Crítica | 070 Shake - Modus Vivendi

My mind won't let me rest, voice in my head
I hear what it says, I can't trust a thing
If I picked up and left, how fast would you forget?

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070 Shake, por meio de seu álbum debut futurista e etéreo, mostra que possui talento e potencial.

Danielle Buena, mais conhecida como 070 Shake, é uma rapper, cantora e compositora norte-americana, associada à gravadora de Kanye West, GOOD Music. Ela primeiro veio chamar a atenção do público com suas participações no álbum ye, do próprio Kanye, no qual se destacou principalmente pelos seus vocais intensos na faixa Ghost Town, uma das preferidas dos fãs. Esse contexto gerou uma expectativa pelo lançamento de seu álbum debut, que, após alguns teasers de 2019, foi, em janeiro deste ano, finalmente lançado.

A produção, um dos pontos de destaque de “Modus Vivendi”, é muito polida, o que não é surpresa, sabendo que o veterano Mike Dean esteve envolvido em maior parte das músicas. Os sons parecem ter sido cuidadosamente editados a fim de viabilizar a proposta futurista, mas sombria e melancólica do projeto.

O álbum começa com duas faixas curtas, simples em conceito, mas bem executadas. “Don’t Break the Silence” abre o álbum de maneira etérea e serena, com 070 Shake demonstrando, logo cedo, suas habilidades com inflexões vocais em uma boa melodia e bonita letra, já deixando claro ao ouvinte que amor e relacionamentos serão alguns dos temas presentes no projeto. “Come Around”, logo em sequência, também dura menos do que 2 minutos, mas tempo o suficiente para causar uma impressão. Nela, os vocais trazem tensão, sustentada por guitarras distorcidas, em um riff um tanto claustrofóbico, que grita por socorro. Essas duas primeiras faixas, principalmente “Come Around”, parecem que poderiam ter sido um pouco mais elaboradas, mas, dado que são introduções, sua curta passagem não chega a ser um problema.

Morrow”, dando seguimento, é uma faixa mais completa em estrutura do que as anteriores, e o primeiro grande destaque do álbum. A música possui uma bonita introdução de violão, que logo transiciona em um beat minimalista, com uma boa linha de baixo, permitindo que 070 Shake entregue uma das suas melhores performances do álbum. A letra é misteriosa, emitindo um sentimento de paranoia, e o refrão, apesar de simples ao utilizar a rima “morrow, tomorrow”, gruda na cabeça do ouvinte. A faixa, no seu decorrer, vai adicionando elementos que agregam ao sentimento de ansiedade da letra e dos vocais, como por meio do sintetizador e de backing vocals, fazendo com que a música não deixe a desejar. É um dos primeiros momentos no álbum em que podemos sentir uma forte influência de Kid Cudi dos tempos de Man on the Moon.

The Pines” é outra faixa com atmosfera tensa, mas agora introduzindo também alto teor de suspense, principalmente por meio do refrão “Where did you sleep last night? [...] The pines, the pines, where the sun don’t ever shine”, que remete a uma narrativa um tanto quanto Lynchiana. A faixa possui backing vocals que ajudam a sustentar esse suspense, e o breakdown da música encaminha-a ao seu clímax, quando o instrumental fica mais encorpado e o último refrão consegue ser ainda mais assustador do que os precedentes.

Guilty Conscience” mantém o alto nível do primeiro terço do álbum, sendo a faixa mais impressionante do projeto. A música é marcada por uma bonita progressão de acordes do seu sintetizador, pela performance emocional de Shake e, principalmente, pelo seu refrão memorável, catártico e atualmente relevante. A música é, sonoramente, uma ode ao passado, mas sem perder de vista a estética futurista do álbum. Sua composição é linda e demonstra verdadeiro potencial em 070 Shake, tratando de temas como tristeza, ter uma concha protetora contra esta, e a eventual quebra da concha.

