Entrevista | Ric Gentry
Nota do tradutor:
Entrevista traduzida da Film Quarterly, volume 42 #3, em 1989, publicada pela Universidade da Califórnia.
Entrevista que aborda principalmente Bird, mas que pelo modo como Eastwood fala sobre o filme, seus processos e seu resultado final, é possível ter um vislumbre de suas intenções como realizador.
RG: Eu entendo que existe uma história interessante sobre como você adquiriu o roteiro de Bird.
Eastwood: Bem, eu ouvi falar disso pela primeira vez no começo dos anos 1980. Saiu uma notícia dizendo que o Richard Pryor ia fazer o filme, e eu pensei: “Ah, isso é interessante, um filme sobre Charlie Parker.” Depois, meio que esqueci, porque parecia que já estava tudo certo com o Pryor na Columbia.
Então, cerca de um ano depois, tive a chance de ler o roteiro e realmente gostei. Achei muito incomum, muito especial. E pensei: “Eu adoraria ter isso.”
E aí, algum tempo depois, surgiu um projeto que a Warner (meu estúdio) tinha e que o Ray Stark, da Columbia, queria muito, chamado Revenge. Houve uma conversa sobre isso e eu ouvi o Bob Daley (presidente da Warner) e o Terry Semel (diretor executivo) falando sobre como o Stark queria Revenge.
Então eu disse: “Um momento. Se eles querem isso, e vocês estão dispostos a ceder, por que não tentam trocar pela história do Charlie Parker que eles têm lá? Porque, pelo que sei, com todas as mudanças de administração que houve na Columbia, o Richard Pryor não está mais na empresa e o projeto está meio parado, e eu adoraria ter isso.”
Eles foram falar com o Ray, e ele começou a trabalhar nisso. Claro que ele ficou pensando: “O que a Warner quer com essa história?” E houve todo tipo de boato de que a Warner ia fazer o filme com o Prince ou algo assim, porque ninguém sabia ainda que eu estava envolvido. No final, eles acertaram a troca. E aí, quando Ray descobriu que eu ia dirigir, perguntou: “Como assim, o Clint Eastwood vai interpretar o Charlie Parker?”
Mas tudo deu certo. O Ray conseguiu o projeto dele — que eles estão fazendo no México agora, aliás, embora eu ache que a Tri-Star também esteja envolvida de alguma forma — e eu consegui o projeto do Charlie Parker. Já faz mais de dois anos isso. Eu não sei o quanto a Warner ficou entusiasmada. Não era um filme que me mostrava como ator, só como diretor. Minha justificativa para eles foi que essa era uma pequena história americana sobre um artista de jazz que foi muito importante em seu tempo para mudanças na música que ouvimos até hoje. E, para o crédito deles, eles toparam.
Então fui em frente e comecei o filme. Foi muito trabalho, mas muito prazeroso, devo dizer.
RG: E uma das primeiras coisas que você fez foi garantir muito material original e inédito de Parker.
Eastwood: Sim. Logo no início, comecei a discutir isso com Lennie Niehaus, que foi o diretor musical em Bird. Lennie trabalhou em alguns outros filmes comigo. E o Lennie disse, em relação à música do filme: “Como você pretende fazer isso? Porque, pelo que entendi, o pessoal da Columbia só ia usar um imitador de som — alguém para fazer o Charlie Parker.” Mas eu queria usar as gravações reais. Achei que era importante que fosse o próprio Charlie Parker tocando no filme.
E em um momento, eu expliquei isso para a Chan (viúva do Parker), quando a visitei em Paris, e ela disse: “Sim, eu tenho bastante música dele comigo.” Então fomos até um banco, e no cofre do banco ela tinha todas essas fitas de rolo. Eu ouvi tudo e algumas delas eram simplesmente ótimas. A maioria eram apenas solos do Parker. A fita começava quando Parker começava o solo e parava quando ele terminava.
Então eu trouxe essas fitas de volta e, por meio de um processo digital, usamos alguns desses solos adicionando novos músicos e reconstruindo a música como ela era originalmente. E sempre que possível, trouxemos de volta os mesmos músicos em Bird.
Red Rodney, que tocava trompete com o Charlie Parker, Ray Brown no baixo. Nos casos em que o músico não estava mais por aí, trouxemos caras que tocavam esse tipo de música muito bem. Lennie Tristano (piano) foi substituído por Monte Alexander, Walter Davis ou Barry Harris. Para o trompete de Dizzy Gillespie, tivemos John Faddie, que é um protegido de Dizzy. Dizzy estava em turnê quando fizemos as sessões, então John tocou e ele simplesmente voava lá em cima como o Dizzy.
Assim, usando todos esses solos do Parker, conseguimos montar novamente a música.
E como eu estava dizendo, as gravações que tínhamos eram apenas esses instrumentais isolados do Bird, e nada mais, diferente de um disco com a música completa. Veja, nas datas de gravação daquela época, como eles faziam discos de 78 rotações, eles tinham como dois ou três minutos de tempo de gravação ou algo assim, com cada instrumento, tipo o sax ou o trompete ou talvez o piano, fazendo um coro e depois a gravação acabava. Mas as coisas ao vivo eram melhores para o Charlie Parker, onde não havia essa restrição.
