disso. Ele não teve essa experiência. Ele acredita ser um artista e um sujeito, embora ele esteja apenas atuando como artista. Quando criamos o lugar onde ele trabalha, fizemos parecer um palco porque ele está atuando com seu computador em uma pose reflexiva. É um palco ridículo; ele tem ainda que passar pela experiência de perceber isso. Eu tive essa experiência durante meu segundo filme, Cuba Libre, em 1995. Eu estava brincando com ser um diretor, um cineasta, e alguém tinha que me dizer isso, que eu estava agindo como se a câmera estivesse em mim. Eu estava vendo eu mesmo no palco. Essa foi uma experiência importante para eu comunicar ao ator Thomas Schubert, e isso foi importante para todo o trabalho.
(IF): Conforme esse fogo se aproxima da casa, Leon continua egocêntrico, o que me lembra do quanto seus personagens estão frequentemente presos por essas circunstâncias externas e internas, ao invés de uma ou outra. Você pode falar sobre criar essa atmosfera na tela, onde estamos focados nos personagens cujas preocupações são pessoais mesmo quando confrontados com ameaças existenciais iminentes?
Em Alemão, tem uma palavra que significa "fogo para purificar o mundo." Está na ideologia de filmes distópicos que precisamos do fogo purificador. Eu odeio isso, totalmente. Eu tenho longas discussões com meu filho de 23 anos, que é um gamer. Eu perguntei para ele por que, em todos os seus jogos, temos esse ambiente distópico. O mundo terminou, e você tem que lutar por você mesmo como um indivíduo. Todas essas coisas são parte de Afire e todas as crenças de Leon. Ele nunca vai para a água. Ele é sempre ridículo. Todas essas coisas fantásticas que acontecem entre as pessoas, ele acredita que não precisamos mais delas. E porque fazemos tabula rasa, criamos um mundo novo, cinema novo, e cenário novo de gaming.
Em um ensaio, Paula Beer me disse depois, quando Thomas Schubert tinha lido suas primeiras linhas como seu personagem, ela sabia porque ela havia se apaixonado por ele. Não porque ele é um ator fantástico, mas porque ela viu que ele era tão fechado, tão ridículo, tão na ideologia errada, que ela teve que resgatá-lo. Algumas vezes, resgatar alguém é mais profundo do que se apaixonar. E isso foi uma coisa fantástica de se sentir, sendo que era minha posição em relação a ele também. Você olha para ele e diz, "meu Deus, cara. O que você está fazendo?" Com um gesto, tudo poderia abrir seu coração, mas ele está lutando contra essa abertura. Eu estou interessado em pessoas que lutam contra a pessoa ajudando elas.
Os atores e eu acreditamos que as coisas que temos na vida são fantásticas. Temos dança à noite. Temos sexualidade que muda. Alguém tirando fotos e trabalhando com uma câmera. O cara está sempre falando sobre trabalho e dormindo, e o outro tem ideias e tira fotos enquanto ele dorme. O motivo de termos qualquer desejo de purificar o mundo com fogo, de deixar tudo de lado e criar uma nova sociedade, tem algo a ver com o capitalismo. É ciência: colocamos dióxido de carbono na Terra, no oceano, no espaço, e isso mata. Mas a posição capitalista do mundo é uma posição distópica; essa é a narração deles, em storytelling. Eu amo filmes que descrevem o mundo como um lugar complexo, misturado, e que diz para se ter cuidado com todas as pessoas que querem segregá-lo.
(IF): Sobre o seu ponto, Afire se situa sobre as definições dissonantes de seus personagens sobre trabalho produtivo e improdutivo, de qual trabalho é valorizado e qual não é. Em Leon, você ilumina a hipocrisia, uma tendência autodestrutiva, inerente à visão capitalista de trabalho; preso por suas próprias pré concepções limitadas sobre produtividade, ele não investe nas áreas pessoais, sociais ou românticas de sua vida e, é claro, é completamente improdutivo como resultado.
No fim dos anos 90, Harun Farocki e eu estivemos juntos em Berkeley. Ele foi professor lá, na Universidade da Califórnia, Berkeley. Eu visitei ele, e nós começamos a escrever um roteiro juntos. Ele disse para mim, "uma de nossas tarefas para o futuro é que estamos vivendo em uma sociedade baseada em trabalho." Nosso trabalho é nossa identidade, e nossa identidade é trabalho. Quando você está em uma festa em Nova York, todo mundo pergunta no que você está trabalhando. Quando você não diz nada, você pode muito bem deixar a festa, porque ninguém está interessado em você, porque você não tem identidade. Meu irmão estava sem trabalho por mais de três anos. Isso destruiu sua vida. Você não é mais parte da sociedade. Mas o trabalho está deixando nossa sociedade. Está indo embora. O que acontece com uma sociedade baseada em trabalho que não existe? Essa é uma situação de vínculo-duplo para as pessoas, e está em todos os nossos filmes.