Divorce”, por sua vez, tem uma produção autêntica, com tambores envolventes na percussão, somados a um esporádico riff de guitarra épico. Os backing vocalsWhy’d you ever say you wanna?” são quase arrepiantes e mesclam muito bem com o instrumental. O verso também é de qualidade e muito sentimental, assim como o solo de guitarra ao final. Ocorre que a música é a primeira a apresentar um problema que vai se repetir ao longo do álbum, no que pertine à questão estrutural das faixas. Aqui, a escolha pela ausência de um refrão parece ser detrimental à música, que certamente perde muitos pontos se não for escutada no contexto do álbum, diferentemente de “Guilty Conscience”, por exemplo.

Rocketship” possui um dos beats mais intrigantes e intoxicantes, dando a sensação de que algo está sendo rebobinado, mas a composição pobre da letra, principalmente no que concerne ao refrão, acaba impedindo que a faixa alcance o seu potencial. “Microdosing” também merecia um refrão mais elaborado, que acompanhasse a sua atmosfera psicodélica e fizesse jus às boas performances e letras dos versos. A faixa, contudo, se recupera ao final, com a entrada de um sintetizador que soa como algo que se ouviria nos rocks progressivos e psicodélicos do início dos anos 70, mas renovado com influências de hip hop e art pop e complementado pela estética futurista do álbum.

Nice to Have” é uma música que pode acabar passando despercebida, e isso porque o beat é provavelmente o mais minimalista do álbum, que já é minimalista por si só. A entrega dos vocais é slow paced, atmosférica e melódica, numa estética um tanto dream pop,  encaixando bem com a letra, que é uma das mais intimistas e bem compostas no projeto, tratando de conexões humanas de uma forma bastante honesta. Ocorre que faltou um instrumental mais memorável ou um refrão de maior destaque para que a música alcançasse todo o seu potencial.

Under the Moon” é uma retomada da alta qualidade do primeiro terço do projeto, se tratando de uma faixa repleta de misteriosidade. O refrão, apesar de não ter a complexidade lírica de, por exemplo, “Guilty Conscience”, é direto e emite uma sensação mais psicodélica e transcedental, muito graças à voz fria, mas ansiosa que 070 Shake traz à música: “What happen under the moon, It stays under the moon… I wanna get high, high”. Assim como em outras músicas, há uma progressão instrumental, principalmente com relação ao sintetizador, que vai tomando conta da música e permitindo que o último refrão e a outro soem como uma experiência de fora deste mundo.

Até aqui, apesar de alguns empecilhos, o álbum vinha muito bem, mas, infelizmente, nas últimas três faixas, alguns dos problemas que já vinham sendo constatados acabam se intensificando.

Daydreamin”, por exemplo, tem um dos beats mais complexos do álbum, com uma influência industrial, lembrando bastante o Yeezus de Kanye West, até mesmo no flow frio e implacável de Shake, mas o refrão é demasiadamente esquecível com os intermináveis “daydreaming”. “Terminal B”, por sua vez, a faixa mais longa do álbum, chegando à marca dos 5:31, parece ser uma das mais ambiciosas, pelo número de transições instrumentais, e, embora o verso seja bonito, tanto lírica quanto sonoramente, a falta de um refrão faz com que a música trafegue por muito tempo sem chegar a lugar nenhum. Por fim, “Flight319” é dividida em dois momentos muito distintos. O primeiro, onírico e atmosférico, é bonito e remete à serenidade da faixa que abriu o álbum, enquanto o segundo é uma outro misteriosa e claustrofóbica, com uma produção no estilo drone. As duas partes são interessantes e boas, mas muito curtas e desconexas, causando confusão sobre o porque de estarem juntas em uma mesma faixa e não separadas e de forma mais elaborada, ou seja, novamente a questão estrutural traz questionamentos.

Pois bem, muito se pode concluir da análise de “Modus Vivendi”. 070 Shake possui talento e potencial, tem suas inspirações bastante definidas em alguns nomes como Kid Cudi e Kanye West, mas sabe adaptar essas influências para um som próprio. A produção é um ponto fortíssimo do álbum, que possui engenharia fantástica. Entretanto, é necessário certo amadurecimento no som, para que seja apresentado um projeto mais coeso e definido, de forma que as ideias sejam exploradas mais à fundo e nenhuma faixa soe como um trabalho inacabado. 

7,2

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