Artigo | Filmografia Comentada
O VELHO, O NOVO E O QUE FICOU PARA TRÁS
Depois de reescrever esta introdução algumas vezes, decidi torná-la um texto separado, onde comento sobre o cinema de Clint Eastwood de uma maneira geral, incipiente, diretamente ligada ao artista e sua busca, deixando para esta introdução a tarefa mais importante, e menos atraente, de introduzir.
Comumente associado a figura do caubói preso ao passado, uma das primeiras coisas que se descobre ao conhecer sua filmografia é como o próprio fez questão de se distanciar disto. Em mais de meio século como diretor, Eastwood fez alguns faroestes, mas também alguns romances, alguns crimes, alguns suspenses, alguns dramas. Todos muito seus, mas sem nunca imprimir um estilo que se tornasse reconhecível para além de que seus filmes “parecem seus” - algo que abordo ao longo do texto, e também na conversa com Ruy Gardnier.
Em busca de uma maior organização do texto, dividi sua filmografia no que observo como fases, sejam elas narrativas, estéticas ou mesmo pessoais. Seu grande dilema, me é cada vez mais claro, é o da busca pelo passado, dos conflitos entre o moderno e o clássico, da impossibilidade de se viver no tempo presente.
Ao que o texto de Michel Mourlet, que deságua nas teorias macmahonianas, me parece mais do que apropriado.
“Dentre os objetos cuja nomenclatura constituiria um catálogo precioso, refinado – jóias gravadas em fogo sobre peles foscas, carros riscando o espaço com traços flamejantes, jardins em flor, robes entreabertos, aldeias à beira mar, ou ainda, numa outra série, navios longilíneos, choques de armas, robes esvoaçantes, casacos rasgados sobre o peito do herói – o objeto privilegiado é, portanto, a imagem de nós mesmos, o ator. Porque o cinema é um olhar que se substitui ao nosso para nos dar um mundo em acordo com nossos desejos, ele nos colocará sobre rostos, corpos radiantes ou feridos mas sempre belos, dessa glória ou desse fracasso que testemunham uma mesma nobreza original, de uma raça eleita que, com embriaguez, reconhecemos nossa, último avanço da vida rumo a deus.”
O PASSADO NO CAMINHO DO PRESENTE
Play Misty For Me; High Plains Drifter; Breezy; The Outlaw Josey Wales
A sequência de créditos iniciais de Play Misty for Me (1971) começa com um plano geral de uma costa marítima, que se aproxima até que vemos uma casa costeira, de arquitetura entre o rústico e o moderno. Um movimento de câmera semelhante àquele que Hitchcock executa em Notorious (1946), indo de um plano geral da festa até a chave nas mãos de Ingrid Bergman.
A seguir, vemos um homem (interpretado por Eastwood) olhando para o mesmo mar, em um contraplano até um pouco desajeitado. Ele volta em direção a casa até que, por um vidro, vê uma pintura de si mesmo - não muito diferente do que faz Judy, vestida de Madeleine, observando o quadro de Carlotta, em Vertigo (1958), cena que Eastwood parcialmente recriaria em Absolute Power (1997).
É o tipo de dispositivo que pode ser encontrado por todo o seu cinema, que não necessariamente transforma e rege os filmes em torno de si como faz, por exemplo, Brian De Palma, mas que comprovam uma dualidade mais do que curiosa acerca de sua identidade artística.
Como aponta um dos nossos escritores em texto sobre a estreia de Eastwood no Western, o que chamou a atenção de Sergio Leone para o jovem ator foi justamente a ausência de interpretação. Com Eastwood, há a possibilidade de mascarar sem falsificar, de conceber um personagem sem precisar criá-lo a partir de um processo interpretativo. Algo ecoado e mais elaborado no texto que resgatamos aqui de Mauro Baptista, sobre as influências de Chekhov no estilo de interpretação de Eastwood, e como esse migrou também para seu estilo como diretor. Uma espécie de polimerização imediata com o protagonista da trilogia dos dólares, devidamente batizado de o homem sem nome.
Não surpreende, portanto, que ele tenha carregado o estigma do personagem que o consagrou antes mesmo de sua carreira de diretor começar: é estranho imaginar Eastwood, com sua figura intimidadora, relíquia de um passado retrógrado, como um artista sensível e atento à tendências contemporâneas. Pode se dizer que, nesta primeira sequência de seu primeiro filme, o próprio entende a figura que representa mas, de algum modo, quer deixá-la envidraçada, separada do homem que se expressa por meio de sua arte.
Assim, é interessante pensar em Play Misty For Me - suspense onde Eastwood é anfitrião de um programa de rádio que começa a ser perseguido por uma fã - como uma tentativa consideravelmente dedicada de se adequar ao cinema “moderno” sendo feito nos Estados Unidos, postulado por nomes como o próprio De Palma, que seriam mais tarde associados a tendências maneiristas. Eastwood retomaria elementos semelhantes no futuro, mas há nesta sua estreia algo que se tornaria cada vez mais raro em sua filmografia: em diversas cenas a câmera invade o plano, o altera, o evidencia. Em outras tantas, a evidência fica por conta do plano em si:
Papel que, no filme seguinte, seria do próprio Eastwood. Em High Plains Drifter (1973) ele encarna mais uma vez o homem sem nome ao chegar, fardado de cauboi, em uma pequena cidade do velho oeste. Em um entrave anacrônico, com a cidade sendo construída ao mesmo tempo que já existe como cenário cenográfico, a figura ambígua do protagonista é transformadora, trazendo, ao mesmo tempo, agouro (em uma infame cena de estupro) e salvação (protegendo a cidade de invasores). Ambos os sentimentos comunicados pela maneira como Eastwood enquadra a si mesmo perante o cenário: um split diopter no primeiro plano, uma centralização romântica no segundo que destaca a falta de equilíbrio na composição, plongés para que pareça maior no terceiro.
Talvez tenha faltado algum tato em balancear esta ambiguidade para que a discussão que surja seja sobre o preço da justiça, mas é interessante ver elementos que se tornariam tão recorrentes em sua carreira antes de serem emulsificados por suas habilidades refinadas como realizador.
Chama atenção também o contraste narrativo entre estes dois primeiros filmes: enquanto o primeiro apresenta um thriller hitchcockiano com um nível elevado de estilização - específico nas intervenções da câmera, expansivo quando pensamos no filme como um veículo de repetição da mesma ideia (o suspense surge, afinal, da repetição da música) -, o segundo é uma narrativa reminiscente de Os Sete Samurai (1954), de Akira Kurosawa, um “personagem X tem que fazer Y para que Z não aconteça”. O diretor japonês, inclusive, me parece uma influência central e pouco comentada em seu cinema, tanto no uso de motes (o samurai pelo caubói) como em histórias que se baseiam na ambiguidade.
Ambiguidade esta que está presente em seu outro lançamento de 1973: quase uma versão/continuação da Nova Hollywood (como um movimento mesmo) de Lolita, Breezy é um de seus filmes menos assistidos e incompreendidos. Emprestando a natureza de sua protagonista, o filme mostra a jornada sem rumo de uma hippie até que esta encontra um homem mais velho com quem se envolve. Aqui, Eastwood novamente cria cenas dispositivo para enfatizar aspectos temáticos (enquadrando de maneira invasiva a primeira cena de amor dos dois, evidenciando a diferença de idades e fases da vida por suas disposições na cena, alterando a profundidade de campo para aproximá-los quando separados), mas a evolução está na capacidade de síntese: se os dois primeiros são conscientes de seu gênero, Breezy é consciente de seu tempo.