RG: Você tinha ideia de que essas fitas originais, meio piratas, estavam disponíveis?
Eastwood: Eu sabia que havia algumas fitas nunca ouvidas por aí. Eu sabia das famosas fitas Benedetti, que as pessoas falavam há anos, feitas em acetato. Benedetti era esse cara que ia aos clubes onde Parker tocava e pendurava um microfone sobre o palco. Parker gostava dele e o deixava fazer isso, embora os clubes nem sempre gostassem. O microfone e tudo mais só atrapalhavam.
Há histórias de Benedetti sentado no banheiro com o gravador, ouvindo Parker tocar.
Ele gravava os solos do Bird e, assim que outra pessoa começava, ele parava a fita. Mas muita gente fazia isso, não só o Benedetti. Porque Parker era tão idolatrado, tão inovador, tão à frente de seu tempo, que sempre havia alguém por perto para gravá-lo, embora, como Benedetti, eles largassem tudo que não fosse Parker.
Então, eu pensei que se conseguisse encontrar algumas dessas fitas, seria ótimo para o filme. Além disso, alguns dos discos eram muito bons. Nós compramos “Now’s the Time” da Savoy e “Parker’s Mood” com o direito de dublar a fita para que pudéssemos transformá-las em estéreo.
Veja, Parker nunca viveu na era do estéreo.
Tudo foi feito em mono. Vai ser Dolby para os cinemas, Dolby de quatro canais.
RG: A música no cinema realmente soa magnífica.
Eastwood: Sim, ficou muito boa. Se não tivéssemos encontrado essas faixas originais, eu teria feito o filme mesmo assim, mas não teria sido tão gratificante. Não que não existam grandes instrumentistas por aí para fazer um som parecido, mas Parker era único. E tínhamos essas gravações ótimas, então por que não tentar fazer funcionar? Então tentamos. Rick Chace trabalhou nelas e depois o Bobby Fernandez [engenheiros de som]. Nós apenas limpamos tudo o melhor que pudemos, fizemos as sessões com os novos músicos junto com os solos isolados do Bird. Lennie fez um trabalho maravilhoso, reunindo tudo.
E então começamos a fazer o filme, assim que tínhamos todas as faixas e sabíamos que funcionaria. Lennie também teve que ensinar os atores a tocar, como o Forest (Whitaker, que faz o Bird) com o saxofone. Ele realmente ensinou o Forest escalas e depois como dedilhar os solos, o que, claro, é muito difícil de fazer de forma realista.
Mas o Forest conseguiu. Ele e o Lennie trabalharam muito duro. Todos os atores trabalharam muito. Sam Wright, que faz o Dizzy. Michael Zelnicker, que faz o Red (Rodney). Eles eram todos trabalhadores muito sólidos.
RG: Todos os atores, especialmente o Forest, parecem totalmente convincentes na tela.
Eastwood: Bem, isso é o principal. Porque eu cresci assistindo muitas biografias de vários músicos em filmes, e você podia ver os erros que o ator cometia. Quando criança, eu realmente gostava do Bix Beiderbecke. Eu tocava corneta quando o Bix era o maior nome que existia. E então saiu o filme Young Man with a Horn e estava completamente errado — a respiração e a dublagem. Foi muito ruim. Saí do cinema achando que tinham perdido a chance de fazer algo especial. Não achei que as pessoas que fizeram o filme realmente entendessem a música ou gostassem de jazz. O jazz, eu sentia, era uma verdadeira forma de arte americana que nunca tinha sido retratada de verdade. Eu só pensei que com Bird poderíamos fazer algo melhor.
RG: E você teve a oportunidade de ver Charlie Parker quando era jovem.
Eastwood: Sim, em Oakland. Eu estava no ensino médio. Eu tinha uns 16 anos e fui ver o Lester Young tocar nas sessões que eles chamavam de “Jazz at the Philharmonic”. Lester Young era um dos meus preferidos. Também estava lá o Coleman Hawkins, de quem eu gostava muito. Flip Phillips. Alguns músicos de jazz realmente talentosos. E então apareceu esse saxofonista alto que, de repente, começou a tocar. Ele usava um terno de risca de giz e começou a mandar ver. Era o Charlie Parker. Foi extremamente impressionante. Ele podia fazer qualquer coisa com aquele instrumento. Tecnicamente, ele era brilhante e inovador, mas também havia emoção e grande sensibilidade. E quando terminou, você sabia que tinha ouvido algo muito, muito especial. Foi como se tivesse aberto um mundo novo.
RG: Obviamente isso afetou suas ideias sobre música, mas ter vivido essa experiência com o Bird te deu também uma nova visão em termos de criatividade ou espontaneidade?