Em todos os meus filmes com Harun Farocki e mais tarde, também, nossos personagens tinham profissões. Eles tinham trabalho. Eles perdem seu trabalho e querem voltar para uma identidade. Afire é mais uma comédia sobre o trabalho porque tem o Leon, do século 19, que quer ser um artista e um escritor, e os outros são muito modernos. Eles estão trabalhando, mas eles não precisam do trabalho para suas identidades. Nadja está trabalhando pelo dinheiro, vendendo sorvete, e ela nunca fala sobre isso. Esse não é um problema para ela. Felix tira fotos, e Devid trabalha como salva-vidas, e eles não estão falando sobre isso. Eles podem viver sem seu trabalho como sua identidade. Esse poderia ser o futuro, saído da ética Protestante. Essa era a ideia. Quando dois tempos diferentes, o século 19 e o século 21, se juntam, isso pode levar a comédia.
(IF): Quando o agente de Leon chega para entregar notas e ler o manuscrito, temos um vislumbre do quão arrogante e falso a escrita de Leon é e o quão clichê é sua perspectiva sobre o mundo, conforme ele escreve sobre esse viajante solitário que ressente os outros por terem crianças e viverem em casas em banda em Berlin. Enquanto isso, nunca ocorre a Leon como outras formas de trabalho podem ser libertadoras, mesmo enquanto Felix é inspirado por suas experiências com Nadja e Devid. Eu acho a estagnação pessoal de Leon, e suas raízes em uma necessidade internalizada de manter tradições literárias que não mais refletem como vivemos nossas vidas, bastante atraente.
Sim, isso está completamente correto. Sobre a história, Club Sandwich, eu lembro de haver um conto de F. Scott Fitzgerald, intitulado A Década Perdida, sobre um cara que sumiu por dez anos e volta para descobrir que todos esses amigos com quem teve festas fantásticas e champanhe agora têm filhos, estão vivendo em casas de banda, e têm empregos. Ele é o homem mais solitário do mundo. Essa foi a referência para Club Sandwich.
Mas, para mim, foi difícil escrever um livro ruim. Duas ou três frases ruins, e é a caricatura de um livro ruim. Mas esse é o livro de Leon. Eu tive que respeitá-lo, e mesmo escrevendo esse livro ruim, eu tive que respeitá-lo, então eu usei a história de Fitzgerald e fiz sobre as festas em Berlin. Eu estava tão orgulhoso quando escrevi duas ou três páginas em dois ou três dias. Quando os atores, em um ensaio de leitura, começaram a rir sobre o livro e a fazerem piadas ruins sobre o livro, chamando de a pior história que eles ouviram na vida, eu não estava apenas desapontado mas também brabo e ofendido. Eu disse, "Não é uma história tão ruim."
E então falamos juntos: sobre Leon, sobre essa construção de artistas do século 19, sobre eu mesmo, em meu tempo quando eu estava na posição de Leon e tinha que fazer meu segundo filme. Foi uma discussão tão profunda, uma da qual nunca tive com atores antes, eu devo dizer. Eles me destruíram, mas eles amaram falar comigo sobre isso, o que me tranquiliza.
(IF): Afire continua sua colaboração com Paula Beer, depois de Trânsito (2018) e Undine (2020). Nadja, sua personagem, dá a Leon a chance de escapar de sua solidão auto imposta mas já está fazendo uso de seu próprio tempo livre, vivendo uma vida completa da qual Leon descobre tarde demais. Como Afire se passa da perspectiva de Leon, Nadja é elusiva e idealizada para a audiência também. Que conversas você e Beer tiveram sobre o lugar dela na narrativa?
Na Alemanha, críticos disseram em algumas ocasiões sobre uma atriz que ela pode "brincar com a câmera". Eu não gosto muito disso. Falando com Paula Beer sobre isso, eu disse, "Esse filme é sobre Leon, esse artista do século 19 que está apenas assistindo o mundo. E nós estamos assistindo ele. É o retrato de um artista que assiste o mundo mas não é parte dele." E isso foi muito importante para Paula. Ela diz, "Eu não quero brincar com a câmera. A câmera não existe para mim. Eu estou lá por mim mesma."
No primeiro dia de filmagens, filmamos a cena onde ela está tirando as roupas para secar e vestindo esse vestido vermelho. Naquela cena, ela está inteiramente por ela mesma. Ela não precisa de nós, e ela não está flertando ou seduzindo. Ela não desaparece na nossa frente. Quando alguém está em uma bicicleta e está deixando a cena, a maioria dos diretores de fotografia quer que eles passem em frente a câmera, porque assim estão muito próximos de nós. Nadja passa por uma abertura na floresta, e então ela desaparece porque ela não está fazendo nada por nós. Nós temos que provar nós mesmos para ela, mas ela não tem de fazer o mesmo por nós. Isso é algo moderno que Leon, com suas noções do século 19 de sedução, projeção e por aí vai, não consegue entender.
(IF): Você mencionou contos de Chekov, como A Casa com o Mezanino, como uma inspiração para Afire, e eu estava curioso se Nadja foi nomeada pela protagonista de A Prometida, cuja paixão pela vida faz ela fugir de casa e atender a universidade, procurando independência e a virando de costas para a tradição. As personagens de Paula em seus filmes mantém essa opacidade, e uma independência das nossas concepções dessas personagens: ela as interpreta como existindo longe da audiência e quase fora do filme em si.