De semelhante está a capacidade de sua protagonista de fazer o filme acontecer. Começamos com ela, acordando na casa de alguém e então embarcando em uma jornada pelos Estados Unidos pós-guerra do Vietnã, onde a juventude precisa se encontrar perante um período de questionamento da identidade de seu país. Sem necessariamente filmar isso como fez Hellman em Two Lane Blacktop (1971), Eastwood faz aqui seu primeiro filme político (e em que o próprio não atua, exceto como figurante em um plano no meio da multidão) por meio de uma cultura personificada em uma única personagem.
E embora estes primeiros filmes apresentem traços de um diretor talentoso, é com The Outlaw Josey Wales (1976) que Clint, ao meu ver, assina a entrada na guilda imaginária de grandes cineastas. Seu primeiro filme biográfico, e também seu segundo faroeste, inicia com um plano de um homem contra a luz: uma silhueta sentada em um pequeno morro. O contraplano nos mostra que, ao seu lado, jaz um túmulo. Momentos adiante, ouvimos o barulho de cavalos até que uma bandeira surge atrás dele, ao qual reage com um olhar penetrante, marcado por um machucado que cruza seu rosto. Trata-se de um homem que perdeu a família, e agora entra em uma jornada de vingança pelos campos inóspitos do sul dos Estados Unidos durante a guerra civil. Se High Plains Drifter era sobre o passado do cinema como mitologia, Josey Wales é sobre o passado dos Estados Unidos sob uma lente revisionista, que engrandece a figura de seu personagem real, mas sem encontrar qualquer prazer nisso.
Algo que pode ser percebido na consolidação de uma de suas poucas marcas visuais: constantemente filmando os personagens contraluz, é um filme iluminado de maneira contrária ao normal em Hollywood, ainda mais se considerarmos a história de redenção e vingança do protagonista. Aspecto que reforça a “sujeira visual” em um faroeste que não se orgulha de si mesmo, mais próximo de Monte Hellman que de Sergio Leone. Curiosamente, não me vem aqui qualquer semelhança a John Ford ou Howard Hawks para além de uma captura mais direta e gestual do mundo. Pois embora renuncie alguns de seus princípios modernistas, há pouco de clássico em um filme tão sombrio e dialético com seu passado, um passado constantemente no caminho do desenvolvimento das imagens e da imagem que se tem de Josey Wales.
Talvez as comparações com Ford e Hawks façam mais sentido quando pensamos em comparar o cinema de Eastwood com contemporâneos como Coppola ou Scorsese. Sua recriação a América é indubitavelmente menos afetada pela máquina hollywoodiana que ambos, e em momentos específicos Eastwood exibe um de seus traços mais fordianos, ao estar atento ao poder do gesto como registro espontâneo e reservado ao momento, seja ele cênico (o cuspe repetido) ou uma sucessão de planos (a ritmagem que se repete nos momentos anteriores à tormenta, que se transportam entre si representados na figura escura do protagonista sentado olhando para o fora de campo - ou para lugar nenhum). E enquanto a dupla herdou de sua própria cinefilia, Eastwood herdou de uma mistura mais complexa, essa também fordiana: a ambiguidade de amar uma América regada a sangue, a capacidade de tonificar cenas a partir de gestos humanos, a busca por essa humanidade pelos meios práticos de um ator tornado diretor.
Josey Wales é um filme muito mais feio que Apocalypse Now (1979), por exemplo, e que consegue existir tanto como projeto épico, como em suas especificidades particulares que independem da operação cinematográfica babilônica. É um filme muito menos bem intencionado que Assassinos das Luas das Flores (2023), por exemplo, mas também muito mais sensível aos nativos, sua terra e seus modos, justamente por evitar a proliferação do papel do diretor como novo senhor de engenho, como corruptor de uma visão em cena que não o pertence.
Se observa, nessa primeira fase de sua carreira que tentativamente amarro com estes quatro filmes, uma tentativa de estabelecer contato com o mundo que filma, encontrando suas histórias pelo zoom, às pegando em caronas, filmando a construção da América em cima de pilares que seguiria questionando ao longo dos anos. O que não é possível é dizer que há, em qualquer destes filmes para além da atenção ao gesto, mais latente em Josey Wales, quaisquer sinais de classicismo, de tentar emulá-lo ou imitá-lo. Entre gêneros e seus motes, entre referências e suas consequências, um cineasta que nasce mais moderno do que clássico pois precisa, justamente, olhar ao passado para filmar o presente, e que é incapaz de filmar o presente sem estar em constante diálogo com o tempo.
ENTRE O HEROISMO E O ROMANCE, AMBOS AMERICANOS
The Eiger Sanction; The Gauntlet; Bronco Billy; Firefox
A próxima seleção que tenho aqui me parece ser uma de auto-reconhecimento, com Eastwood interpretando tipos comuns da filmografia norte-americana enquanto assume sua mistificação como figura multifacetada. Um professor que na verdade é agente secreto, um policial que se apaixona por uma testemunha que tem que proteger, um ex-piloto da guerra no Vietnã chamado para derrotar os Soviéticos.
Porém se todos esses são interessantes por um motivo ou outro (mesmo o absurdo e desorganizado The Eiger Sanction), nenhum me parece tão bem realizado como Bronco Billy (1980), filme farsesco, onde Eastwood e seu bando circense interpretam, consciente da impossibilidade de o serem, caubois, sem casa e causa, roubando trens não por necessidade, mas por reverência. Há aqui algo de singelo, de um Eastwood reconhecendo que não pode de fato fazer renascer este mundo de outrora, de que ele pode ser abordado apenas por meio da encenação. Um filme, entre outras coisas, sobre o que Bruno Andrade se refere como a impossibilidade do classicismo.
Um tema que se torna recorrente e referente a este período de sua carreira é a presença de Sondra Locke (em The Gauntlet e Bronco Billy), amante de Eastwood que, desde Josey Wales, é atacada por homens com o intuito de violá-la, e que por sua resistência desperta paixão nos protagonistas interpretados por ele. Em Bronco Billy, Locke passa por um belo processo de aderir à farsa, de se deixar levar pelo mundo circense, de não apenas complementar a fantasia do protagonista, mas de vivê-la junto com ele - um paralelo mais do que interessante com a vida pessoal do casal, ambos casados com outras pessoas, mas vivendo um amor de anos dentro dos sets de filmagem.
Mas se esta sequência de filmes me parece menos robusta que a anterior, sua despedida é fundamental para a próxima: a imagem final de Firefox (1982) mostra um caça pilotado por Eastwood se afastando em direção ao céu azul. Seu filme mais burocrático, lembrando os filmes de comitê de especialistas empenhados em resolver problema X que inexplicavelmente se proliferaram pelos Estados Unidos, a cena me parece o momento final de reconhecimento que Eastwood não poderia fazer parte de nenhuma destas instituições que, em seus êxitos e falhas, tentam representar a América. Quando seu caça desaparece no horizonte, ele volta a ser um forasteiro.