Eastwood: Não sei se conscientemente deu. No que diz respeito aos grandes virtuoses do jazz, como Louis Armstrong, que eu também vi muito quando era criança, o jazz sempre representou uma espécie de liberdade de expressão. Liberdade em geral, mas liberdade de expressão de um modo artístico. Então, ver algo tão novo como o Charlie Parker foi como quebrar uma barreira.
As pessoas muitas vezes não percebem isso hoje, porque o Bird foi tão negligenciado historicamente, assim como muitos desses caras foram, mas o Bird foi responsável por tantas inovações em ritmo, harmonia, melodia, entonação, improvisação e muito mais. Muitos dos imitadores dele receberam crédito pelo que ele fez. Mesmo em sua época, os grandes saxofonistas não tocavam como ele, com aquelas notas duplas e todas as mudanças harmônicas que ele fazia. Ele era extremamente original e inacreditável de se ouvir.
RG: No modo como o jazz representava esse tipo de liberdade, ele também representava uma certa liberdade social ou política.
Eastwood: Sim, liberdade social também. É por isso que é a verdadeira forma de arte americana. É a liberdade com que os americanos sonham, uma liberdade idealizada através do som, de certa forma. Se todos os americanos têm esse tipo de liberdade é outra história. Eles sonham com ela, mas a maioria, infelizmente, nunca a alcança.
RG: É questionável que tipo de liberdade Charlie Parker atingiu em sua vida pessoal. Ele não tinha disciplina e, por muitos maus hábitos, acabou se destruindo. Também foi vítima do racismo. Havia clubes em que ele era a atração principal, mas tinha que entrar pela porta dos fundos. Mas musicalmente ele conseguia realmente se expressar através do instrumento. Existe uma liberdade nesse tipo de música.
Eastwood: Sim, isso mesmo. Por isso eu acho que o jazz foi essa forma tão autêntica de expressão americana.
RG: Você sempre foi um defensor dos direitos civis. A música dele e o jazz em geral contribuíram para suas ideias sobre isso e sobre as oportunidades sociais?
Eastwood: Acho que sim. Porque o jazz em si, se você olhar para as primeiras bandas e músicos em Nova Orleans e, mais tarde, quando eles se mudaram para Chicago e Kansas City, eles foram os pioneiros do que viria muito depois: uma sociedade mais integrada, uma nova sociedade. Todo mundo se dava bem porque estava interessado na mesma coisa. Não importava se eram negros ou brancos, eles tocavam juntos. Era uma subcultura do que só seria aceito de forma mais geral muito mais tarde.
Mas, mesmo assim, mesmo até o final da vida do Armstrong, quando ele tocava com o Jack Teagarden, as bandas eram divididas por causa da raça.
Não porque eles queriam, mas porque era a única maneira de conseguir as apresentações. Consequentemente, algumas orquestras eram totalmente negras e outras totalmente brancas, porque tinham que tocar em determinados circuitos. E não era só assim no Sul. Mesmo em partes do Norte do país, era assim que acontecia. Nos primeiros anos, a banda do Stan Kenton era toda branca. O Woody Herman era predominantemente branco, embora às vezes misturado mais tarde. E o Dizzy e o Count Basie e o Duke Ellington eram predominantemente negros. Tudo isso meio que era forçado. Você simplesmente não conseguia reservar uma banda se ela não fosse de uma raça só. Anos depois, Stan Kenton fez turnê com o Charlie Parker e foi um sucesso, mas isso aconteceu bem devagar.
No filme, o Charlie Parker leva o Red Rodney para uma turnê pelo Sul, e a maneira como eles contornaram isso foi o Bird apresentar o Red como um albino. O Red dizia que essa história era verdadeira, essa ideia maluca que o Parker teve. E o Red, claro, era um cara muito branco com cabelos ruivos. Ele subia lá e cantava essa música de blues e todo mundo ficava olhando, e nenhum policial parecia questionar. Tipo, “bom, se dizem que ele é albino, deve ser mesmo.”
RG: Uma das coisas interessantes sobre o roteiro é que ele emula a música do Parker. Existe uma espécie de liberdade estrutural, da forma como ele avança e retrocede no tempo.
Eastwood: Sim, isso reflete a música. Ele flutua para frente e para trás entre esses períodos da vida dele, e eu não queria fazer coisas condescendentes, como começar uma cena com “10 de julho de 1944” ou algo assim. Você simplesmente vai lá. Em geral, você está entrando e saindo dessas mudanças de tempo apenas pelos visuais ou pelo clima geral.
Eu não acho que seja algo que as pessoas tenham dificuldade em acompanhar, embora seja um filme para se prestar atenção. Você não pode simplesmente sair e, três 7-Ups depois, perguntar: “Onde eu parei mesmo?” Você tem que meio que ficar junto. Sobre as drogas na vida dele e a questão da integração, tentamos não enfatizar demais nenhuma delas.
Havia toques aqui e ali, mas tentamos não exagerar nada. Foi tudo tratado como parte do fluxo de eventos que contribuíram para a vida dele. Quero dizer, as drogas foram a ruína dele, mas foram apenas uma parte da história. O mesmo com a ideia de um casamento misto, tentamos não transformar isso num grande drama ou tratar como algo muito dramático, embora fosse para grande parte da sociedade na época. Basicamente, Charlie Parker e Chan eram apenas duas pessoas apaixonadas. Foi assim que vimos.