É isso mesmo. Quando eu a conheci primeiro por Trânsito, nós estávamos em ensaios em Marseille. Franz Rogowski, Paula, e eu estávamos sentados em uma mesa no telhado do hotel, e estávamos falando sobre as cenas. Paula me disse, "Eu tenho uma pergunta. Esse livro foi escrito por Anna Seghers, uma escritora feminina, e todos esses personagens no livro dela são descritos como tendo um certo cheiro e um certo corpo. A única personagem que não tem cheiro e nem corpo, que é uma projeção da subjetividade masculina, é a minha personagem, Marie, que é também um nome religioso. Ela é inocente; não existe sexualidade nela, nada." Paula não gostava disso e não queria "ser Marie". Eu disse, "O que você acha?" Ela disse, "Eu quero trabalhar no corpo dela, então terei algo de meu". Ela pega essa pesquisa em um assunto dela em sua interpretação. Ela não estava dizendo, "Eu quero isso agora”. Seu desejo de ter uma identidade, é o trabalho dela. Eu sigo muito impressionado por isso. Suas reflexões sempre abrem sua personagem. Muitas pessoas dizem, "Atores que pensam não são bons atores", mas ela é realmente ótima; aquela foi minha primeira, e mais profunda impressão dela.
Por outro lado, eu falei sobre Hitchcock, sobre filmes com subjetividade, cujas câmeras miram e não são apenas câmeras de vigilância. No próximo dia, em Marseille, eu recebi um pacote da Amazon Prime, e ela tinha pedido todos os filmes de Hitchcock que queria ver. Ela estava trabalhando duro. Ela quer abrir seu mundo para ter experiências. Portanto, eu tenho uma boa conexão com ela. Para o próximo filme que fizemos, eu levei ela para as locações de filmagem. Ela queria aprender como preparar ensaios.
Eu tenho que confiar nela, porque quando ela reflete, ela se torna inocente. Não é que você destrói a inocência pela reflexão. Quando ensaiamos a cena onde ela lê o poema de Heinrich Heine, The Asra, eu falei com todos os atores sobre Heinrich von Kleist, porque ele é mencionado na cena. Em um ensaio de von Kleist, On The Marionette Theater, ambos o narrador e uma dançarina com quem ele fala discutem o teatro. Um deles dizem que Adão e Eva perderam sua inocência, e então a humanidade foi expulsa do paraíso. Inocência, aqui, significa a ausência de reflexão ou consciência.
Se a pessoa não inteligente quer voltar para um estado de inocência, eles pensam que podem retornar do mesmo jeito; eles ficam em frente a uma porta fechada desejando que pudessem entrar, para reganhar sua inocência. Enquanto isso, o único trabalho que pessoas inteligentes têm é procurar por todo o mundo, para procurar a segunda entrada para o paraíso, para retornar para a inocência do outro lado. Você tem que trabalhar - para refletir, para melhorar, para ensaiar - para encontrar inocência. Você não pode encontrá-la na ausência do trabalho, por si próprio. Você tem que trabalhar para isso, e isso é algo que Paula sabe.
(IF): Primeiro vemos Nadja pela janela da casa quando Leon está lá fora, no jardim. Estou curioso sobre sua abordagem em filmar os personagens dentro e fora da casa; onde eles estão espacialmente em relação um ao outro, comunicando suas relações interpessoais, e como elas podem estar abertas ou fechadas uma para as outras.
Essa casa, em Afire, não existe como aparece no filme. É uma casa velha, sem portas, no meio da floresta. Nos deu a possibilidade de construir uma casa nós mesmos como se estivéssemos em um estúdio. Junto com Hans Fromme, o diretor de fotografia, e Klaus-Dieter Gruber, o designer de produção, nós discutimos sobre o que o filme era. Em Trânsito, todos os quartos tinham que ser espaços transientes, com duas portas e duas janelas, não montanhas, mas passagens. Afire é sobre um homem que está assistindo o mundo, que não pode se mover desse precipício que trespassa para o mundo. Estamos ao lado dele.
Para retratá-lo, precisávamos de janelas e portas. Em todas as posições da câmera, você tem uma janela e alguma vista do exterior. Mas o vento se move por essa foto. Tudo está aberto, mas ele está fechado, e nisso ele é como veneno, infectando o mundo com sua atitude negativa. Todos os outros estão se movendo dentro e fora. Os momentos onde ele está sozinho, e ele está assistindo o mundo ou lendo o diário dela ou ouvindo a música dela, são os únicos onde você sente algo por ele, porque ele está aberto para aquilo. Mas quando seu amigo retorna da praia, ele fecha tudo e volta para aquela posição. A casa providencia a possibilidade de uma vida fantástica. Ele destrói todas essas possibilidades ele mesmo porque ele é um idiota e porque eu gosto de assistir idiotas na tela.