ENCARANDO A SOLIDÃO
Honkytonk Man; Sudden Impact; Pale Rider
No mesmo ano de Firefox, Eastwood lança a primeira de suas duas obras máximas. Após recusar as instituições e a tecnologia, Honkytonk Man (1982) volta para a estrada de chão batido, para se reencontrar com uma arte que havia lhe escapado a vida toda. Apaixonado por música, Eastwood compôs grande parte de seus filmes, mas nunca conseguiu se lançar como artista independente de sua produção cinematográfica.
O filme é justamente sobre isso: atuando ao lado de seu filho, Eastwood interpreta um cantor country que deve cruzar parte dos Estados Unidos para participar de uma sessão de gravação que pode mudar sua vida. Trata-se de um road movie onde, pela primeira vez, Eastwood olha para a própria finitude: o homem sucumbindo sob a figura. Apesar do tom caloroso e das situações absurdas que se envolvem Eastwood e filho (que interpreta um sobrinho, na verdade), é também seu filme mais solitário: dono de um passado vasto e de um futuro incerto, Red Stovall parece mais do que ciente de que viveu uma vida que não queria, e agora está preso a ela. Em uma das melhores cenas de sua carreira, o protagonista descreve um antigo casamento enquanto dirige pela noite, brevemente acessando um passado que ainda o assombra.
E esta solidão toma outras formas: se em Honkytonk Man ela é espiritual, em Sudden Impact (1983) ela é institucional. No filme, Eastwood volta a ser um policial, mas um que recusa as ordens e modos da polícia, em busca de limpar o mundo da maneira que acha mais justa. Filme atormentado por uma memória estilizada, vemos novamente Sandra Locke, desta vez como sobrevivente de um ataque semelhante aos que escapou nos filmes anteriores, e determinada em executar vingança. É seu filme mais hitchcockiano desde Play Misty For Me, cultivando diversos pontos de conversa com a sequência hitchcockiana de De Palma nos anos 80 (na foto abaixo, um plano digno de um giallo). É também o primeiro onde Eastwood e Locke estão em pé de igualdade, encenando uma espécie de filme duplo que culmina na cena de um jantar onde, em contraplano destacados e alheios ao lugar, os dois se alinham em suas respectivas solidões.
Já em Pale Rider (1985) a solidão volta a ser cinematográfica. Em uma espécie de refilmagem de High Plains Drifter, mas substituindo o disruptivo pelo enigmático. Cavalgando solitário e vestindo um colarinho de padre, O Pregador é um dos personagens mais curiosos da carreira de Eastwood. Supostamente inspirado em uma passagem bíblica, e referido como “um fantasma” pelo diretor, sua chegada condiz com a reza de uma jovem pedindo proteção a seu vilarejo - o que torna esse também uma espécie de remake de Shane (1953) sem as roupas de filme família. De certo modo, a jovem é uma reiteração tanto do pequeno rapaz no filme de George Stevens, como de Sondra Locke, pois esta é salva por Eastwood e então desenvolve uma paixão platônica por ele (assim como sua mãe, também mais nova que o diretor, em dinâmica semelhante à de Shane).
O que me leva ao questionamento: houve diretor mais apaixonado por sua figura como Eastwood? Houve alguém que mais usou a máquina de Hollywood não só para expressar sua visão artística (muitas vezes sucumbida à sua própria figura, como Ford) como para preservar sua mitologia?
O contraplano dos bandidos vendo o homem no fim da cidade, em frente as montanhas, o engrandecem como mito, e a maneira como ele aparece e desaparece dentro da cidade transforma também o mito em fantasma. Sempre que filma, Eastwood assombra a si próprio, com a mesma paixão velada, mas também o irrestrito medo da morte que ele combate, filme após filme, ao preservar a si mesmo como talvez o único homem que viveu mais dentro do cinema do que fora. E dentro dos limites da tela, como apontam os picos das montanhas que ele tanto gosta, faz um frio que supera a aridez do deserto.
UMA CRISE MULTIFACETADA
Heartbreak Ridge; Bird; Pink Cadillac
Chamo esta seção de crise menos pela qualidade dos filmes e mais por parecer um período de perambulação - tanto em frente as câmeras como por trás delas. Nestes três filmes, é possível perceber três crises distintas.
A primeira delas vem em Heartbreak Ridge (1986), filme sobre um veterano de guerra que tem de treinar e liderar um grupo de jovens para realizarem uma invasão em Granada. Se Honkytonk Man havia sido a primeira instância em sua carreira onde Eastwood propôs uma conversa entre o passado e o futuro por meio da genealogia, a partir dos anos 90 isso se tornaria algo patente em seu cinema. Algo que este filme aponta apostando em um caráter adotivo: ao mesmo tempo que encontra afinidade com aquele grupo de jovens, Eastwood reconhece que seus modos estão de certa forma ultrapassados, e que isso acarreta em uma latente solidão que parece o impedir de se reconectar com o mundo.
Apesar desta dialética substancial ainda é um de seus filmes menos graciosos, com muitas cenas simplistas de homens sendo homens - talvez seu maior filme de pai. A própria invasão parece empalidecer perto de outros filmes do mesmo período (penso em Kubrick e Full Metal Jacket), filmada de modo entre o prático e o desleixado que se assemelha a um projeto de orçamento de bolso. Curioso também como foi um sucesso considerável de bilheteria, talvez por colocar a figura de Eastwood em um tema que supostamente se associa à sua posição na cultura norte-americana.
A outra crise que se estabelece nestes filmes é a espiritual. Seis anos após Honkytonk Man e em paz com sua relação com a música, Eastwood decide filmar uma história inteiramente externa à sua. Em filme sobre a vida de Charlie Parker, Eastwood faz um filme inesperado, experimental, narrativamente abstrato e que se afasta vertiginosamente de Heartbreak Ridge com a exceção de que o coadjuvante principal daquele filme, um jovem músico negro, agora toma parte central da narrativa. Trata-se de um retrato ao mesmo tempo mundano e conceitual da vida de Parker, em um filme fragmentado tanto na montagem como no posicionamento das câmeras. Se suas narrativas são todas objetivas e concentram seus significados em metáforas textuais e visuais, Bird (1988) é uma amálgama quase amórfica, um filme que reside em uma familiaridade dolorosa aos personagens, mas que representa mais a interpretação de seu realizador daquelas sensações do que busca um retrato fidedigno da realidade. O deslocamento temporal da narrativa (o filme vai e volta de diferentes períodos e em muitas vezes por cenas periféricas, que mostram uma cena familiar, ou uma não-cena, onde Parker é deixado sozinho em um cômodo), inclusive, é talvez o mais próximo que Eastwood esteve de suspender o tempo, em busca não do passado que insiste em retornar aos e nos seus filmes, mas em uma espécie de transe que assume a impossibilidade de remediá-lo: em entrevista, que traduzimos aqui, Eastwood diz que as pessoas próximas a Parker que conversou se emocionaram com o filme, e não é pra menos. Não são feitas concessões, nem transformações (como aconteceria em alguns de seus filmes futuros).