RG: Não sei como a maioria das mulheres vai se sentir, mas achei a Chan uma das caracterizações femininas mais completamente liberadas e independentes que já vi na tela. No contexto da história, ela estava muito à frente do seu tempo em termos de feminismo, e nunca era autoconsciente ou dogmática. Imagino, no entanto, que há 10 ou 15 anos, os estúdios teriam desencorajado um personagem assim, achando que o público em geral não estaria pronto para ela.
Eastwood: Sim, isso pode ser verdade. Suponho que em uma época você poderia ter sido incentivado a suavizar a forma como a retratamos. Mas eu não vejo isso como um problema agora, o que mostra como as coisas mudaram. Mas, essencialmente, ela era apenas assim.
Chan era um espírito livre, que fazia o que queria. Convenções sociais e tudo isso não significavam muito para ela. Ela era uma pessoa forte e, definitivamente, a mais forte dos dois (entre ela e Parker). E quantas garotas e mulheres jovens estavam largando tudo para viver com músicos naquela época, especialmente músicos de jazz, que viviam meio à margem das coisas? Não era como sair com grandes astros estabelecidos, como Tommy Dorsey ou Harry James. Esses caras tinham um estilo de vida muito diferente.
Mas, novamente, não estávamos tentando fazer uma declaração com essa personagem. Ela era apenas um tipo de pessoa muito diferente para aquela época.
RG: Como ela está hoje em dia?
Eastwood: Ela mora na França, a cerca de uma hora de Paris, numa pequena cidade. Ela tem outra filha do casamento com Phil Woods, com quem se casou depois de Parker. Ela é ótima de conversar, uma grande fonte de informações sobre o Bird e aquela época.
RG: Voltando à personagem Chan, ela não é exceção a muitos dos personagens femininos dos seus filmes. Suas personagens femininas sempre foram bem fortes e independentes. Marsha Mason em Heartbreak Ridge, Geneviève Bujold em Tightrope, Sondra Locke em The Gauntlet ou Sudden Impact. Kay Lenz em Breezy, Shirley MacLaine em Two Mules for Sister Sara. Esses são alguns que vêm à mente.
Eastwood: Sim, é meio irônico. No começo, questionavam muito os papéis que as mulheres tinham em alguns desses filmes. Agora, tem gente me chamando de diretor feminista. O tempo todo eu só achei que estava dando às mulheres bons papéis para interpretar, algo que sempre diziam que faltava.
Os filmes que eu gostava quando era criança geralmente tinham mulheres em papéis fortes. Barbara Stanwyck, Bette Davis, Joan Crawford, Katherine Hepburn. Todas podiam se equiparar a qualquer ator.
Eu acho que o segredo para um personagem masculino bem definido é ter um complemento feminino forte. Ela poderia até ser a antagonista em alguns casos. Mas acho que é importante, só por razões dramáticas, ter esse equilíbrio.
Clark Gable em It Happened One Night só foi tão eficaz quanto a personagem que a Claudette Colbert teve que interpretar.
Nos filmes em que eu apareço, se o personagem que eu interpreto aparece com alguma criaturinha meiga e angelical, acho um saco tanto para mim quanto para o público. Eu prefiro não fazer filmes onde só tem um teatro cheio de caras e uma garota que foi arrastada para lá pelo irmão.
Eu sempre gostei de mulheres que conseguiam fazer alguma coisa ou que tentavam. Mesmo que fossem donas de casa, que tentavam fazer o melhor que podiam, seja lá o que fosse. Mesmo nos anos cinquenta, eu defendia que as mulheres deveriam ter mais escolhas em suas carreiras.
RG: Você não tentou dar à [atriz e diretora] Ida Lupino a oportunidade de dirigir “Rawhide” [o programa de TV em que você apareceu de 1959 a 1966]?
Eastwood: Ah, sim. Eu falei com os produtores sobre isso.
Eu sempre a admirei como atriz e já tinha visto alguns filmes que ela dirigiu e que eram muito bons. Então pensei: “Por que não tentamos conseguir a Ida Lupino para alguns episódios?” Mas os produtores disseram: “Como assim? Esse é um programa de homem.” Eu disse: “O que isso tem a ver? Não é como se ela fosse aparecer no enquadramento, fora de personagem ou algo assim. E ela já dirigiu ‘Have Gun Will Travel’ (outra série de faroeste para a TV) e todo mundo lá acha ela ótima.” Mas era uma época diferente e eu era um ator jovem, então não me ouviram.
RG: Obviamente, Bird é um filme com um elenco predominantemente negro e, essencialmente, sobre a cultura negra na América. O que as pessoas que assistem ao filme talvez não percebam é que também havia muitos membros negros na equipe de produção de Bird, e muitos deles em posições-chave. Isso me pareceu uma afirmação implícita para a indústria de que há muito talento negro que não é aproveitado, tanto na frente quanto atrás das câmeras. Birdteve, de longe, a equipe mais integrada que já vi em um filme de Hollywood.
