Artigo | Em Busca do Velho Oeste
Um homem que se afasta da câmera. Caminha, conduz ou cavalga na direção da profundidade do campo, ao horizonte infinito da imagem, rumo ao mundo do qual brevemente deixou para se apresentar como representação metafísica de seu avatar que vive atrás das câmeras, no plano dos reles mortais.
Os filmes de Clint Eastwood vez após outra terminam com o afastamento, com a volta de um herói cada vez mais cansado e incerto quanto a seu lugar neste mundo ao qual se apresenta, que enquanto desaparece como silhueta, sombra ou memória, se concretiza cada vez mais como figura mítica, relíquia mitológica de tempos que não mais voltam.
Há algo de fantasmagórico, e também de fantástico no processo. De filmar a partir e sobre os corpos e rostos, descorporificá-los ao mesmo tempo que os materializa, apontar suas finitudes enquanto os imortaliza. É (geralmente) no solo dos Estados Unidos, em suas longas estradas, que essa viagem metamórfica acontece, em uma dialética constante com o tempo e sua incidência em terrenos antes desbravados, hoje irreconhecíveis ou inadequáveis. Seja o passado diegético (das coisas que aconteceram a estes seres) ou cinematográfico (dos filmes que os antecederam), concreto (flashbacks e ilustrações deste passado) ou abstrato (descrições e relatos), literal (uma mistura das duas coisas) ou simbólico (idem), este embate os impede de se fixarem no presente, e os fazem partir em buscas elusivas por um passado que só poderia ser encontrado em uma versão idealizada, e inexistente, de futuro.
Charles Baudelaire, em seu ensaio de 1963 que trouxe o termo “modernismo” para as artes, descreve um homem que tenta capturar o efêmero. Tenta destilar o eterno do transitório. Modernidade é o transiente, o fugaz, o contingente; é uma metade da arte, a outra sendo o eterno e o imutável. Quando pensamos nos filmes dos anos 30, 40, 50, que Eastwood tanto parece pensar, o mundo parecia o mesmo há muito tempo. O grande drama era um romance, que terminava em um casamento, que significava que a vida havia dado certo para aqueles personagens. Os tempos até podiam estar mudando: aqui um telefone, ali a libertação feminina, um corte, um plano alongado, a incidência da tecnologia. Mas conquistar o tempo era possível, e então dele um se ausentava, justamente por a ele pertencer.
Isto, Eastwood deixa claro, se tornou impossível. Ele filma essa impossibilidade no contraplano de um ator que olha para outro, na simplicidade de um cenário que simboliza as sensações daqueles que os habitam, nos instantes que me fazem pensar que seus quadros, por muito pouco, não simbolizam um still life. Frutas que na verdade são representações. Que não estragam porque são eternizadas pelo processo químico do celuloide (e depois do digital), mas que jamais podem repetir a efemeridade das frutas verdadeiras, que ou são consumidas ou apodrecem.
Ruy Gardner certa vez se referiu a Eastwood como poeta do discreto, um diretor que por baixo da cara amarrada de ator, é um artista atencioso e atento. Sua arte denota uma inquietação, de um homem que está sempre olhando para o passado, enquanto tenta pintar o presente de modo que se pareça ao menos um pouco com esse tempo o qual tanto idealiza.
Para uns, seu cinema pode se filiar ao que se chama de maneirismo, observado entre os anos 70 e 80 (principalmente) nos Estados Unidos e na Itália. Para outros, elementos modernos, que dialogam com o que era feito nos Estados Unidos nos anos 70 e na França nos anos 60. Para outros, é um dos únicos descendentes do cinema clássico dos Estados Unidos: John Ford e Howard Hawks, ambos que, para algumas correntes teóricas, conversam com traços expressionistas e modernistas, respectivamente.
Para mim, e depois de passar um tempo editando esta revista e repensando seu cinema, Eastwood é filho de muitas correntes, e passou a carreira tentando desvendar o dilema da paternidade. Curiosamente nenhum de seus personagens faz qualquer menção a pai e mãe, mas quase todos, em algum momento, tem de exercer este papel, em desvios da rota que, ele acredita, não leva a nenhum lugar concreto, mas ao menos o aproxima do mundo que lhe escapou. Culpa do tempo.