É um outlier em sua filmografia ainda mais se pensarmos que seu próximo filme foi Pink Cadillac (1989) - que Eastwood não assina mas supostamente dirigiu. Nessa espécie de re-edição de Bronco Billy, Eastwood divide essa suposta crise identitária (do realizador, ator, produtor) com o protagonista do filme, que constantemente se fantasia e encena suas fantasias para conseguir o que quer. Igualmente itinerante ao filme dos caubóis de circo, Eastwood condensa todo este dilema em sua figura, mas sem a graciosidade que faz daquele um de seus melhores filmes. Me lembrou One From The Heart (1981), do Coppola, em seu uso de cores e cenários expansivos, mas é também seu comentário político menos substancial - os vilões do filme são um núcleo neo-nazista que, talvez excluído, teria beneficiado um filme que poderia se preocupar apenas com o que é: uma jornada errante de um personagem cuja paixão, e não o talento, é encenar.
O HOMEM, O MUNDO E O CINEMA: UMA DÉCADA (QUASE) PERFEITA
White Hunter, Black Heart; The Rookie; A Perfect World; Bridges of Madison County; Absolute Power; Midnight In The Garden of Good and Evil; True Crime
A carreira de Eastwood pode ser descrita, desde o primeiro plano de Play Misty For Me, como uma dança oposta àquela que se vê em Fort Apache (1948), obra prima de John Ford que tem Henry Fonda executando uma dança tradicionalista por obrigação moral e institucional (como um general do exército, ele tem de abrir a pista) enquanto não esboça uma única expressão que não a de cara fechada, determinada em seguir seus deveres, que exibe o filme todo. Se em Ford a humanidade se concilia e se revela no caminhar das instituições norte-americanas, em Eastwood a relação é muito mais dialética, e conta com o cinema, e todo seu passado, como mediador.
Os anos 90 foram, talvez, o último grande respiro do cinema americano como indústria artística, onde cineastas mainstream, novos e velhos, reagiram às novas escolas surgindo ao redor do mundo - em especial as iranianas e chinesas - e à todo o fervor da virada do milênio. Eastwood, que já começou na direção olhando para o passado e para si próprio, nunca foi de experimentar para além de seus dispositivos (com a possível exceção de Bird), e embora seja possível dizer que alcançou o ápice de seu próprio estilo nos anos 90, isso não passou de uma reiteração, uma revisita do que já havia feito anteriormente: questionar o mundo e a impossibilidade de se adequar a ele justamente por ser impossível resgatar o passado onde seus protagonistas insistem em viver.
O primeiro destes filmes é White Hunter, Black Heart (1990), uma biografia levemente disfarçada sobre as filmagens de The African Queen (1951), onde Eastwood interpreta um diretor baseado em John Huston que, obcecado com filmar na África e com caçar um elefante branco, coloca os membros de sua equipe em risco. É um filme que me lembra Hatari (1962), de Howard Hawks, tanto pelo cenário como por sua delicada relação de colonialismo e imersão cultural: há no personagem de Eastwood muita curiosidade em fazer parte daquele local, mas também uma barreira que se mostra intransponível no ato final. Incapaz de atirar no elefante, o diretor volta para sua cadeira e, finalmente, inicia a realização do filme dentro do filme (ao contrário de tantos outros, este termina com ele se aproximando da câmera).
De certo modo, temas comuns à Eastwood: a linha tênue entre a encenação e a realidade, o questionamento das bases fundadoras de um país colonizado e colonizador, a relação entre o diretor e o ator, entre a poesia do artista e o trabalho manual por trás de um filme. Mas os tempos eram outros de quando Huston e Hawks filmaram a África. A televisão trouxe as imagens do outro lado do Atlântico sem que estas fossem processadas pela pesada máquina hollywoodiana, e o continente que antes parecia um grande safari de exploração exótica agora era habitado por rastros de destruição e miséria deixados pelo colonialismo. Ambiguidade que Eastwood, sempre atento, imprime em seu filme - ela nem sempre se paga, porém, pois foi um dos fracassos mais retumbantes de sua carreira.
É possível dizer que tanto este filme como The Rookie (1990) fazem parte da dita crise, que o viu emplacar três fracassos seguidos nas bilheterias (somando-se a Bird). The Rookie, inclusive, é um dos filmes mais curiosos de sua filmografia: o mais próximo que chegou de fazer pastiche, temos Sônia Braga lambendo a testa de Eastwood e Charlie Sheen casado com uma das atrizes de Twin Peaks. Puro suco de uns anos 90 ainda engatinhando, e único empecilho em chamar uma sequência absurda de filmes de perfeita.
Pois em 1992 Eastwood retornaria com Unforgiven (1992), talvez sua marca registrada como diretor. Revisitando pela primeira vez o faroeste desde The Pale Rider, Eastwood realiza, ao lado do diretor de fotografia Jack N. Green, talvez seu mais belo e característico plano: após cavalgar para longe da câmera e da pequena cidade na qual executa sua vingança, William Munny (em um prólogo de um único plano) volta à sua casa onde o vemos apenas pela silhueta contra o céu poente, enquanto esta se aproxima dos túmulos que iniciaram sua jornada. Uma cena que, por meio do plano final de Firefox, retorna espiritualmente a Josey Wales, agora como um mito cansado, desgastado e profundamente infeliz de ter de mais uma vez deixar seu pequeno pedaço de mundo. Pois o mundo que o espera lá fora, fica cada vez mais claro, não lhe pertence mais.
Um ano depois, Eastwood lançaria A Perfect World (1993), filme protagonizado por Kevin Costner - um dos poucos atores de calibre semelhante ao seu dentro do estereótipo “machão americano” - enquanto ele próprio tomaria um papel secundário. Uma espécie de road movie do crime, vemos Eastwood como um chefe de polícia que persegue Costner enquanto este foge na companhia de um garoto que pega como refém.
Filme irmão de Honkytonk Man, A Perfect World segue a descentralização do mito proposto desde Bird e acentuado em Unforgiven. Embora ainda sejam os personagens que movam as histórias, o scope nos permite enxergar uma quantidade expressiva de espaço ao fundo de seus rostos e corpos: as estradas, os campos, os horizontes. Seus protagonistas, mesmo que em processo de mitificação (geralmente pelo misto de talento, charme e masculinidade), são cada vez mais calejados não por suas imperfeições, mas pelos fatores que compõem a América na qual vivem, e que os exprimem no quadro ao mesmo tempo que os engrandecem. O homem, por estes filmes, tenta, mas o mundo o impede de viver uma vida plena. Algo exemplificado no plano inicial: Costner deitado na grama, em contato com a natureza e, como descobrimos em sua re-aparição no final, esperando a morte.
Mas se cada vez mais é possível perceber um sentimentalismo que humaniza a figura (e as figuras) do diretor, nada poderia preparar para o filme seguinte. Entre Bird, White Hunter, Unforgiven e A Perfect World há um evidente processo de refinação de seu cinema, tanto na materialização da busca narrativa, como no empregar de características de seu estilo, mas é no próximo filme que Eastwood condensa toda sua carreira, ao passo que se posiciona levemente distante a toda ela.
