Crítica | Frozen II
Poucas coisas são um exemplo tão bom do que é sentir pressão quanto a responsabilidade de produzir a sequência de uma obra de sucesso.
Elizabeth Gilbert, autora de “City of Girls” e “Comer, Rezar e Amar”, fala muito sobre isso em sua brilhante TED Talk de 2009. Após o sucesso absoluto de “Comer, Rezar e Amar”, em 2006, Gilbert se viu surfando a maior onda que um escritor pode: o topo, um sucesso estrondoso, que parece o ameaçar com a maior queda de todas no próximo instante. O artista, na visão da autora, precisa unir forças e continuar trabalhando, independente da pressão. Pois o propósito de seu ofício é mais importante que sua capacidade de repetir, ou não, o grande sucesso.
As coisas não são tão simples quando a obra em questão se trata de uma das animações de maior bilheteria de todos os tempos, responsável pelo primeiro hit proveniente de uma animação da Disney em décadas.
“Frozen” chegou sem grande alarde em 2013. E explodiu. Talvez tenha sido o bom timing do lançamento, talvez a coragem de construir uma história muito mais próxima do nosso zeitgeist, que teve a coragem de ter uma princesa sem príncipe algum, talvez o fato de o arco dessa princesa ser um com o qual diversas minorias, especialmente a comunidade LGBT+, pôde se identificar com mais profundidade que a vasta maioria dos protagonistas da Disney, talvez tenham sido as excelentes músicas do longa. Provavelmente, a união de tudo isso.
A espera para lançar “Frozen II” parece muito bem calculada. Tempo suficiente para não apressar as coisas, criar uma continuação relevante e de brinde, colocar uma leva a mais de crianças pequenas no cinema.
“Frozen II” traz à tona um resgate ao passado da família de Elsa e Anna, colocando as irmãs frente a um desafio que vai precisar de sua união, de contato delas com suas histórias e de seu amadurecimento para que a situação possa se resolver.
Com seis anos para ser produzido, o longa, teoricamente, deveria ser espetacular.
É importante lembrar que estamos em uma era na qual grandes estúdios têm tido a capacidade de produzir conteúdo de alto nível, de forma sustentável, em pouco tempo - vide os filmes da Marvel Studios. A Disney parece ter dado ao time de “Frozen II” bastante tranquilidade para entregar o trabalho e, não se engane, o filme não é de forma alguma mal-feito.
Contudo, o resultado acabou em um meio-termo entre seguro demais e complexo demais.
O saldo de “Frozen II” é definitivamente positivo. Dizer que o filme não merece ser visto é adotar uma visão no mínimo, cínica sobre a obra. Entretanto, sendo realista, é bem óbvio que não chega a altura de seu antecessor.
Os pontos fortes são bem claros aqui. A animação está melhor, o que é natural dado a passagem do tempo, mas todo o lado visual é mais inventivo. A cinematografia utiliza de mais cores, sem quebrar a ambientação escandinava, e cria sequências que brincam com o espaço de forma que imerge o espectador. Também temos, novamente, uma porção de músicas excelentes, apesar de serem menos faixas que a quantidade do primeiro filme. Entre os destaques estão “Show Yourself / Vem Mostrar”, “All Is Found / Se Encontrar”, “Into the Unknown / Minha Intuição” e “Lost In The Woods / Não Sei Onde Estou”. A última citada aqui, por sinal, é responsável por uma das sequências mais engraçadas do filme: praticamente um clipe de rock ballad dos anos 80-90 com todos os clichês e referências possíveis à época.
A atuação e performance vocal dos dubladores é excelente, tanto em inglês quanto em português. Porém, é claro que o poder da voz de Idina Menzel nas versões originais, em inglês, é incomparável. Assim como a notória qualidade da animação já deixa bem perceptível, na versão do filme em português, que os personagens estão dizendo algo diferente do que estamos ouvindo.
Na história do filme é onde começam a ficar evidentes seus problemas. O roteiro é funcional, e trabalha bem a favor da narrativa que se decidiu contar aqui. Mas é essa narrativa, em um nível mais básico, que não é tão competente quanto a de “Frozen”.
“Frozen” brilha por contar uma história simples com profundidade e passar uma mensagem forte. “Frozen II”, ao tentar expandir seu universo numa história maior e mais complexa, parece esquecer que o que foi a simplicidade do primeiro filme que fez com que nos apaixonássemos por ele.