Eastwood: No que diz respeito ao elenco, isso só se torna uma “afirmação” no sentido de que a história exigia que fosse assim, porque, claro, é como os personagens foram escritos. Mas existe uma tonelada de artistas negros maravilhosos por aí. E é ótimo que surjam histórias que possam usá-los. É uma pena que não haja mais.
O que é bom em Bird é que é uma história inteligente que não explora a experiência negra de maneira sensacionalista.
Com a equipe, também há muito talento negro e é um talento muito bom. Mas eu não os contratei porque eram negros. Eu os contrataria para qualquer filme. Eu simplesmente busquei as melhores pessoas que pude encontrar.
Acho que os profissionais negros de equipe foram negligenciados em outras épocas. Acho que muita gente foi, nos dias em que os sindicatos controlavam tudo e eram muito fechados. Você precisava ter um parente para conseguir entrar. Quando comecei no ramo, você não conseguia entrar na câmera, não conseguia entrar em nada disso, a não ser que tivesse um parente.
Atuar era a coisa mais fácil de entrar, mas a mais difícil de conseguir emprego, porque havia muitas pessoas concorrendo para cada papel. Mas no que diz respeito aos membros da equipe, era tudo controlado pelos sindicatos e eles eram baseados em antiguidade. Então as minorias ficavam de fora.
Depois, mais tarde, começaram a forçar a abertura para mais minorias, mas isso já deveria ter sido aberto antes. Sempre senti que tudo deveria estar aberto. Um bom exemplo era o sindicato dos operadores de câmera. Eles eram muito fechados. Você não chegava ali do nada.
A Directors Guild, quando você pensa em se tornar um assistente de direção (AD) agora — é difícil pensar em virar diretor algum dia, porque há todos esses vários programas pelos quais você tem que passar. Você precisa passar por algum tipo de teste e tem que fazer outras coisas. Antigamente, você contratava alguém porque achava que ele era bom. Hoje em dia, você tem os sindicatos ditando quem faz o quê.
RG: Você acha que isso afeta a qualidade do trabalho?
Eastwood: Bem, há pessoas muito boas lá. Mas o que isso faz é apenas limitar as opções. Para mim, quando o incentivo para trabalhar é forte, a qualidade do trabalho melhora. Mas há muitos bons profissionais que entram nesses sindicatos.
RG: A cinematografia de Bird é muito interessante. Como em muitos dos seus filmes, há sombras profundas e áreas de escuridão. Às vezes, o ator está iluminado apenas de um lado, com uma faixa de luz sobre os olhos. Em uma cena em particular, Bird está sentado em um apartamento conversando com Chan, e quase tudo na cena está escuro, exceto um pequeno brilho de luz no lado do rosto dele.
Eastwood: A iluminação usual em um ator é uma luz principal, uma luz de preenchimento e uma luz de fundo. Muitas vezes, especialmente no Forest, usamos apenas uma luz principal. Às vezes, a luz vinha direto de trás dele, então ele aparecia apenas como uma silhueta contra a fumaça. Não havia quase nada ali.
Uma das razões pelas quais fizemos isso foi para enfatizar o isolamento dele. Bird é muito um filme de “uma luz só”. Por “uma luz”, quero dizer a luz principal no ator. Às vezes, apenas uma luz de contorno, como você descreveu. Uma luz de contorno é quase como uma luz de fundo, mas vem um pouco mais para o lado. Geralmente, havia outras luzes na cena, mas iluminando apenas o fundo.
Eu disse ao Jack Green que queria abordar Bird como se fosse um filme em preto e branco. Já tínhamos feito isso antes, como em Tightrope. Você ilumina o filme para as superfícies e a profundidade espacial, mais do que para a textura das cores. Mesmo com os figurinos, eles tendiam a ser escuros e claros, em vez de muito coloridos.
Achei que era o jeito certo de fazer esse filme. O Jack trabalha comigo há muito tempo e estava em sintonia com isso. Costumamos gostar das mesmas coisas. Achei que o Jack fez um trabalho excelente.
RG: E quanto a dirigir o Forest Whitaker e a Diane Venora? Ambos estavam ótimos no filme.
Eastwood: Bem, eles são talentos incríveis, grandes talentos.
Eles realmente deram muito de si mesmos. São pessoas que gostam de se jogar de cabeça, de experimentar. Não precisei procurar muito para escalar nenhum dos dois. Vi a Diane numa fita de vídeo, nem cheguei a conhecê-la antes, e sabia imediatamente que ela era perfeita para a Chan. Eles dois fizeram muita pesquisa e preparação antes de começarmos.