As Pontes de Madison (1995) não apenas é o melhor filme de Clint Eastwood, mas também um dos melhores dos anos 90 e, talvez, o último grande romance norte-americano. Como assino um artigo específico sobre o filme nesta edição, me atenho aqui a comentar apenas seu papel nesta sequência de filmes: se a carreira de Eastwood é pautada (e curiosamente não marcada) por uma variedade constante de gêneros, é curioso como seus filmes dos anos 90 parecem revisitar obras passadas, como se Eastwood já tivesse virado seu próprio gênero. Pink Cadillac para Bronco Billy, Unforgiven para Josey Wales, A Perfect World para Honkytonk Man. No caso de As Pontes de Madison, novamente temos uma diferença considerável de idade (Streep tinha 46, Eastwood 65), mas é ele quem vem e vai como a brisa.
Chama atenção também a diferença da estrutura do filme em comparação com os outros: se há um processo de isolamento de seus protagonistas, de se afastarem (em uma fazenda isolada), exilarem (em outro país) ou fugirem do mundo (em um carro pela estrada), aqui o que tenta Robert é justamente apresentar o mundo a Francesca. Na dança dos corpos dos dois atores há uma dialética constante, do homem livre e da mulher presa, da moral e do desejo, do conservar e do experimentar. Conforme se desviam e se aproximam, se evitam e se atraem, cria-se um senso de pertencimento dentro de cada cena, que dá tempo aos planos se conectarem e acontecerem no espaço delimitado da casa, enquanto a narrativa (basicamente um flashback a partir de uma carta, lida pelos filhos órfãos de Francesca) impregna estas imagens com a efemeridade de uma memória de verão.
De certo modo, um filme que faz Eastwood parar em sua jornada cinematográfica, procurando abrigo em um cenário que não sabíamos estar em seu catálogo. Apropriado que interprete um fotógrafo, e que a história de Robert e Francesca tenha se limitado àqueles quatro dias. Em Eastwood, é impossível viver o passado, e ao estar constantemente se relembrando, e se torturando, com isso, é impossível também existir no presente.
Se podemos chamar esta fase de sua carreira de crepuscular (podemos lembrar do plano final em Unforgiven, do amor tardio em Pontes de Madison), é também quando parece estar no domínio completo de suas faculdades como artista, ao que sua próxima dobradinha seria reveladora. Absolute Power e Midnight In The Garden of Good and Evil foram ambos lançados em 1997 e, como descrevo no texto sobre o primeiro filme, também elencado nesta edição, revelam muito sobre seu estilo e suas influências.
Me interessa aqui, no entanto, uma espécie de trilogia destes filmes com True Crime (1999), centrados todos na impossibilidade da verdade por meio do testemunho. Admirador confesso de Rashomon (1950), clássico de Akira Kurosawa sobre um julgamento onde vemos quatro versões diferentes dos acontecimentos, Eastwood tece três narrativas distintas quanto a relação do homem com a justiça.
Na primeira delas, o próprio interpreta um ladrão de jóias que testemunha um assassinato envolvendo o presidente dos Estados Unidos. Nos interessa justamente a cena capital do filme quando, por meio de uma câmara obscura cuja porta é espelho de um lado e janela de outro, o ladrão, que passa seu tempo recriando quadros, assiste ao crime. Trata-se de uma iteração radical de seu isolamento da instituição americana, onde o dispositivo fílmico influi em sua relação com o mundo: vendo por uma “tela” sua corrupção, o ato de assistir filmes como um ato de se auto-sequestrar pelas imagens que vê. Um filme entre o Hitchcock e o Lang, que usa do dispositivo também para materializar a trama rashomônica, transformando ele, o artista, na testemunha.
Já em Midnight… vemos um jornalista que chega à bela cidade de Savanah, na Georgia, para escrever um artigo sobre as famosas festas de Natal do colecionador de arte Jim Williams (homem real). Atuando como uma espécie de etnógrafo, John Cusack conhece as particularidades e estranhezas da comunidade local e lentamente começa a se tornar parte destas, até um assassinato chocar a comunidade (também, um caso real). O mais próximo que Eastwood chegou da cosmologia é também um dos mais curiosos, exóticos e geniais trabalhos de sua carreira, pisando em território surrealista em um filme sobre a impossibilidade da verdade e, por consequência, da justiça.
O terceiro filme, e também o último de sua década de ouro, seria True Crime, onde Eastwood, um jornalista sénior, tenta provar a inocência de um condenado à morte antes do dia da execução. Além da continuação de seu interesse pela condição racial nos Estados Unidos, o qual aborda de maneira conciliadora, e de ser uma nova revisita de gênero (o filme de tribunal), é também uma espécie de canto do cisnes de Eastwood como homem representativo da própria figura. Pois, beirando os 70 anos, dessa vez seus casos são com mulheres que poderiam ser suas filhas e netas, ao passo que estas o enxergam como um homem irresistível. O que veem é a figura, não o homem, e se o filme não necessariamente comenta sobre isso, é inevitável não fazer o paralelo visto o que vem a seguir.
EM CONTRACAMPO COM O TEMPO
Space Cowboys; Blood Work
Por se filmar a carreira inteira, a filmografia de Eastwood tem algo que mesmo cineastas superiores foram incapazes de produzir: pelas rugas de sua pele e de seus cabelos cada vez mais grisalhos, seus filmes mostram o impiedoso e irrefreável andar do tempo. Ao que os anos 90 representaram um limiar, atingido após uma década de voltas ao passado (Unforgiven, As Pontes de Madison, a “trilogia” de reconstituição do passado) e reconhecimentos do presente (a própria condição, a imperfeição do mundo, o machismo, o racismo, a homofobia), de olhar para trás enquanto se tenta interpretar, e registrar, o agora.
Seus próximos dois filmes seriam justamente o próximo passo depois deste limiar. Em Space Cowboys (2000), Eastwood chega tarde pra festa com seu primeiro filme sobre o espaço, e também o primeiro que depende fortemente de efeitos especiais. É curioso que a jornada do filme, no entanto, seja totalmente física. Dessa vez casado com uma mulher mais próxima de sua idade, Eastwood tem que reagrupar sua antiga equipe de astronautas para, décadas depois, realizarem a viagem ao espaço que nunca fizeram (esses são os meus vingadores…).
O grosso do filme tem o grupo estelar de atores tentando desafiar o relógio, realizando testes de aptidão física e mental, em busca de comprovar que ainda tem o que é preciso para executar a missão (a diegética, de ir ao espaço, e a cinematográfica, de serem heróis) - em uma cena, inclusive, são flagrados pelados por uma das cientistas, e se cobrem embaraçados com a exceção do brilhante Donald Sutherland.
Em mais um exemplo de sua habilidade em invocar a dualidade por meio do dispositivo fílmico, Eastwood filma os corpos de modo a explorar o limite de cada intérprete, um limite tanto físico (dos homens) como imagético (dos ícones), propondo a ideia de que é possível vencer o tempo, mas a contrapondo na última cena do filme, subjugando o homem à vastidão do espaço e, mais importante ao filme, da tecnologia. Nela, Tommy Lee Jones está olhando para a Terra encostado em uma rocha lunar, após se sacrificar pelo grupo e pela missão. Trata-se de uma reiteração do plano final de A Perfect World, um contraplano cósmico, onde o mundo e a grama, captados diretamente pela câmera, são substituídos pela roupa de astronauta em toque com a gelada e abrasiva rocha lunar, ambas reconstruídas digitalmente. O teórico Thomas Elsaesser destaca, como elemento do melodrama, a textura do toque em um arte puramente visual, e como estar sensível a estas propriedades internas da imagem podem alterar seu impacto: é possível dizer muitas coisas de Clint Eastwood, mas acusá-lo de desatento não é uma delas.