Isso não significa que não exista uma “mensagem” em “Frozen II”, existe. Ela apenas é mais branda e menos poderosa. Quando você lança um filme cuja raiz do sucesso reside, em boa parte, por seu ideal de empoderamento, é importante que o sucessor mantenha essa força em foco. De preferência, inclusive, é melhor que essa mensagem seja reforçada, aprofundada - vide “Blade Runner” e “Blade Runner 2049”. Por um lado, o argumento do filme visa isso, mas são tantos elementos adicionais desnecessários que são inseridos, que a força se perde em meio a personagens e subtramas e magias e etc.
A impressão que fica é que “Frozen II” priorizou o público infantil, enfeitando e enchendo a história com mais do que o necessário, apenas para gerar mais aventuras, mas se atendo a mesma fórmula do primeiro filme: primeiro o mundo está bem, surge um mistério, música icônica da Elsa, começa a jornada, música engraçada do Olaf, e assim por diante. Inclusive, algumas coisas se repetem: o que seria perdoável se “Frozen” não tivesse o tamanho que teve. Dentro do público que vai assistir esse filme existem não apenas crianças, mas também adolescentes e adultos.
Diferente de filmes como “Toy Story 4” ou “Divertidamente”, “Frozen II” acaba falhando na missão de entregar uma narrativa que consiga ser, ao mesmo tempo, divertida para as crianças e rica para os adultos.
É impossível comentar alguns aspectos da trama sem entrar em território de spoilers, mas existem escolhas que são feitas que não são inventivas como poderiam ser. Isso faz com que, para os adultos, o filme se torne previsível logo no início do segundo ato. E é claro, precisamos falar sobre a candidata a sucessora de “Let It Go”.
Qualquer pessoa viva na face da terra em 2013 e 2014 ouviu, pelo menos uma vez, em algum lugar, “Let It Go” - seja na TV de casa, a versão de Demi Lovato no rádio ou em uma loja de departamento que estava passando “Frozen” nas TVs. Obviamente, teríamos uma tentativa de repetir o hit aqui, e temos. “Into the Unknown” tem uma versão do Panic! at the Disco, tem clipe, é single e fica bem claro que a Disney quer tentar emplacar a faixa. É uma música boa! Densa, épica e cheia de força, com vocais excelentes de Idina Menzel.
Contudo, ao sair do cinema, podia jurar que a próxima “Let It Go” era outra faixa: “Show Yourself”.
“Into the Unknown” figura ainda no início do longa, antes de sequer sabermos do que se trata a aventura que Anna e Elsa terão pela frente. Já “Show Yourself” vem no momento mais importante do filme, um momento de resolução e de maior coragem de Elsa. Sem falar no belíssimo arranjo da faixa, que cresce tanto quanto, se não mais, que “Let It Go”. A letra de “Show Yourself” também tem muito mais profundidade e é muito mais relacionável do que a de “Into the Unknown”. Olhando pelo lado bom, ao menos não vamos enjoar dessa música em alguns meses (sinto muito, “Into the Unknown”), mas ainda assim parece uma injustiça.
Diversos problemas me fazem acreditar que “Frozen II” não terá a longevidade de “Frozen” - mas isso não significa que seja um filme ruim, ou que não valha a pena ser visto.
Temos aqui a continuação da história de duas princesas cujo grande amor sempre foi fraternal, não romântico. A dinâmica de Elsa e Anna é a melhor parte desse filme: o roteiro aprofunda o relacionamento delas e dá a cada uma um fechamento excelente.
Também há diversas cenas engraçadíssimas com o Olaf, e o fato de não ser uma jornada contra um vilão, mas de descoberta e entendimento do mundo, torna a trama muito mais instigante. Seria mais fácil, com certeza, apenas inserir outro príncipe ruim, ou uma bruxa, ou etc. Apostar na aventura pelo desconhecido e em como Elsa e Anna vão amadurecer como indivíduos e família é mais difícil, mas, mesmo num filme com falhas, se mostra mais interessante.
Por fim, a pressão parece ter tido sua parcela de culpa nos problemas de “Frozen II”. Tentando ir mais longe que o primeiro filme, o longa acaba tentando coisas demais, mais do que precisaria. Felizmente, ainda tem personagens muito bons, um roteiro que funciona e boas canções, o que salva o filme sob um aspecto mais macro.