Com o Forest, meu principal objetivo era deixá-lo confortável e seguro. O Forest, na vida real, é um cara mais introvertido. Meio quieto, mas muito talentoso. Às vezes você percebia que ele poderia duvidar de si mesmo. Então eu dizia para ele: "Você pode lidar com uma determinada cena de várias maneiras, mas lembre que seu personagem tem a capacidade de fazer algo melhor do que qualquer outra pessoa viva. Sabe, é um atributo subjacente que transpareceria em qualquer coisa que essa pessoa fizesse". E eu lembrava o Forest de que ele estava interpretando o Charlie Parker. Mas, na verdade, o Forest entendeu muito bem esse personagem. Eu achava que ele era quase perfeito para o papel.
Foi esse tipo de coisa. E depois, modificar o conjunto, manter o fluxo em andamento e trabalhar cada cena até ela parecer certa, de acordo com o que eu considero o "gosto do filme". Porque um diretor não é só um cara que anda por aí montando planos ou andando pelo set com um visor de câmera. Você tenta criar um ambiente confortável para todos, em que cada pessoa tenha orgulho da sua contribuição. E esses caras contribuíram muito.
RG: E você gosta de improvisar quando trabalha?
Eastwood: Ah, com certeza. Definitivamente. Eu nunca fico preso a nada.
Você revisita o roteiro na sua cabeça, visualiza o filme repetidas vezes. Então você vê os cenários e, às vezes, consegue captar visualmente as suas expectativas. Nem sempre, mas às vezes.
Com os atores, eu não planejo demais o que acho que eles deveriam fazer. Não gosto de sufocar as possibilidades. Gosto de ver como eles se sentem com a cena naquele momento. Para mim, a atuação é algo imediato. Eu percebo, em muitos filmes, que se eles são muito planejados, se o diretor faz muitas tomadas ou não sabe para onde ir em seguida, ou simplesmente vai muito devagar, a falta de energia aparece. São tecnicamente bonitos, mas a alma deles se perde. Eu só gosto de continuar em movimento, manter tudo vivo, para que você tome decisões instintivas, no reflexo, sem pensar demais. Quanto mais você tem tempo para pensar, mais você tem tempo para estragar tudo.
RG: E você gosta de filmar o ensaio, se houver um?
Eastwood: Sim, muitas vezes eu faço isso. É simplesmente mais imediato e isso aparece no filme. Aprendi que você tem que confiar nos seus instintos. Há um momento em que o ator acerta, e ele sabe disso. Quando você está atrás da câmera, sente isso ainda mais nitidamente. E uma vez que você sente, não pode duvidar de si mesmo.
Acho que dirigir um filme é enxergar o que está diante de você, ali ao vivo, acontecendo na sua frente. O Forest entra e depois a Diane entra e a cena simplesmente acontece, bem na primeira tentativa, na primeira tomada. Muitas vezes é um choque. Você diz: “Jesus, isso funcionou incrivelmente bem”. Mas você precisa ser capaz de dizer: “É isso que eu quero”, e seguir em frente. E se não está funcionando, você trabalha até acontecer, mesmo que seja na décima tomada. Mas se funciona imediatamente, você precisa ter a firmeza de dizer: “É isso. Está ótimo. É o que eu quero”. Porque você tem que saber o que está procurando, e se não souber, você não é um diretor, você está apenas chutando.
Qualquer um pode fazer um filme se filmar 40 ou 50 tomadas de tudo. Se você registrar material suficiente, pode montar tudo depois e tirar alguma coisa dali. Mas se vai ser bom ou ter alguma alma, isso já é outra história.
RG: Há uma frase importante no filme, quando o Bird está ouvindo “Firebird” do Stravinsky. Ele se vira para a moça que está com ele e diz: “Se pudéssemos ouvir todos os sons do mundo, ficaríamos loucos”. Achei que isso era a principal pista sobre o personagem dele, que provavelmente havia esse rugido dentro dele que ele tentava acalmar de alguma forma, através da música, ou das drogas, ou da bebida, ou de outra coisa qualquer. Ele diz para a Chan em um momento: “Você me traz paz”, algo assim. Parecia que ele sempre buscava algum tipo de paz para esses sons ásperos.
Eastwood: Bem, antes de tudo, o Parker se interessava por muitas coisas. Ele se interessava muito por outras músicas além da que tocava. Gostava de Stravinsky e de outros compositores do século XX. Ravel, Bartók, Debussy, por exemplo. E então, em outro ponto do espectro, Stan Kenton lembra de ter viajado com ele de carro para uma apresentação, ouvindo música country no rádio. E o Stan Kenton dizia para o Parker: “Você não quer desligar isso?”. E o Parker respondia: “Não, vamos ouvir”.
Ele era como uma esponja. Absorvia tudo. Outro dia eu estava ouvindo um teste que o Parker fez, aquecendo no estúdio para acertar os níveis de som para o engenheiro. Ele estava tocando e de repente entrou num ritmo escocês, uma pequena canção folclórica. Claramente ele ouviu isso em algum lugar e guardou na memória. O Parker simplesmente amava o som e amava experimentar.
Lembre-se, ele era um músico autodidata, e muito introspectivo sobre o que se podia fazer com um instrumento. Quando ele fazia um solo, ou quando improvisava, qualquer coisa podia acontecer
Ele era como uma antena para todos esses sons do mundo que ele conseguia ouvir, e ele os transmitia para o público ali mesmo, naquele momento. Talvez tocar fosse uma forma de dar ordem a todas essas impressões sonoras, a todas as coisas que ele ouvia o tempo todo.