Essa relação do corpo com a imagem volta a ser elaborada em Blood Work (2002), filme que, para mim, não representa, como para outros, uma pausa em sua sequência de bons filmes. Neste mistério com roupagem televisiva, Eastwood interpreta um agente do FBI que, se recuperando de um transplante de coração, descobre pistas sobre um caso não resolvido em seu próprio sangue após um exame. Falamos de um homem que tanto derramou sangue perante a ambiguidade do mundo que agora o tem correndo em suas veias.
Filme de roteiro absurdo, e que acompanha com uma relação menos plástica com o espaço: a vila de barcos onde mora o protagonista pouco tem de cinematográfica. De mais interessante, porém, é esta investigação pelicular que Eastwood tem de fazer: se na primeira cena ele tenta recriar o crime a partir de pistas deixadas, em determinado momento ele escava uma imagem de câmera de segurança em busca de evidências no melhor estilo Blow Up (1966) - gerando mais um link curioso com o cinema de Brian De Palma. Entre o sangue e a imagem, a investigação o leva para tão perto como dentro do próprio corpo, o que faz deste pequeno suspense uma jóia a ser redescoberta.
FANTASMAS DO PASSADO
Mystic River; Menina de Ouro; Flags of Our Fathers; Letters From Iwo Jima; Changeling
Uma vez devolvidos ao domínio da má literatura os ângulos insólitos, os enquadramentos bizarros, os movimentos de câmera gratuitos, em suma, todo o arsenal revelador de impotência, obtemos essa franqueza, essa lealdade sobre o corpo do ator que é o único segredo da mise en scène.
Talvez seja possível dizer que Eastwood chegou a uma espécie de saturação da própria figura nestes primeiros trinta anos de carreira. Se até então haviam sido 23 filmes, nos quais ele não atua em apenas três, nos próximos 14 ele aparece em apenas dois. Outro tema perceptível é como, entre True Crime e Blood Work, ele apresenta alguma espécie de fé renovada nos Estados Unidos, que desmoronaria junto às torres do World Trade Center e com as políticas que surgiram a partir dali.
Os reflexos disso podem ser constatados com o primeiro e o último filme desta seção, onde Eastwood avança mais uma casa na faixa etária, a reiniciando: se nos últimos dois filmes o fim estava mais próximo, nestes ele mostra que a corrupção das bases de um país vem da infância. Em Mystic River (2003), vemos um suspense onde três amigos são abordados por uma dupla de estranhos (um deles, padre), um é raptado e abusado por dias até conseguir fugir. Anos mais tarde, os três seguem seus respectivos caminhos: Jimmy um ex-convicto, agora dono de uma loja, Sean um policial e Dave um mecânico atormentado pelo trauma do passado. Quando a filha de Jimmy é assassinada e Dave se torna um suspeito, o passado parece à porta dos três homens.
Em mais uma história com natureza rashomônica, Mystic River adiciona ainda um novo elemento que se tornaria comum em seu cinema: a falência das instituições norte-americanas - e não mais, como vimos nos anos 90, um afastamento. Ao corromper a infância e se impregnar nas amizades e famílias, é possível dizer que simboliza o começo da desilusão completa de Eastwood com seu país após os atentados de 11 de Setembro. O que o faz encontrar complemento em Changeling (2008), drama de época, protagonizado por Angelina Jolie, sobre uma mãe que, ao ter seu filho recuperado após um desaparecimento, começa a desconfiar que ele na verdade não é seu filho. É o dilema Blow Up trazido em carne e osso, revelando a corrupção de todo um sistema que bagunça a genealogia do mesmo país que Mystic River mostra corrompido pela raiz.
Crescem as crianças e se tornam jovens, prontos para morrer por seu país. Não é preciso esticar muito para dizer que o díptico de guerras é a mais evidente meditação sobre a fragilidade dos Estados Unidos da carreira de Clint Eastwood. À esta altura, seus filmes dos anos 2000 já haviam tomado uma nova cara: se as sombras já estavam lá criando planos agudos em Play Misty For Me, agora parecem se alastrar de tal modo que os atores ou surgem ou são engolidos por elas.
Flags of Our Fathers e Letters From Iwo Jima, ambos de 2006, são sobre o ataque das tropas americanas à ilha de Iwo Jima, no Japão, cada um mostrando o ataque pelo ponto de vista de um dos exércitos. Enquanto o filme japonês (com atores e equipe) é sobre a transformação de homens em fantasmas, o americano é sobre a transformação de fantasmas em imagens. Enquanto um mostra a honra nacionalista como algo ao mesmo tempo louvável e digno de pena, o outro faz com que os sobreviventes sintam quase vergonha por ver sua dor tornada em propaganda. A beleza de ambos os filmes é referida em seus respectivos títulos: bandeiras que forjam, a partir da morte de seus homens, uma ideia de país, e cartas que registram, a partir da vida de seus homens, o sacrifício por essa mesma ideia.
Mergulhados na escura praia da ilha, chama a atenção como Eastwood consegue representar sua abordagem estilística por meio da simplicidade de planos do local, ainda mais quando estes conversam entre si: na cena final do filme americano, os soldados vitoriosos lavam suas almas com um banho de mar; no filme japonês, vemos a terra escura e a praia vazia. Permanência e ausência, e todo um estilo regido por meio dos corpos que ocupam o espaço registrado.
Apesar de devastadores tanto em suas obstruções estilísticas como em suas respectivas clarezas narrativas e semânticas, nem estes, nem nenhum outro filme de Eastwood me parecem, porém, capazes de sintetizar todo seu cinema e visão de América a partir deste período em específico como Menina de Ouro (2005). Interpretando um treinador de boxe que é convencido por uma amadora a treiná-la, Eastwood se filma novamente para realizar algumas resoluções. Ou melhor, para registrar a impossibilidade de resolução.
Sob a narração pesada de Morgan Freeman, Frank é constantemente flagrado pela câmera sob a penumbra: incapaz de se reconectar com a filha (e importunando um padre em retaliação à Deus por conta disso), ele recorre à uma das se não a maior paixão da América. Não precisa de muito para se perceber como Maggie, uma caipira rejeitada pela família, surge como uma redenção para Frankie tanto no boxe, como na vida pessoal. Inclusive, os dois se encontram pelo esporte, mas é no relato que se aproximam (e relatos que nunca são construídos com imagens). Lembremos, é um filme de fantasmas, que se constitui por um reconto do passado, de coisas que já aconteceram.
