Crítica | Guts - Olivia Rodrigo

QUALQUER PROTAGONISTA, no inicío do percurso de sua história, É UM ATO FALHO por natureza.

Quem dirá quando esta protagonista está no ápice da adolescência.

Erra-se tentando acertar e expressa-se mal com a melhor das intenções. Me lembro da beleza que permeava o “errar” quando tinha 19 anos (atualmente tenho 25). A maioria deles eram novidades, e, consequentemente, existia algo legal sobre cometer equívocos de tal maneira que talvez nunca mais se repita.

Hoje percebo, enquanto olho pra trás, que a essência dicotômica do jovem adulto é estranhamente engraçada: as 22 horas você se sente a pessoa mais confiante do mundo e a meia noite talvez a mais inconveniente da história. O exagero quase cinematográfico de eventos cotidianos nessa idade é algo involuntário e Olivia Rodrigo, em seu 2° álbum de estúdio, retrata de forma perfeita essa romantização exarcebada do viver enquanto novatos desse jogo: Somos protagonistas da nossa própria vida, seja por bem ou por mal,passando tanto pelas decepções amorosas mais tristes quanto pelas paixonites mais lindas e intensas. O charme de Guts, que aqui com certeza não faz alusão ao personagem principal do anime Berserk, é justamente essa coragem de abraçar com irreverência a cafonice as contradições dessa fase tão conturbada, consequentemente dando vida ao que tranquilamente pode ser considerado o representante musical de filmes como 10 coisas que odeio em você, Mean Girls - que possui forte influência no álbum - e Lady Bird. Não são revolucionários, tampouco parecem almejar ter um propósito fora o de sobreviver ao tempo (como todo adolescente). São relatos clichês e bregas, que já vimos um milhão de vezes (e que a maioria de nós já viveu coisa parecida), porém não menos empolgantes e divertidos, e que - por bem ou por mal novamente - ecoam por muitos e muitos anos.

Em Guts, Olivia Rodrigo se torna a garota que ela jurou odiar em Sour. Vai de completa coadjuvante inofensiva a Anti-herói orgulhosa. Abraçada no Pop-punk, All American Bitch é uma história de contradições. Aqui, às 22 horas, depois de tomar o primeiro gole de confiança, ela afirma ser a luz na escuridão (And I make light of the darkness, I've got sun in my motherfuckin' pocket, best believe, Yeah, you know me), porém o frenesi e as inseguranças inerentes a vida que leva ganham força até culminarem na transição engraçadíssima da Ponte para o Outro. A frenética guitarra colide com o calmo dedilhado de violão, e Olivia vai de Berros de desespero a Miss Americana em questão de segundos.

Bad Idea Right é sua melhor representação da irreverência colegial de Avril Lavigne em Girlfriend, em uma das músicas mais divertidas do ano. Todas escolhas sobre a produção são interessantes do ponto de vista narrativo: A distorção da voz em momentos mais racionais em dissonância com a inocência que carrega em sua performance/voz quando canta “My brain goes, "Ah" ; Can't hear my thoughts (I cannot hear my thoughts); Like blah-blah-blah (Blah, blah, blah, blah, blah, blah); Should probably not I should probably, probably not”). Com certeza é uma das jóias do álbum.

Vampire, que já havia chamado atenção como uma das melhores músicas do ano, ganha mais camadas quando observada dentro de Guts. Não só é o paradigma de como Baladas Pops podem e devem ser feitas - pois aqui, ao invés de ser Bella Swan ela assume a atitude de Elena Salvatore (peço desculpas pela falta de referência, meu catálogo sobre vampiros não é muito extenso), inserindo atitude e dinamismo através de sua performance virtuosa, unida aos arranjos orquestrais, sintetizadores esporádicos e a percussão de uma grandiosa banda colegial - mas também cria certa ambiguidade interpretativa em relação a sua letra, não deixando claro se é feita para algum cara qualquer ou sobre a indústria musical como um todo (“the way you sold me for parts”). Com certeza aparecerá no meu Top alguma coisa músicas do ano.

Importante também é falar da evolução lírica em relação a Sour. A garota que antes era ensinada em casa (o famoso homeschooling) se deparou com um mundo diferente do seu conforto Disneyano. A bolha que antes limitava seus assuntos foi furada, e hoje, por mais que não haja uma profundidade em seus tópicos, existe uma pluralidade em sua forma de contar. Ao mesmo tempo que consegue dissertar sobre os constantes atos falhos da adolescência de maneira energética e cômica em Ballad Of A Homeschooled Girl, também é capaz de adentrar em um espectro introspectivo e compor um singelo Folk sobre uma relação homoafetiva unilateral e abstrata (coisa com potencial pra ser uma das melhores faixas de The Record do grupo formado por Phoebe Bridgers, Lucy Dacus e Julien Baker).

Infelizmente, ela ainda cai em armadilhas como Logical e The Grudge, mesmo que seja completamente entendível que as amarras que a trazem de volta a Sour sejam mais fortes do que parecem, afinal, foram justamente esses tipo de baladas formulaicas que a trouxeram até o status de hoje. Ambas são recicladas de seu álbum anterior e soam mais como algo puramente contratual do que inspirado em algo real. Contudo, há algo sobre a maneira com que Olivia Rodrigo performa que nos convence sobre sua boa fé. Como já dito, o charme de Guts é justamente sobre abraçar todas trivialidades dessa fase da vida, e isso inclui o melodrama exagerado e cafona dos relacionamentos. Todavia, coadjuvantes são coadjuvantes por um motivo, e quando a postura adotada é essa passividade crônica já decorada por seus ouvintes (And now you got me thinkin' Two plus two equals five; And I'm the love of your life) as coisas apenas perdem magnetismo.

They all say that it gets better
It gets better the more you grow
Yeah, they all say that it gets better
It gets better, but what if I don’t?
— Olivia Rodrigo, Teenage Dream

Por sorte isso é a exceção à regra. Em meio a profusão temática do álbum, Teenage Dream fecha o círculo podendo muito bem ser o começo. Serve tanto como resposta à All-American Bitch quanto motivação para esta existir. A maior (e mais difícil) catarse do jovem adulto é perceber que daqui pra frente talvez as coisas só piorem (ou, ao menos, não se tornem mais fáceis). A faixa, permeada por delicados instrumentos de corda e um medo do futuro tão intenso quanto o piano que acompanha Olivia Rodrigo, traz a tona um sentimento tão forte que por um momento esquecemos de tudo que ouvimos até então (Bate ainda mais forte se você está na expectativa de algo parecido com Teenage Dream de Katy Perry). Quando menos esperamos, o Outro da faixa nos traz de volta a realidade: A voz inocente de um Bebê em resposta a interação da cantora aparece para apresentar uma nova fase da vida, onde tudo que foi abordado no álbum até ali pudesse ser ressignificado.

Mesmo que alguns de seus medos adolescentes se tornem reais, ela aprenderá a relativizá-los. É assim que as coisas funcionam no final do dia, mas não basta eu, você e mais ninguém falar isso para alguém que é protagonista de sua própria vida (e um dos mais interessantes da música mainstream atual), que gosta de errar e acertar a partir de suas próprias experiências.

7,8

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