Então ele era um homem de sensibilidade e sentimento incomuns. Junto com isso, ele não sabia como moderar as coisas, como fazer algo sem exagerar. Ele fazia tudo nos extremos. Ele era como todos os gênios, no sentido de que obviamente havia algo que os impulsionava. Você não espera que eles se submetam à convenção. Talvez eles ouçam coisas diferentes, vejam coisas diferentes, e por isso expressem o que outras pessoas não expressam ou não conseguem expressar.
Mas, ao mesmo tempo, o Parker tinha esse sonho de ter uma vida estável, de classe média, nos subúrbios ou no interior. Era o completo oposto da vida que ele levava, provavelmente até da pessoa que ele era. E quando ele tem uma aparência disso com a Chan, parece que ele não consegue suportar. Talvez fosse pacífico demais, mas era um tipo de fantasia que ele tinha. Então havia algumas contradições nele.
Quero dizer, ele usava drogas, a heroína, mas era contra outras pessoas usarem. Ele diz para o Red Rodney no filme: “Isso não vai te ajudar a tocar melhor. Isso não vai te fazer tocar como o Bird.” Ele era do tipo “faça o que eu digo, não o que eu faço”.
RG: Lembro de ter lido, acho que foi depois da exibição no festival de Cannes, onde te perguntaram: Por que o Bird usava drogas?
Eastwood: Aparentemente alguém achou que o filme não respondia isso de forma suficiente. E acho que é uma pergunta que ninguém pode responder de verdade. É meio como…
É, quer dizer, por que qualquer pessoa faz o que faz? Se alguém pula da ponte Golden Gate, por que essa pessoa fez isso? Será que todos os eventos da vida dela realmente se somam e te dizem a resposta?
O Parker foi meio mimado pela mãe. Ele não foi ensinado a ter muito autocontrole. A mãe dele trabalhava muito e o sustentava, e quando era adolescente ele praticava, tocava e saía para conseguir drogas. Ele poderia ter arrumado um emprego, mas não fez isso. Ela não obrigou ele a isso.
Claro que houve outros talentos — músicos, pintores, médicos, seja lá o que for — que trabalharam durante o dia ou estudaram à noite e se tornaram bons em algo. Essa era a forma deles.
Tudo o que você deveria ficar no final é com o porquê e o como, porque não é preciso ter todas as respostas. Não é simples. Eu não sei se alguém realmente sabe por que ele fez algumas das coisas que fez. Nós falamos com a primeira esposa dele, com quem o Parker se casou ainda adolescente, e ela não sabe por que ele usava drogas.
Me perguntaram sobre isso na França. Talvez exista outra forma de contar a história, mas eu contei a história que eu tinha. Eu realmente não acho que você poderia chegar muito mais perto de entender algumas das razões, no entanto.
RG: Bird teve um desempenho excelente na Europa, especialmente na França. Houve algo em particular que os europeus responderam bem no filme?
Eastwood: A maioria dos comentários foi de que era um filme feito com paixão, que eu tinha uma paixão por contar essa história. Foi basicamente isso, mesmo.
Mas fico feliz em dizer que as críticas foram boas, no Cahiers du Cinéma, no Libération, até mesmo em publicações de espectros diferentes. Tem uma publicação que, pelo que entendo, odeia tudo o que o Cahiers du Cinéma gosta, e vice-versa. Mas os dois gostaram desse filme.
Acho que os franceses gostaram do fato de que esse filme exigia algo do público. Eles gostam de ser desafiados. Um dos comentários que sempre ouço lá é: “O cinema de Hollywood não faz mais filmes para adultos?” O que não é bem verdade, mas eles perguntam isso.
RG: Uma coisa que queria te perguntar é que, em relação a muitos dos filmes em que você atuou, há uma consistência de trama, de certa forma, onde o personagem está situado entre forças morais opostas — que não são mutuamente exclusivas. Começa com “Por um Punhado de Dólares”, onde o estranho fica entre duas famílias em guerra e, depois, por extensão, entre o Exército dos EUA e o Exército Mexicano. Em “O Estranho Sem Nome” é entre os moradores da cidade e os fora-da-lei que os ameaçam. As simpatias do seu personagem não estão com nenhum dos lados. Ambos são imorais e antagonistas, com ele e entre si. Esse padrão se repete em muitos filmes: “Meu Nome é Coogan”, “Firefox”, todos os filmes de Harry Callahan, “Josey Wales, o Fora da Lei”, “Rota Suicida”, “Joe Kidd” e até mesmo em “Bronco Billy”. O que isso faz é enfatizar o isolamento do personagem e forçá-lo a um imperativo moral, a um individualismo que ele precisa assumir. Então, considerando o que eu penso ser a consistência desse padrão, é algo que você busca nesses papéis para você mesmo, ou que cria, ou que incorpora aos roteiros por conta própria?