E embora o filme apontasse para a tragédia desde o princípio, nada em seu cinema soa tão desestruturante como o acidente sofrido por Maggie Fitzgerald. Seu sobrenome, emprestado do escritor que moldou o imaginário estadunidense dos anos 20, não poderia ser mais adequado: ao perder o movimento do corpo, Maggie destrói em si mesma a ideia de sonho americano. Não é à toa que sua família visita a Disney enquanto tenta extorqui-la, e que tudo que resta a Morgan Freeman é uma assinatura da HBO e memórias de um passado de meia glória no ringue.
Difícil pensar em plano mais tocante, em todos os anos 2000, que o beijo de Eastwood no rosto de Hilary Swank, quando esta decide pela eutanásia. Um último toque de humanidade, em um filme que cada vez menos acredita na possibilidade de conciliação com esta. Por isso entramos com os dois na loja de torta da primeira vez, mas, da segunda, vemos Eastwood no canto do quadro, por uma janela borrada. A desilusão que toma forma em todos esses filmes, termina por mais uma vez afastá-lo do mundo.
A TERRA E O CÉU
Gran Torino; Hereafter
Lançado em 2008, Gran Torino me parece ser o filme mais essencial para entender Clint Eastwood desde Unforgiven. Interpretando um veterano de guerra desgostoso dos filhos, recém viúvo e morando em um bairro cada vez mais habitado por imigrantes asiáticos, o filme empresta o nome do carro que o protagonista cuida como se fosse seu último resquício de vida. Formando uma trilogia monumental com Honkytonk Man e A Perfect World, neste vemos Walt apadrinhar um jovem hmong após este tentar roubar seu carro. Filme que põe em dialética línguas e linguagem, costumes e culturas, gestos e ações, e que é também a despedida de Eastwood das telas por toda uma década.
Nos interessa a maneira que essa despedida acontece: ao se sacrificar pela segurança de seus novos “amigos”, Walt interpreta uma última vez o soldado, fazendo com as mãos o sinal de arma para os traficantes que importunam as crianças do bairro. Assim como em Bronco Billy, a glória vem por meio da encenação. Mas os tempos são outros, e a graciosidade anda lado a lado com a tragédia (assim como é em Lang, diretor que mais e mais Eastwood parece se aproximar).
Embora seja possível dizer que, iniciando aqui, há um tom conciliador na relação homem-país, que busca compreender os processos de construção de uma nova nacionalidade americana a partir da humanidade das figuras que escolhe filmar, é preciso atentar também para o tom fúnebre que permeia os filmes desde Mystic River. A morte sempre foi, desde Josey Wales, ponto de partida natural para os filmes de Eastwood, mas conforme os tempos foram mudando e os corpos cada vez mais sendo expostos, visual e conceitualmente (basta comparar as mortes nos filmes dos anos 70 com o díptico de guerra, e o caráter de envelhecimento/deterioração nos filmes que iniciam os anos 2000 e Menina de Ouro), é possível perceber um tema fantasmagórico, um cinema que registra uma forma de contato entre o terreno e o além. A morte de Walt, nesse sentido, provoca uma mudança positiva na comunidade onde viveu a maior parte da vida, uma conciliação mórbida, que seus vizinhos hão de rezar e louvar no futuro diegético de um filme que termina antes disso.
Seria a morte então o capítulo necessário para o homem devolver ao mundo? Em Hereafter (2010), um de seus filmes mais curiosos onde Matt Damon interpreta um médium, Eastwood propõe a conversa. Auto proclamado ateu, religião é um elemento quase que inteiramente ausente em sua filmografia, mas há algo em Hereafter que parece ser capaz de reorganizar e clarear a relação do diretor com a fé. Ao que resgato uma entrevista onde Eastwood diz ter espiritualidade e que, ao parar ao lado do Grand Canyon e olhar para baixo, ele sente algo. Que ele tenha escolhido o cenário de faroeste aleatoriamente chama atenção, claro, mas principalmente o modo como podemos perceber este algo como aquilo que busca em A Perfect World, e que encontra em Space Cowboys, mas que já procurava no primeiro plano de Play Misty For Me (onde vamos da natureza ao olhar, e não o contrário), que se ocultou em Josey Wales, se revelou em Firefox, se cantou em Honkytonk Man e, na forma de uma geladeira cheia, se manifestou em Absolute Power antes de novamente se auto-ludibriar em Midnight… Neste curioso filme de almas que se conectam a partir da morte, Eastwood tenta ilustrar o abstrato que percorreu todo seu cinema.
SOBRE HERÓIS E PÁRIAS
Invictus; J. Edgar; Jersey Boys; American Sniper; Sully; 15:17 in Paris; Richard Jewell.
A escolha dos atores é portanto capital, e no fim das contas um filme nulo e completamente desprovido de ambição, se ele comporta um ator essencial (…), é mais atraente que um filme ambicioso cujos atores são mal escolhidos (…) Um ator essencial é aquele cujo rosto, voz e corpo são profundamente tingidos de uma capacidade passional e de uma sedução. A arte do metteur en scène consiste então em provocar essa natureza para que ela exploda ou radie, por uma espécie de simpatia direta e fulgurante, donde deriva que cada metteur en scène possui seus atores benéficos, como cada escritor é apegado a certos seres da linguagem mais que a outros, como cada pintor é atraído por uma cor.
Permanecendo por uma década apenas atrás das câmeras, nesta próxima seção de filmes é possível observar algumas tantas coisas. Talvez a eleição de Obama como figura conciliadora de um país marcado pelo preconceito racial, mas que também coloca no poder um homem que dialoga com as novas gerações ao respeitar e emular uma postura de outrora. São filmes onde a reconstrução dos Estados Unidos como ideia está em voga, e também de certas experimentações que justificam a ausência da interpretação por parte de Eastwood.
Em Invictus (2009), Morgan Freeman se torna Nelson Mandela realizando talvez a maior reverberação promovida pelo diretor no imaginário mundial: um homem norte-americano confundindo sua imagem com um sul-africano; no burocrático J. Edgar (2011), DiCaprio encarna o curioso fundador do FBI em uma biografia que investiga suas idiossincrasias enquanto enaltece sua posição; Jersey Boys (2014), biografia agora dos Four Seasons, popular grupo musical mas de legado apagado, tem em sua última cena Eastwood dirigindo um musical, talvez o único gênero tradicional que não havia abraçado; em American Sniper (2014), Bradley Cooper se torna uma estrela interpretando o atirador mais letal da história do exército americano, em filme que mais do que materializa a visão ambígua que Eastwood tem sobre a guerra no contraplano pelo visor de um rifle; Em Sully (2015), Tom Hanks encarna o piloto que, ao pousar sobre o rio Hudson, salvou uma centena e meia de pessoas.
Em comum, além do ritmo invejável de um homem nos seus 80 anos, é uma certa roupagem academicista em todos os filmes: todos biografias, a maioria com grandes atores em papéis centrais. Enquanto os dois primeiros não estão entre seus momentos mais inspirados, há muita coisa para se aproveitar nos três últimos. Em especial Jersey Boys e Sully. O primeiro, um filme que toca no anacronismo por meio do dispositivo: ao recriar a época com a cenografia, o filme constantemente tem seus protagonistas quebrando a quarta parede e falando ao espectador. Dicotomia que é ainda mais potente em Sully, filme que questiona o digital enquanto deste se apropria: enquanto é necessário usar os efeitos para pousar o avião, o clímax do filme é o questionamento da simulação, é o louvar do homem e não da tecnologia, e de uma rara vitória da verdade em suas narrativas rashomônicas.
