Bob Dylan: O Amor A Dor e A Reinvenção do Seu Eu Como Artista (1969-1974)

Uma resenha sobre como Bob Dylan se reinventa pós acidente e se expõe artisticamente como nunca antes visto.


Entre 1969 e 1974, Bob Dylan lançou três álbuns que capturam, como poucos, as complexidades do amor e de amar. No entanto, nessa mesma época, ele começa a perder parte do prestígio que havia conquistado com seus discos anteriores. A ira de seus primeiros discos deu lugar a algo mais íntimo, mais pessoal. Bob traduziu perfeitamente bem, em suas músicas, a jornada do amor: da paixão intensa ao abrigo do casamento, até a dor profunda de um amor que começa a se esvair pelo ar.

Um dos momentos mais crus dessa fase aparece em Dirge, do álbum Planet Waves (1974), onde Dylan confessa, quase que amargamente: “I hate myself for lovin’ you, but I should get over that." (eu me odeio por te amar, mas eu devo superar isso).

Mas essa transformação vem de antes. Em 1966, um acidente de motocicleta mudou sua vida. Ele estava pilotando para levar a moto ao mecânico, enquanto sua esposa, Sara Dylan, o seguia de carro. Não foi apenas um acidente, mas um marco que o fez reavaliar tudo. Bob se afastou dos holofotes, deixou para trás a pressão da fama e encontrou refúgio na tranquilidade de Woodstock. Lá, ele se dedicou à família e, aos poucos, começou a se redescobrir e se reinventar como artista.

Nessa fase se vê um Bob Dylan com canções mais calmas e calorosas. Em Nashville Skyline (1969) e New Morning (1970), ele mergulha de cabeça no country, com arranjos que transmitem um quê de tranquilidade e paz vinda de uma nova fase, marcada por sua reclusão. Nesse período, ele contou com a colaboração de grandes amigos e artistas, como Johnny Cash, George Harrison e, claro, The Band.

Então, em 1974, Dylan lançou Planet Waves, um álbum que, para poucos, é o mais íntimo de sua carreira. As canções Wedding Song e Dirge trazem lados opostos do amor, mas juntas criam um belo retrato do que se é viver e amar.

Em "Wedding Song", Dylan canta sobre um amor pleno e grato, como na declaração:

"You gave me babies one, two, three, what is more, you saved my life."

O verso remete indiretamente ao acidente de 1966 e ao papel de Sara em sua recuperação e reinvenção. A canção é uma ode ao amor em sua forma mais pura - algo que nos completa, nos salva e nos dá um propósito que às vezes só encontramos através do amor de outra pessoa. Amando ao outro.

Em meio aos seus versos, Dylan desconstrói o mito de sua persona pública, admitindo: "It’s never been my duty to remake the world at large, nor is it my intention to sound a battle charge." ("Nunca foi meu dever refazer o mundo como um todo, nem é minha intenção dar início a uma batalha).

Ele deixa claro que, para ele, o que realmente importa é o amor que encontrou em sua vida, longe de qualquer grande missão ou expectativa do público, da mídia de todo o mundo. Já Dirge é um contraste brutal. A música é sombria, explicitamente dolorosa, com versos que exploram a solidão: ''There are those who worship loneliness, I’m not one of them''; "I’ve paid the price of solitude, but at last I’m out of debt."

Aqui, Dylan encara seus demônios e aceita e contemplando a solidão como parte de sua existência - apesar de não apreciá-la -, mostrando uma vulnerabilidade que para muitos não lhe cabia, afinal, não encaixa em sua discografia algo tão pessoal, tão íntimo.

Porém, mais uma vez, ele prova o porquê é o maior artista da contemporaneidade: alguém que dialoga e expõe seus sentimentos de maneira linda, amorosa e calorosa, como em ''Wedding Song',' e de forma fria, macabra e sombria como ''Dirge'' é alguém que masterizou com perfeição a emoção humana.

Planet Waves antecede o aclamado Blood on the Tracks (1975), onde Bob se aprofunda ainda mais nas dores do amor e da perda. Mas é no álbum de 1974 que ele deixa claro o quanto está disposto a se despojar emocionalmente: "I hate myself for lovin’ you and the weakness that it showed."; "I love you more than ever, more than time and more than love."

Essa fase da carreira do Bob não foi apenas um momento de transição - foi um testemunho de sua humanidade.

Ele deixou de lado o papel de porta-voz de uma geração e se tornou apenas um homem tentando equilibrar paixão, dor e paz interior. Suas canções desse período continuam tocando profundamente porque, acima de tudo, elas são reais. São sobre nós, nossos amores, nossas lutas e tudo aquilo que carregamos em silêncio.

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