Eastwood: Isso é algo que muitos desses personagens têm em comum, acho. Muitas vezes isso é moldado, e outras vezes é algo que eu acrescento. Mas isso não quer dizer que esses personagens sejam moralmente corretos só porque são moralmente sozinhos.
Todo mundo tem limitações morais. Cada um tem algum tipo de princípio, e a partir de seu individualismo eles traçam um limite para até onde vão. O valor moral de cada filme e de cada personagem varia, eu acho. “Bronco Billy” tem uma certa moralidade ligada à lealdade. Ele se humilha diante do xerife para conseguir tirar seu amigo da cadeia. O Billy é um verdadeiro patriota americano, mas ficaria ao lado de um amigo procurado pela lei como desertor militar.
O Tom Highway, em “O Destemido Senhor da Guerra”, se orgulha de suas conquistas militares, mas há uma mensagem no filme sobre machismo e uma certa crítica ao pseudo-machismo, de certa forma. Isso é retratado nas coisas absurdas que o personagem faz.
Mas apesar de suas falhas, esses personagens são indivíduos. O Harry, claro, é um indivíduo. Ele tinha uma certa filosofia que não conseguia fazer com que ninguém mais entendesse. Anos atrás, ele era considerado meio direitista, um conservador.
RG: Esse é meio que o meu ponto. Toda aquela história, anos atrás, de que o Harry era de direita ou um neofascista, como alguns críticos disseram, me parece que eles estavam falhando em ver o Harry num contexto mais amplo, nesse padrão onde as referências convencionais de moralidade ficam um tanto obscuras.
Eastwood: Bem, sim, não havia nenhum viés conservador. Na verdade, eram apenas críticos que viam tudo em termos políticos naquela época. Nós não estávamos contando uma história conservadora. Estávamos apenas contando uma história que envolvia vítimas, vítimas de crimes violentos.
Harry pergunta às autoridades: “Como vocês puderam soltar o cara?” E eles respondem: “Porque é a lei.” E o Harry diz: “Então a lei está errada.” Isso não significa que ele é fascista. Se o fascismo é a obediência cega à autoridade, então o Harry era justamente o oposto disso. Ele discorda da lei nesse caso. E muitas pessoas discordam da lei, têm dúvidas sobre ela. Todos os dias lemos sobre decisões que nos fazem perguntar: “Como eles puderam fazer isso?” Deve haver algum tipo de equilíbrio para evitar que um psicopata volte para as ruas e, potencialmente, cometa outro crime violento — que, na história, ele acaba cometendo.
Os tempos alcançaram um pouco o Harry. Hoje em dia existem organizações para vítimas e famílias de vítimas de crimes violentos. Mas naquela época, quando “Dirty Harry” foi lançado nos cinemas, não existia nada disso. A tendência era olhar sempre pelos direitos dos acusados, Miranda e tudo mais.
Estávamos apenas sugerindo que, nesse caso específico, um caso extremo, ninguém estava levando em conta a vítima, e havia um fator de tempo muito sério para a sobrevivência dela.
Eu não acho que alguém realmente acredite que um policial iria tão longe por alguém em perigo. Quer dizer, isso é meio exagerado.
Na maioria das vezes, você pensa: “Bem, você está fora do caso. Está encerrado.” Mas aqui estava esse cara, que vivia sozinho e era obcecado por seguir em frente. Esse era o romance, acho. Porque quem acredita que existe alguém com esse tipo de tenacidade?
Eu não concordo necessariamente com a filosofia do Dirty Harry até o fim. Também não discordo da importância dos direitos dos acusados. Mas estávamos contando uma história, um episódio na vida de um homem. Era uma história que valia a pena contar. Mas isso não significa que não faríamos também uma história sobre alguém que tenha sido falsamente acusado ou…
RG: Você fez esse tipo de história em “Hang 'Em High”. E depois teve o personagem English, o homem negro mais velho em “Fuga de Alcatraz” (dirigido por Don Siegel, assim como “Dirty Harry”). Ele foi preso por assassinar um homem branco que o provocou ou insultou racialmente de alguma forma. Se não me engano, foram circunstâncias bastante questionáveis e complexas.
Eastwood: É, isso mesmo. Ele foi injustamente ou de forma questionável colocado na prisão. Havia circunstâncias atenuantes, e o English estava amargurado, e com razão.
RG: Voltando ao “Bird”. Tem algo em particular no filme de que você se orgulha mais?
Eastwood: É difícil ser objetivo quanto a isso. Eu tenho orgulho de termos conseguido fazer o filme. Era um filme que estava destinado a não ser feito. Conseguimos fazer, e até um pouco assustados com isso, porque tudo parecia funcionar: todos os conceitos, a música original do Charlie Parker.
Além disso, parentes e amigos do Charlie Parker que assistiram ao filme ficaram emocionados com ele, e até um pouco assustados também, porque estavam assistindo a algo que viveram e reconheceram como característico do que aconteceu com eles e do que o Charlie Parker era. Acho que me orgulho tanto disso quanto de qualquer outra coisa.