Porém, meu filme favorito desta sequência, e meu candidato a mais subestimado de sua carreira, é também o mais próximo que Eastwood chegou do experimentalismo. Em 15:17 to Paris (2018), vemos um breve retrato da vida de três amigos que se reencontram para uma viagem na Europa e, quando abordo de um trem, impedem um atentado terrorista. Trata-se de uma história real, e Eastwood escala os três jovens reais (todos não atores) em seus respectivos papeis. Ao fazê-lo, Eastwood não apenas aponta para o heroísmo dos filmes anteriores revertendo a identificação do grande ator, mas realiza um experimento radical: o filme todo é uma encenação da memória, comprovando a dificuldade de fingir que faz algo (ou assim: a impossibilidade de encenar), mesmo quando este algo é algo que você sabe fazer e, no caso dos três jovens, já fez.
O filme também dá sequência a sua dissertação armamentista, mas se American Sniper é um retrato prático dos fins, este é sobre a condução dos meios: na primeira parte do filme, vemos os três ainda crianças (interpretados por outros atores, é claro), quando Spencer e Alek ambos almejam um futuro no exército enquanto passam seu tempo livre brincando com armas de brinquedo - que seu novo amigo, Anthony, seja um menino negro, adiciona ainda mais camadas à este cenário recriado por Eastwood, cuja atenção ao gesto aqui remete a Ford: basta ver como a mãe de um dos meninos reage ao amigo novo e seu jeito de se expressar.
Ao dilema que comentei na introdução, e que logo voltarei a tratar na próxima e última seção, este é um dos filmes mais atraentes: encenando um caso verídico, é seu filme que mais assimila aspectos da contemporaneidade digital e da cultura do agora. Anthony tem um pau de selfie que usa para registrar momentos da viagem, Spencer e Alek conversam por vídeo, a câmera digital por vezes se entrega a composições “instagramáveis”. Mas como poderia ser clássico um filme sobre o passado? Um filme auto-consciente de algo que já ocorreu, um filme com atores que já viveram aquilo que encenam? Um embate inconclusivo sobre o momento e a memória, sobre a glória e a reverência, que é também uma iteração da investigação que traçou de Mystic River até American Sniper.
Mas fechemos esta seção não com a eloquência de seu filme mais “imperfeito”, e sim com o desajeitado e também inspirado em caso real, Richard Jewell (2019), segurança acusado de armar uma explosão apenas para sair como herói por impedí-la. Filme igualmente atento à particularidades de seu tempo, em especial o governo Trump, que filma o dia a dia do homem até que sua figura seja completamente desmistificada: para além de sua skin de eleitor do Bolsonaro, Richard Jewell é completamente despido nas lentes de um de seus filmes mais empáticos. Seria ele, assim como os três rapazes (dois deles, militares), um herói? Heroísmo, na América, vem de representá-la, defende-la, vesti-la, ou é algo que acontece apesar disso?
Tão tarde como 2019, e Eastwood assume ter mais perguntas que respostas.
O QUE FICA PARA TRÁS
The Mule; Cry Macho; Juror #2
O ponto de chegada do cinema, atingido em raros instantes pelos grandes dentre os grandes – Losey, Lang, Preminger e Cottafavi –, consiste em despir o espectador de toda distância consciente para precipitá-lo em um estado de hipnose mantido por um encantamento de gestos, de olhares, de ínfimos movimentos do rosto e do corpo, de inflexões vocais, no seio de um universo de objetos radiantes, injuriantes ou benéficos, onde alguém se perde para se reencontrar engrandecido, lúcido e apaziguado. A paixão exclui a indulgência.
Ao longo de quatro décadas foi possível acompanhar a imagem de Clint Eastwood como pensada por ele próprio. Um homem que viveu no cinema, e que uma única vez também se despediu nele (seria Gran Torino seu maior filme?). Dez anos depois, ele volta a se filmar, agora como um senhor aposentado que é contratado como mula (traficante que leva drogas de um lugar a outro) por um cartel mexicano. O perseguindo está Bradley Cooper, em uma inversão do que vimos em A Perfect World: o jovem galã agora é da polícia, e precisa prender o rabugento herói envelhecido, que agora é criminoso.
Mas não se trata de uma continuação à trilogia que nomeei mais cedo, e sim uma primeira versão para o filme que viria depois. Sem brilho, glorificação ou eulogia, Earl Stone não busca nada, só dirige. Quando tenta contar à esposa como conseguiu o dinheiro que precisavam, ela ri e não acredita. Assim como fazia seu personagem em Absolute Power, um esboço, um rascunho de uma obra que, finalmente, merece um lugar ao lado dos clássicos de outrora.
Enquanto discordo quando dizem que Cry Macho (2021) seja um filme que não olha para o passado (é um filme consciente de que, aqueles que o assistem, irão olhar), há algo de inegavelmente clássico em sua concepção. Entre o soco que não carrega a mesma força, o chapéu que já parece grande demais e a dança que finaliza o filme, há também um forte senso de paz. De um diretor que encontrou para si mesmo um lugar feliz, que pode até ser uma espécie de caracterização de seu próprio passado cinematográfico, mas que com honestidade pode por alguns breves momentos nos fazer acreditar no que assistimos.
Eastwood não sente pena de si mesmo, mais do que sente uma necessidade, perdida na geração atual de diretores, de continuar filmando. Ele só dirige. Ele só dança. Que seus últimos filmes sejam ambos viagens não ao passado, mas pelo mundo, de um homem cujo mundo lhe escapou, me parece uma elegia digna para uma carreira deste tamanho.
No entanto, após eles vem Juror #2. Lançado no mesmo ano de O Menino e a Garça, obra prima de um também prestes a se aposentar Hayao Miyazaki, é curioso como suas carreiras parecem ter percorrido o caminho inverso. Em seus primeiros filmes, Miyazaki filmava o mundo, um mundo que desabrochava e nascia e se proliferava conforme acontecia. No seus últimos dois, ele filmou o tempo. Já Eastwood, que começou atentando a modernidade e logo em seguida revisitou o passado, passou a carreira em busca de um filme que ficasse sempre no presente.
Começamos Juror #2 com os olhos vendados e com um bebê à espera de nascer. Assistimos o colapso completo das instituições norte-americanas a partir da ruína moral de seu bem mais precioso (a família). Assistimos a uma constatação sobre a impossibilidade da verdade, da justiça, da moral e, ao final, da paz de espírito. Um filme julgado televisivo, julgado reverência, julgado síntese e que ainda está a uns bons anos de ser compreendido como o que é: o primeiro filme clássico da carreira de um homem acusado de viver no passado, que atinge este status justamente por ter um protagonista que precisa aceitar em deixá-lo onde está. Que o plano final seja o passado batendo a sua porta, me faz pensar que é um dilema que Eastwood não apenas não responderá em vida, mas que é o que move toda sua arte.
E que seja seu último filme por questões de financiamento, e não de idade, é uma poesia nada discreta, de um homem que viu a América ruir e se reerguer algumas tantas vezes.